segunda-feira, 29 de julho de 2024

A Soja ou o Soja

Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes, Professora de Português e Inglês, residente em Ponta Grossa.

Tinha eu apenas ilusões, pelos meus vinte anos. Argumentava para mim mesma, com a ingenuidade infantil, e sem progredir nas teses para uma conclusão. Estereótipo ideal para sobreviver bem, naqueles “anos de chumbo”. Digo “sobreviver bem”, pretendendo insinuar uma antítese mascarada, pois, sobreviver parece bom, entretanto, contém a ideia de um mal que foi incapaz de nos matar, mas nos causou danos. Insinuo, com o advérbio bem, apenas que poderia ter sido pior.

Ponta Grossa ganha o título de Capital da Soja, por entre um burburinho acerca do gênero da ilustre leguminosa, dado tratar-se de: ela, a planta leguminosa; ou ele, o feijão soja. Vence o feminino: encontrei hoje no Google, uma qualificação muito difundida, naquela época, atestando que “A soja (Glycine max) é uma planta herbácea anual pertencente à família das leguminosas (Fabaceae). Originária da China, a soja é cultivada amplamente em todo o mundo devido ao seu alto valor nutricional e versatilidade na culinária”. E eu que já questionava o inexistente Google, especialmente sobre a “versatilidade culinária”... Minha irmã era técnica de extensão rural na Acarpa, e aparecia em casa com receitas e processos de utilização da soja na alimentação. Bolinhos, pães, sopas, cremes... (e minhas reticências). Tudo horrível! E trabalhoso! Ferver a soja, descascar a soja, amassar a soja, até produzir o leite e o... farelo... O qual tem a propriedade de substituir a proteína da carne!  

E havia o concurso anual de Rainha da Soja, no qual quase concorri, representando o SESC, onde o saudoso Flávio Fanucchi dava curso de teatro. Eu me saí muito bem na  p r o v  a   e s c r i t a..., o que..., aparentemente..., me qualificava para me candidatar, pois me convidaram! Ou porque ninguém mais quis! Obviamente não aceitei. Creio que minhas reticências representam bem os meus “argumentos com ingenuidade infantil sem progressão para uma conclusão” para que eu não aceitasse.

Os fatos, hoje: milhares de produtos da alimentação humana “podem conter soja”. Assim como “podem conter leite, glúten, cevada, amendoim, castanha...” Levante a mão quem procura soja no mercado para cozinhar como prato principal... Assim, eu questiono a “versatilidade culinária” da soja. E concluo: comemos soja na carne bovina, suína, franguina, (canina, não, porque ainda não comemos cachorros...), e óleo de soja, que faz mal.

A soja – commodity vedete do agronegócio, que põe comida no prato dos brasileiros..., às vezes... ocupando áreas de preservação ambiental.

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Caixa Postal 36

Texto de autoria de Mário Francisco Oberst Pavelec, técnico em agropecuária, natural de Palmeira, residente em Ponta Grossa.

Em tempos hodiernos, locar uma caixa postal em uma agência dos Correios se dá apenas para empresas, que necessitam enviar e receber alguns documentos cujo meio digital ainda não conseguiu substituir, ou para que as encomendas tenham um destino mais seguro.

Porém, antes dos e-mails, das virtualidades, das caixinhas que carregamos nos bolsos e mãos, cujo nome diz uma coisa, mas para essa coisa pouco usamos, ou seja, o telefone celular, as comunicações eram diferentes.

Para o imediato, o telefone, fixo, que em tempos antigos precisava de uma telefonista para operar as ligações. O primeiro lá de casa, em Palmeira, era o 136. A evolução do número se deu em 52-1336, passando para 252-1336 e posteriormente 3252-1336.

Coincidência ou não, meu pai tinha locado nas agências dos Correios de Palmeira, uma caixa postal com o número 36. Essa agência, localizada no início da rua Conceição, tem um prédio de uma arquitetura belíssima, década de 1950, creio, com seu recuo em relação à rua, e o piso do salão principal todo diferenciado.

Meu pai recebia regularmente correspondências, desde contas, cartas, cartas das agências bancárias, propagandas, mas seu maior fluxo era de próteses dentárias, enviadas pelo protético de Ponta Grossa. Seu Mário tirava um tempo do consultório para subir a Conceição, passar no correio e depois seguir até as lidas bancárias. Sempre depois das dez da manhã. A chave era quadradinha, marronzinha, e pequena. Não perca, me dizia ele. Ah, cartões de natal, quantos cartões de natal recebíamos.

Muito usei esse endereço, recebendo todo tipo de correspondência. Cartas, livros, folhetos técnicos, revistas (inclusive algumas estrangeiras, me achava o máximo) e raras encomendas. Também muito escrevi e muitos selos colei em envelopes, garantindo a chegada das correspondências até seus destinos.

Receber um telegrama era uma coisa de outro mundo. Lembro-me de um dos primeiros que vieram endereçados a mim, convocando para assumir o emprego de extensionista na Acarpa. Uma emoção ímpar, proporcionando-me o primeiro voo solo enquanto pessoa e profissional.

Caixa Postal 36, CEP 84130-000, Palmeira – Paraná era o endereço constante de minha casa, quase ofuscando a Rua Coronel Pedro Ferreira, 183, onde nasci, e depois, atravessando a rua, a Praça Marechal Floriano Peixoto, 144, onde vivi minha adolescência.

Quem será que está lá hoje?

Em tempo: 36 é cobra na cabeça!

Eméritos dos Campos Gerais

Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa.

    Nos corredores da Universidade Estadual de Ponta Grossa, um encontro peculiar aconteceria. Era um desses dias em que as lembranças do passado se encanastravam com o presente de maneira quase corpórea. Reunidos como que por um chamado, estavam os professores aposentados da instituição, que dedicaram décadas de suas vidas à sublime missão de arrotear.

    Entre eles, destacava-se um professor caricato, cujos cabelos grisalhos e olhar erudito transformou-se ao longo dos anos. Ao seu lado, a Professora Cleide, com sua postura elegante e voz fleumática, transmitia toda a sua sabedoria. E assim, outros colegas assentiam, cada um carregando consigo uma bagagem de histórias e ensinamentos.

    Logo as conversas dissuadiram para um tema de preocupação e reminiscência: a nova geração de estudantes. Com olhares críticos, os professores começaram a discutir as vulnerabilidades percebidas naqueles que agora ocupavam as salas de aula.

    "Você viu como os alunos de hoje em dia parecem tão frágeis e dependentes da tecnologia?", comentou o Professor Almeida, sacudindo a cabeça com incredulidade. "Não têm mais aquela curiosidade natural de explorar o mundo ao seu redor. Tudo é entregue de bandeja, mastigado e pronto para ser digerido."

    A Professora Beatriz assentiu, acrescentando: "E não é apenas a falta de interesse pelo conhecimento. Muitos deles têm dificuldade em conviver com adversidades. Estão tão acostumados ao conforto que qualquer obstáculo se torna um dilema intransponível."

    Trocaram olhares cúmplices, lembrando de suas jornadas de desafios e superações: acondicionar o material em uma sacola de lixo, morar em república com dez outros estudantes, utilizar o transporte público apenas em dias de tempestade forte, nos demais, recorrer às capas e galochas. Certas observações faziam parecer até mesmo uma competição sobre quem foi o menos afortunado: nunca ter tido caixa de lápis de cor ou reutilizar o material dos irmãos mais velhos. Em meio à concorrência, um professor de Engenharia mencionou que contou todos os pregos de sua primeira obra e jamais imaginou viver em meio a uma geração de desperdício.

    "Fomos forjados na fornalha das dificuldades", declarou o Professor Almeida, com olhos nostálgicos. "Cada obstáculo que enfrentamos nos tornou mais fortes, mais resilientes".

    Entretanto, humildes, ainda mantinham a esperança de que cada aluno pode ser capaz de encontrar em si a força necessária para desenvolver seu pleno potencial rumo ao extraordinário.

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Corrida noturna

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa.

Nós estamos por toda parte. Escrevesse eu um texto com o tema “corrida de rua” e o mandasse à Academia de Letras local, preencheria com tranquilidade o quesito “possuir identidade com os Campos Gerais” ainda que não citasse nominalmente nenhuma de suas cidades, ruas ou parques – se discorda, olhe pela janela. 

Estamos por toda parte e a qualquer horário. Numa semana de lascar, que transformou em borralho todos os minutos úteis, e vinha se aproximando a primeira meia-maratona que eu faria – desejando terminá-la correndo, não de carona com os paramédicos – pela primeira vez corri de madrugada. Oito irresponsáveis quilômetros entre Olarias e o Jardim Carvalho. Próximo ao Parque Ambiental, encontrei um desconhecido que também treinava e que na cumplicidade das horas mortas saudou-me com um “salve, guerreiro”. 

Na pista do Jardim Carvalho, a aquosidade amarela da iluminação pública irradia tropegamente pelo cenário o aspecto de um amanhecer eterno; as cercanias do Parque dos Ingleses, ao contrário, parecem inaugurar um tempo inédito, cuja madrugada é mais funda, uma hora adicional cravada entre as quatro e cinquenta e cinco e as cinco da manhã; o Parque Linear remonta à kenopsia, que o “Dicionário das Tristezas Obscuras” caracteriza como a melancolia dos lugares vazios que já foram frequentados; o Lago de Olarias faz pensar numa excursão ao além ou a outro planeta mais distante do sol, dado o frio que emana das pedreiras próximas enquanto a escuridão cobre as águas com seus variados graus de breu.

Sempre há pelo percurso algum outro desvairado correndo na comunhão daquela fome, daquele hábito, daquele vício que nos leva adiante, na pista e além. Houve um ano em que corri mais de mil quilômetros no período noturno; não que seja hábito de guerreiros, como bradou meu anônimo colega, mas apenas o curativo e a antecipação de outras corridas e correrias, aquelas que se travam de dia e, justamente por isso, nelas há mais trevas, muitas mais.

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Nos velhos tempos dos Correios

Texto de autoria de Márcia Derbli Schafranski, professora universitária aposentada, Especialista e Mestre em Educação pela UEPG e Suficiente Investigadora pela Universidade de Extremadura, na Espanha, residente em Ponta Grossa.

Transitando pela rua Augusto Ribas, em direção à Santa Casa de Misericórdia, o sinaleiro fechou e parei quase em frente ao prédio da Agência Central dos Correios. Lembrei então dos tempos da minha adolescência, quando meu pai me “escalava” para escrever cartas endereçadas aos seus irmãos, que não residiam em Ponta Grossa. Discorria sobre os assuntos que deveriam ser abordados e eu dispendia algumas horas, para “conversar” com parentes que mal conhecia, tendo sempre o cuidado de acrescentar um toque de amabilidade, para que as cartas não se parecessem com um relatório.

Quando eu terminava de escrever, ia ao escritório do meu pai e lia a “missiva” em voz alta, para ver se ele estava de acordo com os meus escritos, porém, sempre, ele dizia: você esqueceu de mencionar “tal” fato. Eu colocava um PS e dava por encerrada a primeira parte da minha tarefa. A segunda parte consistia em levar as cartas ao correio, sempre com a recomendação de colocá-las nas caixas certas, para não serem extraviadas. Todos os meses, a minha “missão” se repetia.

Na época de Natal, então, era o “caos”. Ele me dava uma lista enorme, com os nomes dos parentes e amigos a quem eu deveria endereçar cartões de boas festas, e lá ia eu, em direção à livraria Montes, sabendo que, na volta caberia a mim subscritar os envelopes para serem enviados.

Eu ia ao correio, com uma sacola cheia de cartões e enfrentava filas enormes, para comprar e colar os selos, com aquela colinha de pincel que ficava em cima de uma pequena bancada.  Enviava os cartões, acreditando que, finalmente, havia encerrado a minha tarefa.  Ledo engano! Quando recebíamos um cartão de alguém que não estava na nossa lista incial, papai simplesmente me dizia: Vá à livraria, comprar um cartão de agradecimentos para enviarmos ao meu amigo, com o nosso pedido de desculpas!

E os telegramas, então!!! Por ocasião de formaturas, falecimentos, ou mesmo, festas às quais não poderíamos comparecer, cabia a mim ir ao correio, enviar as mensagens, de acordo com a ocasião. O preço do telegrama era cobrado pelo número de palavras escritas e eu, sempre fazia sobrar um “troquinho”, para, na volta, passar na padaria Glória, comprar um delicioso sonho recheado com nata.

Os tempos mudaram e mudaram também, as formas de comunicação. Porém, tenho a certeza de que se hoje meu pai fosse vivo, ligaria para mim do seu telefone fixo e diria: Passe aqui em casa e traga o seu celular, pois, preciso enviar algumas mensagens!

segunda-feira, 1 de julho de 2024

A Luz que emana da escuridão

Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa.

Era um daqueles dias em que a vida se mostra insuportável, um drama da vida real. Meu pai, em coma, preso em seu corpo entre a vida e a morte, e nossa família mergulhada num abismo de desespero. A cena era de tragédia clássica: uma sala de hospital na qual a esperança se diluía a cada batida dos aparelhos, em que as lágrimas eram mais frequentes que palavras.

Em meio ao caos, encontramos as pessoas mais maravilhosas. A fé, a bondade pura, surgia no momento mais sombrio. Era como se Deus, ao ver nosso sofrimento, enviasse seus anjos disfarçados de gente comum. Elas doavam tempo, ofereciam palavras de conforto, seguravam nossas mãos trêmulas e enxugavam nossas lágrimas. Eram pessoas que traziam uma luz inesperada.

Em uma quarta-feira na paróquia Santa Rita em Ponta Grossa, eu, consumida pela dor, fui à época na missa celebrada pelo Padre Wilton, buscando uma faísca de esperança. Sentei-me no banco de madeira, cabeça baixa, soluçando lágrimas e preces desesperadas. Quando senti uma presença ao meu lado. Levantei o rosto e encontrei uma mulher absolutamente cega. Ela me abraçou e se apresentou como Jô, uma figura que parecia ter sido enviada por uma força maior.

Jô, mesmo sem enxergar, parecia ver mais do que qualquer um de nós. Ela segurou minha mão e suas palavras foram como um bálsamo: "Vou rezar todos os dias pelo seu pai”. Aquela promessa, vinda de uma desconhecida com suas próprias limitações físicas, trouxe um consolo que palavras não conseguem descrever. A partir daquele dia, Jô passou a me telefonar diariamente, como se tivesse se tornado parte da nossa família. Eu sabia que Deus a tinha colocado em nossas vidas.

E a amizade com Jô floresceu. Ela era a prova viva de que a compaixão não conhece barreiras. Cada ligação, cada oração compartilhada era como um sopro de esperança, um lembrete de que não estávamos sozinhos. Era o testemunho de que a bondade humana pode surgir nos piores momentos, trazendo consigo a mão invisível e consoladora de Deus.

Após cinco anos em coma, o final de tudo. Percebi, inspirada nas ideias de Miguel de Cervantes e na perseverança de nossa família que – Quem não tenta o impossível, falha em cumprir a missão que a vida lhe concedeu. A vida nos colocou diante do impossível e acreditamos que fizemos o melhor. As ações de Jô sempre ficarão gravadas em minha memória e ainda ecoam em meus pensamentos:  uma mulher cega que viu além das trevas e trouxe luz para nossas vidas quando mais precisávamos.

Uma janela para dois mundos

Texto de autoria de Newmara Martins de Oliveira Spitzner , Engenheira Civil, natural e residente em Ponta Grossa. A luz do alvorecer começ...