Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa.
Postado no Portal aRede em 30/11/2022, no Portal CulturAção em 21/02/2023, e publicado no Diário dos Campos em 19/04/2023.
Contrariando todas as expectativas mais pessimistas ‒
sobretudo as minhas, que no campo das ideias preciso transformar fraquezas em
forças para realizar até os empreendimentos mais comezinhos ‒, escrever é
relativamente fácil. Sequestra-se (da vida ordinária, das Musas, do jornal, de
onde se quiser ou puder) um tema, rabiscam-se umas especulações sobre ele,
eliminam-se os atentados gramaticais mais flagrantes ‒ notadamente
"caxorro" e "cerumano" ‒, submete-se o resultado ao comitê
avaliador, que testifica nossa alfabetização a duras penas conquistada. Logo o texto
sai na mídia impressa e digital, para perplexidade de amigos e parentes.
E por que haveria alguém de escrever? Porque escolheu esse
dentre outros hábitos nocivos, porque as ideias inexpressadas pesam, porque o
universo simbólico colhido da literatura pede vazão, porque é uma forma de
arrivismo, porque o autor tem insônia ou precisa estruturar o pensamento,
porque tem as estantes atulhadas de bons livros e eles reclamam más companhias.
Se os motivos forem ruins, não há o que temer ‒ alguma amoralidade é desejável
nessa esfera.
Para uns e outros, parece até mais fácil, eis que nessas
páginas despontam velhos ponta-grossenses, bolos vulcões, recantos de papagaios
e outras histórias que vencemos fluidamente, indiferentes à preguiça e ao sono.
O Município de Ponta Grossa é conhecido de todos os seus
viventes ‒ com sua geografia acidentada, seus distritos longínquos, seu inverno
perseverante e sua arborização episodicamente precária em contraste com a
profusão de aves noturnas. A Ponta Grossa do Crônicas dos Campos Gerais é a
cidade que vive e morre na carne de cada autor ‒ para MIM, é espécie de
Curitiba de Dalton Trevisan sem o Vampiro; discrepante, biliosa, lugar que está
e não está, simultaneamente. Eu não conhecia os Campos Gerais antes de cá
morar, desde o começo da década passada. Não sei de uma Ponta Grossa bucólica,
de infância, para onde retornar, mas ela existe se alguém a recriar desse modo
ou para quem arquitetar outra releitura qualquer ‒ talvez emulando a São
Petersburgo de Dostoiévski (embora glacial), a Santa Maria de Onetti (embora
diminuta) ‒, cada cronista é o demiurgo de sua própria cidade e senhor absoluto
dela, mesmo sem dever nenhuma fidelidade a ela.
Nenhuma fidelidade, e não haveria como ser diferente ‒ se
assim a cidade é descrita, assim ela é; se está escrito é verdade,
principalmente se não for. Em qualquer de suas possibilidades será essência de
si mesma, celebremos.