segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Os tesouros da Princesa


Texto de autoria de Francielly da Rosa, estudante de Letras Português/Inglês na UEPG, Ponta Grossa.

Publicado no Diário dos Campos em 08/01/2020, postado no Portal aRede em 22/04/20, exibida na TV Educativa em 16/12/2021.

            Muitas histórias são contadas a seu respeito, taça, garrafa, mesa posta para o banquete, dois índios enamorados, correria, uma bota perdida, bolsos cheios de ouro, quando viu estava dentro da água, afogou-se e o ouro foi parar no fundo da lagoa.
            Muitas histórias são contadas, sua beleza atrai atenção, se fazem reportagens, notícias, alguns até versejam para ela ao pôr do sol. Nós somos os filhos da Princesa! A Princesa dos Campos Gerais! Acompanhamos diariamente seu desenvolvimento, felicitamos suas evoluções, mas também choramos os eventos tristes que porventura a abalam.
            Suas belezas já não são como eram antes, em tempos outros em que o homem a desconhecia, ou quando a viu, com os olhos maravilhados e desejosos. Ah! O desejo de possuí-la, de marcá-la, degradou durante anos as suas preciosidades. Quando visitamos seus pontos turísticos, podemos ver dedos humanos que ali deixaram rastros, assim como resíduos plásticos e demais poluentes. Os homens, aos poucos, vão roubando os tesouros da Princesa.
            A Princesa dos Campos demonstra suas emoções a todas essas mudanças, às vezes quieta se cala, com semblante nublado, num mesmo dia seu humor varia, de repente chora.  O que nós fazemos por ela? O que podemos fazer? Com certeza muito! Cuidando dos seus tesouros assim como ela nos cuida, acolhe, afaga. Em dias em que seu sorriso irradia, leve seus amigos, sua família, para desfrutar das ricas e belas paisagens proporcionadas por ela. Fotografe, sorria, divirta-se e cuide. Se é fruto deste ventre, mesmo que seja adotivo, preserve-o com amor, assim como o faz com a mulher que lhe deu a vida, faça com a que lhe dá tesouros que nenhum ser humano será capaz de reconstruir.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Antes do último beijo


Texto de autoria de Marivete Souta, Professora, Ponta Grossa.

Publicado no Portal aRede em 02/01/2020.
  
Ela dá um beijo no filho, manda uma mensagem para a amiga, olha-se no espelho e encontra lá a menina que ainda habita em si e convive com a mulher madura que se tornou. Sai... e não volta mais. Tudo foi feito pela última vez. A efemeridade da vida é um fato, somos passageiros prestes a partir, todavia o modo como essa vida foi tolhida nos abala porque sua vida esvaiu-se pelas mãos de quem amou, contrariando tudo que entendemos por amor. Saint Exupéry, em O Pequeno Príncipe, fala do amor como o entendo: o amor não pode ser confundido com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos. Contrariando a opinião comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, é contrário ao amor. Este faz sofrer. O amor verdadeiro começa lá onde não se espera nada em troca.
A mulher assassinada pelo ex-companheiro ocorrida em dezembro deste ano, aqui nos Campos Gerais, relembra uma tragédia acontecida há mais de 100 anos, daquela que hoje é conhecida como a Santinha dos Campos Gerais, Corina Portugal. Era 1885 quando o marido a assassinou com trinta e duas facadas. Ela se tornou insígnia da violência contra a mulher nesta cidade. Seus gritos de dor reverberam hoje nesta tarde cinza e os Campos Princesinos choram novamente a morte de uma mulher ocorrida em situação cruel.
Corina Portugal lia um livro de Machado de Assis, assim disseram. Refletia ela sobre a obsessão de Bentinho por Capitu?! Aquela ia com o filho à escola no momento que foi pinçada inclementemente da vida, quimera perdida!
 Quantas outras mulheres morreram, morrem e morrerão pelas mãos de seus companheiros ou ex-companheiros? O número de mulheres vítimas de feminicídio aumenta a cada ano no Brasil. Conforme dados de 2018, do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 29,6% dos homicídios dolosos de mulheres no Brasil são feminicídios e 41,8% acontecem no Paraná.
Antes que a amargura e a tristeza venham visitar-nos inesperadamente, trazidas pela morte de uma filha, irmã, mãe, mulher, gritemos em uníssono por um mundo sem violência contra a mulher. Quando ocorre um feminicídio todas nós mulheres nos sentimos feridas. Vivenciamos um vazio irrespirável.
Antes do último beijo, antes que a cortina se feche e a peça termine, que a vida seja tratada como uma dádiva divina. Deus nos concede uma página de vida nova no livro do tempo, a cada dia, e que nenhuma página seja arrancada de nós abruptamente.

domingo, 15 de dezembro de 2019

Afetos de uma casa

Texto de Juliano Lima Schualtz, estudante de História da UEPG, Ponta Grossa.

Postada no Portal aRede em 18/12/2020, publicada no Diário dos Campos em 25/05/2022.

Na casinha de dois cômodos, daquelas de alguma cidadezinha do interior do Paraná, São João do Triunfo, para ser mais exato, com cozinha e quarto de madeira, buracos decorando a ausência de forro, o varal dependurado no teto... levantava-se cedo, batia-se a cabeça na roupa úmida e no forro baixo. O podre da madeira sinalizava um tom arcaico no assoalho, cupins e minhocas em uma mistura barroca; havia uma dimensão sagrada – de revolta – naquela pobreza. Panos floreados, com figuras geométricas, com animaizinhos, eram usados para esconder algumas tábuas estragadas e pouco pintadas. O resto da pintura baseava-se em fuligem de lesmas, teias de aranha e casas de cigarra, vez em quando, rastros de vaga-lumes.
O vento-ventania passava pelas frestas, fazia rilhar o telhado, algumas telhas quebravam; mais uma goteira. Rachaduras e goteiras eram hóspedes prematuros da casa, hóspedes ocupando estadia comprida. Os dois moradores da casinha possuíam diligência e feição no trato ao limpá-la, remendá-la, casa-tricô. Tornou-se costume habitar entre fissuras. O teto estava sempre a um passo de desmoronar, mas sempre ficava firme, fazendo uma barriga sobre a cama, decerto tábuas dilatadas, sonho dos dois era barriga dilatada de comida. Tudo estava a um passo do desmoronamento: casa-intempestiva.
Paredes estalavam-sacolejavam, uma dor antiga havia feito morada naqueles cômodos, por outro lado, o barraco desempenhava um espaço lenitivo; esparadrapo de madeira, farrapos assépticos de tecidos improvisados. Quando chovia, logo embrutecia a enchente, arrastando tudo, a correnteza açoitava as palafitas, a água marrom comia tudo, a garganta da água suja engolia tudo: paredes, tinta, telhado, janela, a força daquela gente.
“Araã” é sentimento de distância em tupi, pensou o senhor, ouvira a palavra dos lábios de um velho índio caingangue. Da casinha sobraram algumas tábuas, muita lama da água, não havia mais goteiras, mas o vazio intermitente.

Radioteatro em Ponta Grossa

Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, Professora aposentada, Ponta Grossa.

Publicado no Diário dos Campos em 22/01/2020, postado no Portal aRede em 03/02/2021.
   
 As pessoas com mais de 50 anos viveram a época dourada do rádio nas cidades do interior. A Rádio Central do Paraná, uma emissora AM que apresentava uma programação eclética, tinha programas esportivos, noticiário, programa direcionado às mulheres, programa infantil, muita música e a atração das noites: as novelas.
     Os atores eram da cidade mas, com o passar do tempo, agregaram-se novos artistas vindos de São Paulo.
      Minha mãe fazia parte do elenco do radioteatro, como eram denominadas as novelas. Para driblar o ciúme que meu pai sentia, eu a acompanhava e ficava por lá, brincando, mexendo na máquina de escrever, esperando a hora de voltar para casa.
     Dessa forma minha presença era assídua e eis que surgiu um personagem infantil numa novela de Ivani Ribeiro e fui convidada a participar. Minha mãe foi quem me ensinou a arte da interpretação. Eu tinha nove anos de idade quando iniciei e gostava muito de fazer aquele trabalho. Cada capítulo era feito ao vivo. Nada era gravado.
       A sonoplastia, executada com materiais improvisados, ficava perfeita. O silêncio no estúdio era imprescindível, porém aconteciam risos abafados atrás de uma cortina.
       Era o ano de 1956. Num sábado, véspera do Dia das Mães, seria levada ao ar uma peça especial para a data e o meu papel seria importante naquela apresentação.
        No entanto, durante a noite de sexta-feira fui acometida por fortes dores abdominais, minha mãe não podia fazer outra coisa além de chá e compressas. Não tínhamos telefone e nem carro e, para culminar, meu pai estava fora.
         Ela esperou amanhecer e levou-me ao Hospital São Lucas (hoje é o Pronto Socorro) onde o médico constatou apendicite aguda. Uma cirurgia de emergência era a indicação clínica. Comecei a chorar porque não concebia a ideia de não participar da peça. Na verdade, a direção teria que cancelar a apresentação pois não havia substituta, eu era a única atriz mirim do elenco.
         Convenci a todos de que faria meu trabalho de qualquer maneira.
         Naquele sábado, entreguei-me ao personagem como sempre o fazia. Microfone ligado, script na mão, painel aceso “NO AR”. Emocionada com o texto cheguei às lágrimas. Ao término, após um copo de água açucarada, fui levada pela Viviane Durski, uma grande atriz, a bordo do seu fusquinha, até o hospital onde aconteceu a cirurgia naquela mesma noite.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

O menino que vi

Texto de autoria de Rosana Justus Braga, revisora, Curitiba (natural de Ponta Grossa).

Publicado na Folha Paranaense (Jaguariaíva) em 10/12/2019 e no Diário dos Campos em 14/02/2019, postado no Portal aRede em 05/08/2020.

 Na primeira vez que o vi, teria minguados três ou quatro anos, e vinha na esteira dos pais, catadores de papel. Com ele, alguns outros, todos nascidos do casal esquálido que puxava a procissão de devotos mirins. Regularmente surgiam no bairro, à cata do lixo limpo, como diziam.
         Ele, o menorzinho, entrava na loja e puxava a ladainha com sua voz de pássaro canoro. Levava, além de caixas e papéis, minha gratidão sem medida, pois me permitia reparar injustiças com pequenos mimos, algumas roupas aposentadas, brinquedos cansados e um convite para ir à lanchonete do outro lado da rua.
         Ficávamos ali, enquanto a família se espalhava catando o que pudesse carregar. Em questão de segundos, ele escalava a banqueta de pernas altas, apoiava-se no balcão com os cotovelos, pedia logo uma coxinha e fartava-se de ketchup e mostarda.
Eu registrava detalhes, os pés descalços balançando no ar, a expectativa ansiosa, a avidez da boca cheia, o inusitado bigode, o olhar de criança ainda intacto, milagrosamente.
Quantas vezes coloquei de lado minha rotina de trabalho pelo prazer de dividir com ele o balcão da lanchonete. 
         Foram muitas, incontáveis, até que notei a penugem em seus lábios e me dei conta do adolescente à minha frente. O pardalzinho crescera, já vinha sozinho no ofício de catar papel, empurrando ele próprio o carrinho muitas vezes recauchutado. Era o menino de sempre, ainda que mudado. Vinha buscar um pouco do muito que lhe faltava.
          Mas eis que um dia, ele me surpreende com uma visita inesperada: uma garota esmirrada ao seu lado e um bebê recém-nascido. “Minha esposa” – anunciou, com gravidade na voz. Mal pude acreditar.
Desviei o olhar pasmo para a menina encardida que me sorria, e logo para o embrulho de parcos panos que ela segurava como se fora a boneca que nunca tivera. Ele, orgulhoso, saboreava meu espanto.
         Desconcertei-me. Gaguejei palavras tolas, tímidos votos de saúde, prosperidade e vida longa, vejam só, ao desvalido casal; ao pardalzinho adormecido, que não se sabia semente plantada em solo adverso, fiz reza forte no meu silêncio.
Depois, fiquei a vê-los descer a rua, curvados sobre o menino, iluminados por uma alegria que eu não era capaz de entender.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

A Praça da Matriz e a Capoeira


Texto de Jeferson do Nascimento Machado, agricultor, São João do Triunfo.

Publicado no Diário dos Campos em 06/12/2019, postado no Portal aRede em 20/02/2020.

Encontro-me na Praça da Matriz, um pequeno espaço de lazer, localizado no centro da cidade de Imbituva. O local é composto por elementos naturais – árvores, gramados, flores e arbustos­ – e não-naturais, produtos do trabalho humano – bancos, calçadas e a Paróquia Santo Antônio. Nesta praça nasceram amizades, namoros... mas fora esses acontecimentos cotidianos, o lugar também serviu de palanque para fascistas, repressores... Aqui discursou Plínio Salgado, foram realizadas passeatas e marchas militares durante a Ditadura. Por outro lado, este mesmo lugar foi ponto de encontro de jovens, que por diversas vezes reuniram-se para discutirem as mazelas sociais e buscarem alternativas ao velho mundo.
Agora, dirijo-me para o outro lado da praça. Noto que várias pessoas, vestidas de branco e algumas segurando instrumentos, aglomeram-se abaixo de algumas árvores. Aos poucos se forma um círculo. Em seguida, passam a tocar e a cantar. Aqueles que não empunham instrumentos caem nas palmas e respondem o coro. Sem demora, duas pessoas se dirigem sob os que tocam os instrumentos, agacham-se, tocam a mão um do outro e adentram o círculo, realizando uma cambalhota. Agora eles estão no centro do círculo e realizam movimentos em grande sincronia. Parece uma luta! Parece uma dança! Trata-se de uma tradicional roda de capoeira, que ocorre aqui desde a década de noventa. Aliás, as primeiras aulas de capoeira da cidade foram realizadas nesse local.
Não tarda e a roda começa a seduzir os transeuntes. Homens, mulheres, crianças e casais que estavam passando agrupam-se em torno da roda. Imediatamente, mesmo que de forma tímida, passam a bater palmas e a responder o coro. Isso anima os capoeiristas, que aceleram o jogo e começam a realizar movimentos cada vez mais complexos. Alguns dos transeuntes, mais extrovertidos, chegam a entrar na roda e arriscar algumas pernadas.
            Todavia, se hoje a capoeira é tão querida na cidade, antigamente ser capoeirista era estar deslocado da identidade “verdadeira”, a de imigrante europeu. Naquele tempo, tudo era mais difícil e existiam vários estereótipos atribuídos àquele que jogasse a capoeira. Chamar o berimbau de “cachimbo de preto”, o capoeirista de macumbeiro, de vadio ou bandido, eram alguns dos modos de o preconceito se manifestar.
Entretanto, os capoeiristas não desistiram, não arredaram o pé. E foi por terem resistido ontem que podemos desfrutar hoje desta expressão nacional e regional.

Adoração da Cruz

Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes , Professora de Português e Inglês, residente em Ponta Grossa.           Já escrevi c...