segunda-feira, 25 de abril de 2022

Na Casa Branca da Serra

Texto de autoria de Rogério Geraldo Lima, empresário, redator e radialista, Palmeira.

Publicada no Diário dos Campos em 04/05/2022, postada no Portal aRede em 12/05/2022 e no Portal Culturação em 21/06/2022.

Quando o tenente Manoel José de Araújo fez a doação das terras para construção de uma igreja e o estabelecimento de uma povoação no seu entorno, em 7 de abril de 1819, o gesto ficou marcado como ato oficial do nascimento de Palmeira. O doador tinha sua propriedade e residência no alto de uma das elevações, transpondo o rio Forquilha. A data de 7 de abril não só entrou para a história como foi oficializada.

Boa parte das tratativas para a doação entre o donatário e o padre Duarte dos Passos, até então vigário da Freguesia do Tamanduá, que estava em decadência, com certeza, aconteceram na casa do tenente.

Anos mais tarde, já com a igreja em construção e o desenvolvimento da nova freguesia, Domingos de Araújo, um dos filhos do tenente, construiu uma imponente casa, com sete janelas frontais em arco, em local próximo à casa do pai e bastante privilegiado, de onde era possível vislumbrar o povoado em progresso.

A construção ficou conhecida como a Casa Branca da Serra, e foi consagrada no poema do alagoano Guimarães Passos, autor do famoso “Horas Mortas”. Passos fez os versos em referência e reverência a uma das filhas de Domingos Araújo, a jovem Antônia, por quem se apaixonou quando ficou hospedado na casa, em 1894.

O poeta havia se alistado nas forças dos Maragatos e chegou a compor no governo revolucionário que se instalou no Paraná quando da Revolução Federalista, no entanto, diante da vitória das forças legalistas, os pica-paus, foi obrigado a fugir apressadamente de Curitiba e buscar abrigo em Palmeira.

Passos ficou refugiado na casa da família Araújo durante alguns dias e depois seguiu para a Argentina, onde exilou-se. Foi lá que escreveu os famosos versos do poema “Na casa branca da serra”, posteriormente musicado por Emydio Pestana e que virou clássico entre os seresteiros, gravado, entre outros, por Vicente Celestino e Inezita Barroso. “Na casa branca da serra / Que eu fitava horas inteiras / Entre as esbeltas palmeiras / Ficaste calma e feliz...

A casa da Chácara Palmeira pertence hoje à família Cherobim e é lá que é fabricado o famoso e apreciado Queijo Palmeira, em formato de porungo, outra marca registrada da cidade que há 203 anos avança em seu desenvolvimento, sob os olhares atentos e, vez por outra, saudosos, das sete janelas da Casa Branca da Serra.

 

terça-feira, 19 de abril de 2022

Bem-vinda de volta ao lar

Texto de autoria de Camila Pasetto Kiapuchinski, bacharel em Serviço Social, empresária na área de alimentos, Ponta Grossa.

 

Postada no Blog da Mareli Martins em 22/04/2022, no Portal D'Ponta News em 24/04/2022 e no Portal CulturAção em 31/05/2022, lida na Rádio Clube em 22/04/2022.

 

BR 376, sentido Ponta Grossa, aprecio à esquerda um lindo e imenso paredão de pedra, o Arenito Vila Velha, localizado especificamente entre Palmeira e Ponta Grossa (vista para sul), o paredão me anuncia os poucos quilômetros faltantes para chegar à minha terra natal.

Dentro do carro, a respiração já muda, estou ansiosa pela chegada, por vezes vindo de perto, Campo Largo e Curitiba, por vezes voltando de cidades mais distantes, como Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Mas o suspiro diante do paredão é sempre o mesmo, independente do tempo que fiquei distante de Ponta Grossa ou do lugar em que estava.

Aqueles arenitos me permitiam já sentir o forte abraço de meu amado, as boas vindas de meus familiares e o cheiro da mesa posta me aguardando para o café, almoço ou jantar.

“O que de tão especial tem nesta cidade?” Por vezes me perguntavam, pois eu passava a semana contando os minutos para o final de semana chegar. “Tem meus queridos, meu amor, minhas histórias, minhas mais doces lembranças de infância.”

Ao cruzar o Memorial Ponta Grossa, o portal de uma das entradas para a cidade, o qual representa a presença dos tropeiros, através da Casa da Telha, e dos Jesuítas, pelo formato de capela, meu coração já batia em outro ritmo, na certeza de que seria mais um final de semana especial.

Até que um belo dia, ao contemplar aquele paredão voltando de Curitiba, a longa respiração foi acompanhada por algumas lágrimas.

“Estou voltando, terra amada! E agora é pra ficar!”

E ao cruzar o memorial, era como se eu pudesse escutar: “Bem-vinda de volta ao lar''. Diferente de pensar apenas no final de semana, me vem em mente que agora é a hora de colocar os novos projetos em prática e iniciar um novo capítulo da minha história, na cidade onde os primeiros foram escritos.

Como diz o ditado “O bom filho à casa torna”. Pois então, aqui estamos, fazendo morada, fazendo história, construindo um futuro melhor, em especial para nosso filho, que há dois anos também começou a escrever sua história na terra de seus pais, na querida Ponta Grossa que também acolheu três de seus quatro avós, como queridos filhos seus.

 

 

terça-feira, 12 de abril de 2022

As reformas

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa.

 

Postada no Portal aRede em 26/04/2022.

 

 Marco Polo foi até a Ásia do mundo atrás do ouro e da glória; José Marcos foi até a Ásia da cidade atrás das glórias de uma cesta básica.

Sem esquadrão nem caravela, entre José Marcos e a cesta básica interpunha-se a distância de setecentos e trinta e seis reais e noventa e cinco centavos em dezembro de 2021, segundo os índices empregados pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, que José Marcos nunca frequentou. Mas talvez achasse mais em conta, e por isso ia de mercado em mercado, de calculadora na mão ─ aqui o feijão mais barato, ali a farinha mais acessível, ─ e assim via fugir velozmente o magro orçamento familiar.

Um desses mercados anunciava eletrodomésticos, na televisão full HD a equipe econômica de uma holding expunha ao público a analogia sazonal: o orçamento público é como o doméstico, carece arrecadar mais do que gastar, e quando a coisa aperta, afia-se a lâmina para os cortes necessários.

Como o orçamento doméstico. José Marcos chefiava os três poderes de seu lar ─ um filho anêmico, o outro com um pé torto ─ porém jamais fora o relator de nenhuma Lei de Diretrizes Orçamentárias, não se lembrava de haver interferido na taxa Selic para modular as taxas dos juros bancários, os valores das emendas impositivas jamais passaram por suas mãos. Em nada disso pensou, já se afastara do aparelho e comparava os preços do fubá mimoso.

A tarde já ia avançada quando José Marcos, carregando sacolas que continham o sustento familiar, entrou no último estabelecimento, mas ao passar pela porta do Atacado foi colhido pela surpresa. Não via os corredores habituais, as prateleiras fornidas de gêneros alimentícios. Era uma sala de reunião com meia dúzia de homens e mulheres vestidos com bom gosto. ─ “Viemos aqui por você, José Marcos, ─ disse o mais velho ─ para te explicar as Reformas que faremos no Brasil para beneficiar a sua família.” ─ José Marcos achou que o confundiam, deu meia-volta e passou pela porta por onde entrara, mas deu no mesmo lugar, com as mesmas pessoas. ─ “Era só o que faltava, ─ pensou ele ─ vieram me acusar de alguma coisa, mas bandido eu não sou não, apesar de que chance não faltou, eu que não quis.”

─ “Fique tranquilo, ─ disse outro homem, mais jovem ─ só queremos que você entenda as Reformas.”

José Marcos nunca mais voltou para casa. Morreu e foi enterrado como indigente, disseram uns; fugiu com a amante, sussurraram os mais maliciosos. Todos estavam errados. Nem vivo, nem morto, José Marcos fora simplesmente tragado pela espiral inflacionária.

 

terça-feira, 5 de abril de 2022

Verão de lembranças

Texto de autoria de César Delgado, comerciário, Ponta Grossa.

Postado no Portal Culturação em 12/04/2022, e no Portal aRede em 13/04/2022, publicado no Diário dos Campos em 17/08/2022.

Em um dia atípico de verão em Ponta Grossa, onde se acaba suando na sombra, embora relutando, o dever me faz sair de casa, andando eu na velha e quente Avenida Dr. Vicente Machado, que com o trânsito da hora do almoço parecia tornar a sensação de calor maior ainda; vejo um refúgio do outro lado da via, a suntuosa Igreja do Sagrado Coração, conhecida por "igreja dos polacos".

Ao entrar no recinto do templo, logo vem o frescor, e o encontro com uma atmosfera diferente, quase me esquecendo da correria e da "muvuca" do lado de fora;  sentei-me para não destoar de alguns fiéis, que ali rezavam, e quotidianamente rezam como "guarda de honra" do Santíssimo Sacramento, nesse santuário dedicado a adoração perpétua.

A imponência e a beleza do templo  levam naturalmente a se voltar para ao alto, e a vista a terminar lá no fundo, no altar mor onde fica o trono da adoração. Mas um detalhe desperta minha atenção: ao meu lado esquerdo vejo o quadro de Nossa Senhora de Czestochowa, padroeira dos poloneses, e sinal visível da história e tradição dos imigrantes na cidade. Como não me lembrar das muitas fotografias em preto e branco da minha família materna? Das "estórias da tal Polonhia" e causos a mim tantas vezes narrados? Do “pirogue” e dos pratos típicos na família, ou do som da palavra "caroça" no sotaque inconfundível da minha saudosa e querida avó? Dos costumes muitas vezes herdados que sem perceber repito inconscientemente no dia a dia?

Saudades daqueles que nem conheci, mas que sem dúvida eu não existiria se não fossem eles, ao mesmo tempo que aflora um sentimento de uma terna gratidão e em sua memória. Agora revigorado, no corpo e sobretudo no coração, pego minha bolsa e crio coragem, como meus antepassados, para enfrentar. Já não mais para me mudar para um novo mundo, me adaptar a uma cultura, língua ou país, e nem simplesmente enfrentar um verão atípico ponta-grossense rumo a minha jornada. Mas, sobretudo, de honrar mais e valorizar o seu legado de fé, honra e trabalho.

 

Esqueci o meu idioma!

Texto de autoria de  Márcia Derbli Schafranski , professora universitária aposentada, Especialista e Mestre em Educação pela UEPG e Suficien...