segunda-feira, 31 de agosto de 2020

a mágica das cidades nos campos gerais da minha infância

 Texto de autoria de Róbison Benedito Chagas, professor aposentado do Curso de Letras da UEPG.

Publicada no Diário dos Campos em 02/09/2020 e no Correio Carambeiense em 05/09/2020, postada no Portal aRede em 09/09/2020, lida na CBN Ponta Grossa em 14/10/2020.

"abre-te sésamo!" é com a expressão do meu primeiro livro infantil que abro as portas da crônica, essa casa tão distante de mim. "abre-te sésamo!" a viagem mágica começa em guaragi, na estação de trens, nos pastéis da nhá purfa, quando vínhamos "para a cidade".  nos trens de guaragi que minha mãe me mostrou todas as cidades do mundo dentro dos campos gerais. viagem longa. uma hora e meia no balançar dos trilhos. a cada segundo um país, cidades, árvores, rios, pessoas acenando da beira da linha. a mãe nomeava as coisas. um capão de árvores velhas e frondosas era a floresta negra. estamos na alemanha. ao longe o monte fuji. veja o sol, meu filho, é o país do sol nascente. um barranco alto e estávamos em portugal. ali é trás-os-montes, ouça filho, o canto dos camponeses colhendo uvas. depois a espanha, pequenos sítios com gado e ela dizia: touradas! as vacas que pastavam eram touros sanguinários para mim. na estação do roxo-roiz, avistava a tia do pelé (do pelé de guaragi). vendia jabuticaba, butiá, mexerica, peixe frito. aqui é um país de muito comércio, é o marrocos, depois a turquia. eu só sorrisos quando a mãe comprava amendoim com casca. a viagem seguia. e eu só tinha três anos. próximos à ponte do tibagi, cheia de orgulho, informava: filho, essa é a ponte de londres, linda e longa. sentado em seu colo, meu olhar fixo era para as águas, ainda límpidas, era 1960. o trem apitava. a fumaça ficava para trás. histórias se esvaiam. outras nasciam. árvores, casas, países. polônia. áustria. cidades. varsóvia. lisboa. praga. eu não entendia esse nome, meio palavrão. mas eu só tinha três anos. istambul. cairo. nova délhi. pra lá de bagdá. tantas cidades na minha cidade. e a cochinchina, mamãe, já passamos? a vida ia pelo rio de janeiro, pelo belo horizonte. uma hora e meia de trem. da escócia à noruega, à rússia, tão misteriosa. a mãe com tantas histórias, mas só a paisagem me interessava. o universo geográfico crescia nos meus campos gerais. dos "poentes de minha terra", de certa anita philipovsky, ao caminho das tropas. à tão distante castro de tantos sapos. tantos países. passados quase 40 anos, na volta do campus de palmeira, uma colega sempre dizia, perto da ponte do tibagi: "ponta grossa, iluminada, parece paris". saudade do trem. ali em frente é paris. de guaragi a ponta grossa, o mundo, até ali babá e os 40 ladrões. mas eu só tinha três anos. hoje, 60 anos depois, viajo, ainda menino e minúsculo.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

O Caçador de Borboletas

 

Texto de autoria de Rosana Justus Braga, revisora, Curitiba (natural de Ponta Grossa).


Postado no Portal aRede em 14/10/2020, publicado no Diário dos Campos em 02/12/2020. 

Costumava perambular nas madrugadas. Rede na mão, bem antes do sol se espreguiçar no horizonte, ele já estava lá, sob a luz dos postes, das eventuais lamparinas onde as mariposas vinham se debater, atraídas pela emanação luminosa.  

Um leigo diria que tais seres voláteis, de hábitos noturnos, se parecem uns com os outros, mas sob o olhar agudo do cientista cada qual encontrava sua identidade, sua família, seu espaço único no catálogo que vinha se formando ao longo dos anos.

Com o dia claro, o interesse desse caçador se voltava para os campos em torno da cidade, e sua rede ia apanhando no ar as multicoloridas asas que flanavam por ali. Não só as borboletas, sempre fascinantes, mas também os louva-a-deus, donzelinhas e libélulas, as cigarras, os gafanhotos, tudo era motivo de estudo. Não os levava todos para casa, devolvia à natureza aqueles que se repetissem em sua rede ou que já estivessem acomodados nas belas gavetas que ele próprio confeccionava, em improvisada carpintaria, no fundo do quintal.

Essa oficina era um reduto inviolável. Ninguém ousaria ali entrar. Para os netos, fonte permanente de curiosidade e temor, pois sempre se temia o infortúnio de ceder à tentação e botar os pés no famigerado recinto, atrevimento que não passaria despercebido da vigilância do velho avô.

Um dos grandes prazeres desse entomólogo autodidata era apresentar sua coleção de insetos. O visitante, adulto ou criança, ouviria de antemão as recomendações e cuidados, nada de colocar dedos no vidro, puxar gavetas, atropelar interesses. Sobretudo, que se acalmassem, pois seria uma visita de aprendizado. Só então, podia-se entrar no recinto sagrado - a sala da coleção.

Narrador entusiasta, gostava de mesclar mitos e lendas às suas pesquisas, e cada inseto espetado adquiria vida na imaginação de quem a tivesse.

Foi com tal espírito cauteloso que vivenciei, ao longo da infância e adolescência, cada incursão nesse território.  Nunca com menor ansiedade ao transpor tamanho limite. O mundo de fora e o mundo da coleção do meu avô.

Com pinceladas de lembranças e fantasias, construí a imagem desse avô dentro de mim. Misturado ao verde dos campos, com uma rede nas mãos, é como o encontro sedimentado na minha memória.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Ponte de pedra

Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, Professora aposentada, Ponta Grossa.

Publicado no Diário dos Campos em 19/08/2020 e no Correio Carambeiense em 22/08/2020, lida na CBN Ponta Grossa em 30/10/2020 e no Blog Mareli Martins em 28/08/2022.

Viver ao ar livre é viver em plenitude. Eram recorrentes aqueles passeios em família sempre buscando lugares abertos. Nos acostumamos ao contato com a natureza nos piqueniques de fim de semana. O lanche artesanal era preparado com carinho pela mãe.

Havia um lugar aprazível em Ponta Grossa que meus pais usavam para relaxar com as crianças. Ali tinha o que mais gostávamos: água de rio e liberdade. Poucas ruas estavam abertas no nosso bairro. Caminhávamos pelo campo, respirando ar puro, por cerca de dois quilômetros até um terreno no final da Avenida Anita Garibaldi, cercado de arame farpado, por onde adentrávamos a uma propriedade particular. Um “mata burro” evitava a saída dos bovinos criados naquele espaço. Passávamos por ali, um a um, requebrando o corpo.

    Quando entrávamos naquele terreno a liberdade era total e irrestrita. Os pais carregavam as cestas do lanche e nós corríamos pelo campo como se não houvesse amanhã. Eu colhia flores silvestres de diferentes matizes que, dentro de um vidrinho com água, seriam a decoração da toalha xadrez. Os meninos procuravam arbustos rasteiros de fruta: pitanga, araçá ou gabiroba, que a mãe apreciava. E eram muitas!

Ao final de uma ravina, o riacho de água fresca e cristalina corria em meio a pedras de variados tamanhos. Uma enorme plataforma de pedra natural por sobre parte do riacho era denominada Ponte de Pedra. Majestosa! Imponente! Depois das brincadeiras na água, secávamos o corpo na pedra aquecida pelo sol. Uma obra da natureza que estava ali havia milhares, quiçá milhões de anos e sempre nos acolhia. Capões de mato circundavam o riacho. Sob a sombra de uma árvore, hora do lanche! Todo consumido pela fome aliada à vontade de comer.

Na volta era necessário passar por entre os bois que ocupavam o pasto e somente eu sentia medo deles! Meu pai desviava a atenção do gado, ia administrando e, enquanto isso acontecia, passávamos para fora da cerca em segurança, sem enroscar nas farpas.

Quanta saudade aquele cenário desperta em mim! Saudade dos meus pais que já se foram! Do livre ir e vir que a pandemia reduziu! Fecho os olhos e ouço nossos risos, o murmúrio da água. Sinto a brisa, o cheiro do mato e a vibração energética daquele lugar impressos na memória. Sons e imagens da infância saudável vivida em Ponta Grossa, minha querida cidade natal.

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

A vida é palhaçada

 

Texto de autoria de Aline Sviatowski, estudante, Ponta Grossa.

Lida na CBN Ponta Grossa em 08/10/2020, postada no Portal aRede em 28/10/2020, exibida na TV Educativa em 27/01/22.

O palhaço é uma caricatura, quiçá um esboço, do que seria o mundo se você sorrisse de si. Todos os pais são um fluxo entre heróis e vilões: são humanos. E meu pai é, ainda, um incansável construtor de sorrisos. Há quem o intitule “palhaço”.

Todos os pais trazem ensinamentos. O meu me ensinou a passear de carro após a aula da faculdade à noite, perto do cemitério São João Batista, em Uvaranas, e fazer careta com uma lanterna embaixo do queixo para assustar os pedestres; ensinou-me a jogar grama pela janela das pessoas que tomam banho de janela aberta, a cantar livremente e bem alto sem saber a letra; a ouvir Beatles do jeito certo – porque há o jeito errado; a admirar os campos que abraçam a cidade; a dançar sem julgamentos; e a “caçar” trilobitas como forma de reviver a História.

O palhaço encontra o humor no ridículo, acha graça na tristeza, vê beleza no trágico. Assim é a pessoa que, usando um pijama de hospital no longo corredor do bisturi, pediu-me para tirar uma foto sua fingindo que estava prestes a disputar a sua prova preferida: cem metros rasos. A vida é maratona, pai. Só os mais tolos ganham. Os que riem de si mesmos pela própria comicidade de existir. E não há maiores ensinamentos do que rir da condição humana, do que não viver a opinião alheia. Entre o passado e o futuro – os pais. Entre a tragédia e a comédia – o meu.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Remanescência

Texto de autoria de Lenita Stark, Artista Visual, Ponta Grossa.

Publicado no Diário dos Campos em 05/08/2020, e revisada em 11/08/2020, postada no Portal aRede em 30/09/2020, lida na CBN Ponta Grossa em 05/02/2021.

Ela já estava ali, muito antes da UEPG. Quantos jovens universitários por essa calçada passaram, num vai e vem tresloucado, dias, semanas, meses e anos. Muitas fachadas foram modificadas, arquitetura histórica nessa mesma quadra foi completamente desfigurada de sua originalidade. Outras foram demolidas. Essa casa sobreviveu às demolições. Ficou intacta, não houve nenhuma mudança na sua estrutura e nem reformas ou conservação.

Suas janelas, olhos já cansados de olhar o vai e vem de transeuntes, alunos, professores e funcionários dessa instituição, responsável pela grande movimentação no entorno.

As paredes dialogam. Contemplando-a podemos sentir ecos do passado. Bares, lanchonetes, livrarias e muitas outras empresas por ali se estabeleceram, algumas mudaram, outras findaram. Ela sempre ali, contingente, sempre à espreita de qualquer acontecimento.

Seu extenso quintal foi tomado, em estacionamento transformado, ficando um pequeno pedaço de chão nos fundos da casa. Ah! Mas, ela não se afetou, continuou firme, lutando contra o tempo. Mesmo faltando janela, com rombos na alvenaria, ferrugens e ausência de cor. Habitada, continua altiva e sem vergonha de seu cenário abandonado. É símbolo de resistência, remanescência d’um passado glorioso, uma arquitetura forte e resistente.

Em suas paredes a natureza faz morada… a vegetação ali encontrou terreno fértil, entre os desgastes do cimento e tijolos, as raízes vão se alastrando, o verde contrasta com o desbotado de suas paredes. Na janela frontal, a samambaia se ajeitou num cantinho para crescer na sombra, na beira da calçada, com perspectiva para a movimentação e emoções.

“O abandono como plenitude. A consciência de um mundo em ruínas revela a possibilidade de realização por meio de osmose com a natureza… “ 

André Ibañez.


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Texto de autoria de  Márcia Derbli Schafranski , professora universitária aposentada, Especialista e Mestre em Educação pela UEPG e Suficien...