segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

As óticas de Ponta Grossa

Texto de autoria de Alessandro de Melo, professor universitário, natural de São Paulo/SP, residente em Ponta Grossa.

Postado no Portal Correio dos Campos em 27/12/2022, no Portal aRede em 28/12/202, e publicado no Diário dos Campos em 17/03/2023.

          O nobre e raro leitor desta crônica há de concordar comigo. E peço paciência, porque, claro, vou puxar a sardinha para o meu lado. Basta andar pelas ruas do centro de nossa querida Princesa para ver como aumentou o número de ...óticas... Sim, é sobre isso que este modesto cronista quer falar, pois é um assíduo usuário de óculos desde os 11 anos, e isso faz muito tempo. Então, claro, eu vejo óticas por todos os lados, por onde ando nesta nossa cidade.

          Já perceberam quantas existem na Vicente Machado entre a Panificadora Vila Velha e o Parque Ambiental? E nos seus arredores? Não leitor, não contei, não me peçam isso. Mas é evidente que se trata de uma verdadeira “pandemia” de óticas. E olhe que tem de tudo. Há aquelas muito modernas e tecnológicas, algumas antigas e quase artesanais. Tem aquelas que terceirizam serviços e outras que têm seus próprios técnicos.

          Mas não é só na Vicente Machado que elas pululam. Já observaram a região próximo à nobre e histórica Santa Casa?

          E quem foi no Shopping Palladium não pode passar ileso por elas, quase uma dezena em tão pouco espaço. Inclusive ali comprei meu primeiro par de óculos multifocal, e meu rosto foi medido por um robô. Sim, tem até isso. Já usaram comigo régua e outros instrumentos manuais, mas desta vez fiz uma imersão na tecnologia. O robô até dizia onde eu deveria ficar postado, atrás da linha feita no chão com luzes de led. E estou eu aqui com minha nova companhia, tentando me acostumar com esta lente que varia se quero enxergar de perto ou de longe. Sorte a minha que já tenho décadas de experiência.

          Há também os laboratórios, que trabalham para as óticas, e estas inclusive as vi fora do centro. No Nova Rússia existe uma. E por falar no meu bairro, a Avenida Dom Pedro também tem muita ótica, e já até fiz uso de uma para consertar um dos meus óculos, e foi impressionante: o atendimento cordial e o serviço gratuito. Aliás, parece haver um acordo: quem quer consertar óculos pode vir que é de graça. Nem tudo no mundo é dinheiro.

          Não sei exatamente o que significa, mas acho que podemos chamar Ponta Grossa da capital mundial ou intergaláctica das óticas. Cuidado caro e raro leitor desta crônica, perigoso tropeçar na rua e cair em uma ótica. O bom, neste caso, é que ao sair da loja, poderá não tropeçar novamente por estar com óculos novos.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Faltando (c)enso

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa. 

Aconteceu segunda, 5, em Olarias. A corrente de êxtase, que percorre o ar quando a Seleção Brasileira goleia em jogo de Copa do Mundo, já havia se dissipado e eu estava na frente do meu prédio cavucando os bolsos para achar as chaves quando uma voz me interpelou chamando-me de "moço".

          Era um senhor de seus quarenta e poucos, cinquenta anos de idade, que se aproximou identificando-se, com delicadeza, como agente do Censo e solicitando-me que o colocasse em contato com o síndico.

          – "Mas estou largando, esse vai ser o meu último prédio", ele disse logo.

          A expressão que fiz foi de quem anteviu aonde aquilo ia dar, mas ele deve ter lido nela uma dúvida que não havia, pois esclareceu depressa:

          – "Não dá mais para fazer o Censo em Ponta Grossa. Maltratam, não querem atender, chamam de Iluminatti, globalista, Nova Ordem Mundial, funcionário daquela emissora. Esses dias fui na casa de uma senhora de cabelo branquinho e ela soltou os cachorros dela para avançarem em mim. Uma senhora de cabelinho branco!"

          Esse vocabulário, vocalizado por uma pessoa real e não na internet, tem outra textura.

          – "Que coisa...", eu disse, olhando para o chão, à procura de algo consolador para dizer (e, a bem da verdade, não encontrei até agora, caro recenseador, se este texto chegar a tuas mãos – pelo menos não algo à altura da dignidade das tuas funções).

          Para quem não sabe, o Censo iniciou no século XIX, deve ser realizado a cada 10 anos e se reveste de elevada importância na compreensão do perfil demográfico do povo brasileiro, orientando a alocação de recursos e a formulação estratégica de políticas públicas. É o microscópio pelo qual se enxergam os cromossomos da Nação.

          Coloquei o agente público em contato com o síndico, ouvi de novo a promessa de que aquele prédio seria o último e lhe desejei que ali, morada de pessoas gentis – parece-me, eu que as conheço superficialmente –, o tratassem bem. Ele fez o gesto desalentado de quem não possuía a menor esperança de que isso acontecesse.

          – "Veja bem", disse-me na mesma noite um amigo a quem narrei o acontecido, "alguém que sofre na pele essa loucura encontrou um desconhecido que sabe disso, e isso é uma forma de resistência. Logo as pessoas vão se incomodar, se perguntar o que está acontecendo, que viagem é essa, e o trator dos fatos vai arrebentar o arame farpado".

          Quando este texto for publicado, provavelmente, o Brasil terá se classificado, diante da Croácia, para as semifinais da Copa. Bandeiras cobrem as janelas.


(A presente crônica foi enviada e avaliada em data anterior ao jogo do Brasil e Croácia, no dia 9/12, onde o time brasileiro foi desclassificado da Copa do Mundo 2022).


segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Entre anjos e demônios

Texto de autoria de Mário Francisco Oberst Pavelec, técnico em agropecuária, residente em Ponta Grossa. 

Postado no Portal aRede em 14/12/2022, no Portal CulturAção em 07/03/2023, e publicado no Diário dos Campos em 22/03/2023.

          Pela minha altura, quase 2 metros, nem todo muro é capaz de me ocultar totalmente aquilo que está cercando. E, com o Cemitério São José, não é diferente.

          No canto da Rua Balduíno Taques com a Travessa Santa Cruz, o muro chega ao seu ponto mais baixo em relação à rua. Sempre que passava por ali, visualizava os túmulos daquele quadrante por sobre ele.

          Percebeste o verbo no passado? Entenderás.

         Em um final de tarde, quase anoitecendo, luzes urbanas já acesas, logo após atravessar a Tv. Santa Cruz, como de costume, aproximei-me do muro para comtemplar a única coisa que é certa nesta vida. Aquela diversidade de túmulos e imagens que o cemitério reflete, me aproxima da necessidade de viver, e viver bem.

          Atraso o passo, quase paro, e entrevejo pelos túmulos certo movimento. Alguém visitando o passado, alguém visitando seu futuro talvez, pensei cá comigo. Mas me chama a atenção a claridade de um dos visitantes e a obscuridade de outro. Um quase brilhava, o outro fundia-se lugubremente aos túmulos.

      Parei. Atentamente fitei aquela cena, buscando em toda minha racionalidade, explicações plausíveis. Sem tirar conclusões precipitadas, raciocinei. Olhei para a calçada externa ao cemitério, percebi-me absolutamente só. Não havia uma viva alma naquelas calçadas e os carros pareciam simplesmente não existir.

          Novamente olho para o cemitério. Os estranhos visitantes se faziam mais distantes, porém olhavam em minha direção. Tento mirar seus olhos, porém um arrepio profundo me percorre o corpo todo, um arrepio de medo, de horror. São olhos claros, brilhantes, capazes de serem vistos mesmo no escuro, porém sem vida.

          Neste momento, minha racionalidade se esvai, e vejo que ambos os seres não tocam o chão. Um gemido surge de dentro do cemitério, e uma terceira pessoa aparece, sem brilho, sem roupa, sem cor. Os três se entreolham e o que surgiu depois é abraçado pelo ser brilhante. Todos somem na penumbra diante de mim.

          Entendeste agora o verbo no passado?

       Nunca mais passei caminhando naquela calçada, tampouco espiando para dentro do Campo Santo. Mesmo de carro, procuro sempre o lado da esquerda na Balduíno. E, quando entro no cemitério por necessidades óbvias, não vou mais até aquele canto.

          Mas, pensando bem, racionalizando, se é possível, algum desses um dia vir me buscar também. Será?

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Partida e recomeço

Texto de autoria de Jefferson Mainardes, professor do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, residente em Ponta Grossa.

Postado no Portal aRede em 06/12/2022, no Portal CulturAção em 14/03/2023, e publicado no Diário dos Campos em 05/01/2023.

          Depois de muitas conversas, finalmente decidimos deixar a velha casa de pedras da Rua General Osório. A casa e o seu entorno traziam lembranças de uma longa história na chácara. Com a venda dos lotes, foi possível comprar uma casa na cidade. Não era uma casa grande, mas adequada às nossas necessidades. Da numerosa família, restaram nós três: eu (Emília), mamãe e Marcelina. Teríamos de aprender a viver em um espaço menor, mas com mais facilidades. A casa nova possuía água encanada, o que seria um grande alívio. As duas janelas e o portão davam direto para a rua, mas havia um pequeno quintal, no qual mamãe poderia cultivar algumas plantas. Depois de tanto trabalho, eu teria mais tempo e sossego para escrever meus poemas e finalizar o romance cuja trama estava em minha mente.

Chegou o dia da mudança. A despedida final da casa velha de pedras fez-se em silêncio. Com a chegada da charrete, recolhemos os pertences finais. Mamãe abraçou a caixa de madeira com pertences de papai e documentos da família. Dentro dela, documentos, fotos e a velha folha com as anotações de datas de casamento e nascimento dos 10 filhos. Marcelina portava uma mala, livros e cadernos. Eu carregava apenas uma mala com roupas e objetos. Na sacola de algodão, poemas e manuscritos do romance que um dia terminaria.

Despedimo-nos da velha casa de pedras apenas com um olhar saudoso. A charrete logo alcançou a Rua das Tropas e, em seguida, chegou na pracinha da Catedral. Olhei aquelas pedras e lembrei-me de papai e do quanto ele e os operários trabalharam para extrair pedras para as ruas e calçadas de Ponta Grossa.

          Ao chegarmos na nova casa, à Rua Padre Lux, 260, abrimos o portão. Adentramos pela sala. Tudo era diferente da velha casa de pedras. Mamãe ficou com o quarto da frente. Poderia ficar na janela, conversar com os passantes. Eu e Marcelina dividiríamos o quarto dos fundos. Combinamos que Marcelina faria as suas lições e trabalhos na mesa da sala de jantar e eu poderia, finalmente, escrever sem ser interrompida.

Marcelina arrumou os livros com capricho no velho armário com portas de vidro. Foi ali que tive a compreensão do sonho de Marcelina: ser bibliotecária!

O jantar no primeiro dia da casa nova foi sereno, silencioso. Soava estranha aquela mesa agora pequena e apenas três pessoas para a refeição.

A vida seguia mais tranquila naqueles meses de 1931. As tarefas estavam divididas e vivíamos felizes. Estranhávamos que o serviço era pouco.

A vida mudara muito, mas os meus sonhos continuaram vivos. Não almejava grandes reconhecimentos, nem como professora, nem como escritora. Desejo apenas escrever sobre meus sentimentos e vivências.

Da minha nova janela, por entre frestas das casas vizinhas, vejo o trem que passa. Deixo as ideias fluírem à medida que os vagões passam e consigo resolver o título do romance: A primavera voltará!

Crônica dedicada a Emília Dantas Ribas (1907-1978) e Marcelina Dantas (1916-2007).

Adoração da Cruz

Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes , Professora de Português e Inglês, residente em Ponta Grossa.           Já escrevi c...