Texto de autoria de Alfredo Mourão de Andrade, aposentado, mediador de leitura e contador de histórias.
Lida na Rádio Clube em 03/12/21, postada no Blog da Mareli Martins em 04/12/21, publicado no Correio Carambeiense em 04/12/21 e no Diário dos Campos em 15/12/21 .
“Expandir-se é a própria alegria de viver”, comentou Clarice Lispector em sua escrevência intimista. Pois esse expandir-se me fez atravessar a ponte-viaduto do Bairro Contorno, que prefiro chamar somente “ponte” (é mais charmoso!), unindo a cidade grande e a cidade satélite, ansiando expandir oportunidades intimidadas pelo corre-corre da excessiva urbanidade, para fixar moradia temporária. Uma casa simpática, cara de “casa de vó”: cumeeira alta, calçadas de coloridos cacos de azulejos, quintal com árvores frutíferas, copos-de-leite e sorridentes celósias multicores, perfumosas macegas de hortelã, espinafres rastejando folhudos tentáculos sobre a terra fofa...
Pra lá da ponte reencontrei afetivas memórias bairristas, saudosas algumas, repaginadas outras: o carro de quinta mão, cheirando óleo queimado, do hábil “consertador de coisas” ─ fogões entupidos, panelas amassadas, facas danificadas (ainda existe esse personagem sexagenário?!)... o apito marcante do sorveteiro, em floreios musicados, oferecendo gelados sabores artificiais... quitandas coloridamente perfumadas a instigar os instintos... gente batendo de portão em portão, vendendo de tudo um pouco, um pouco de tudo... gente fanzaça de um sacolejado sertanejão... deliciosos pastéis da Igreja de Guadalupe em sábados de bazares e usados, vendidos a “preço de banana”... gritero da piazada na agitada volta das escolas... cheirinho gostoso de comida caseira invadindo janelas e portas... sorrisos fartos... simplicitudes contagiantes.
Pitangueiras avermelhando gostosuras... sabiás sedutores despertando o alvorecer... furrupa da cachorrada em coro... saborosas sonoridades nas afiadas matracas e no rouco cantochão ambulante (─ Algodão doce! ─ Casquinha!)... futrica da passarinhada no arvoredo ao entardecer em franca competição com o conversê animado das vizinhas entre muros e trepadeiras... inebriante perfume das floradas... criançada de bem com a vida, livres e leves e soltas, no pega-pega das ruas tão tranquilas e tão diferentes das ruas do outro lado da ponte (alegria não se disfarça, se expande!).
Porque, pra lá da ponte, podem acreditar, acolhidas são efusivas, escutas calorosas, afetos solidários... Das oportunidades que a vida nos oferta, quero displicentemente, expandir-me em possibilidades!