segunda-feira, 8 de novembro de 2021

O beijo do fim

Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes, Professora de Português e Inglês, Ponta Grossa.

Lida na Rádio Clube em 12/11/21, postada no Blog da Mareli Martins em 12/11/21 e no Portal aRede em 08/12/21, publicada no Correio Carambeiense em 13/11/21.

Festinha de garagem simples, comum na Ponta Grossa dos anos setenta, animada com um toca-discos sem DJ, refrigerantes e petiscos. Cada um que estivesse perto se mobilizava para trocar o vinil e engolir um petisco.

A adolescente, vencendo a timidez, convidara para o seu aniversário o menino que ocupava todos os confins de seus pensamentos e fazia vibrarem as fibras estreantes de seu coraçãozinho tomado de assalto pela puberdade.

Aos domingos, o “point” da época, no Bairro Oficinas, eram as matinês do Cine Teatro Pax. As moças chegavam cedo, pois queriam estar acomodadas, “guardando” poltrona ao lado, para os “paqueras”. As escadarias de entrada, por onde os viam entrar, desembocavam, como até hoje, bem à frente dos blocos de poltronas com assentos acolchoados e braços separando umas das outras. Torciam para serem vistas logo, pois aquele subir e descer de “paqueras” pelas alas entre os blocos podia levá-los para outra poltrona “guardada”.

Certo domingo, sem optar por subir e descer pelas alas, ele viera sentar-se ao lado dela como uma abelha vai a uma flor que exala um perfume de néctar. Num momento despretensioso, disputara com ela o apoio de braço da poltrona e deduziu: “Não sei se é meu ou seu, pois está entre nós dois... Podemos ser sócios?” E tomou-lhe a mão, sem mais nem menos. O coração dela quase parou. O filme podia ter sido uma lembrança que ela jamais esquecesse, mas tinha esquecido de prestar atenção, nem sabia que filme era. Quando o filme, fosse qual fosse, acabou, ele se despediu amavelmente, e foi ao encontro de amigos.

Nem acreditara que ele viria à sua festinha, mas estava lá. Chegara bem tarde, com uns amigos, quando outros já estavam indo embora. Antes de ir embora também, achou que podia conceder uma dança à aniversariante... Talvez valesse a pena conceder também um sorriso que não fosse muito comprometedor. Talvez achasse que uma menina tão tímida pudesse entender tudo errado. Havia poucas meninas tão tímidas nos anos setenta, como saber o que estaria pensando essa? Ela o acompanhou até a saída, pois ele não largara sua mão. Ao despedir-se, tocou sua boca com um beijo quase casto. E se foi.

Tudo se foi, com aquele beijo, enquanto ela quase desfalecia. Pois foi colocado em sua boca, como se coloca um bilhete embaixo da porta. O coração dela sabia que embaixo da porta não são colocados bilhetes de começo. Ela não era menina para um cara popular, disputado por garotas mais “descoladas”. Aquele era um bilhete de fim.

 

14 comentários:

  1. Muito agradecida e feliz com a seleção de minha crônica. Aos seguidores do Projeto peço que me concedam a honra da leitura e dos comentários, para maior expansão dessa iniciativa tão apreciável da ALCG.

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    1. É muito bom receber comentários dos colegas participantes do projeto. Aprecio muito quando uma crônica minha recebe comentários que me animam a continuar.

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    2. Sim. Cria uma união entre os participantes. Como se fôssemos amigos de muito tempo.

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  2. Tuas crônicas já têm a tua marca de qualidade que eu reconheço e valorizo. Arrasou mais uma vez, Rosicler!

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    1. Obrigada, Sueli. Tenho vasculhado em meu gasto estoque de lembranças...

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  3. Amiga, você descreveu muito bem as festinhas dos anos setenta. E tb a disputa pelo apoio do braço da poltrona, foi bem real, ali, sempre acontecia o primeiro toque e disparo do coração dos jovens tímidos. Legal sua crônica! Parabéns!

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  4. Amiga, você descreveu muito bem as festinhas dos anos setenta. E tb a disputa pelo apoio do braço da poltrona, foi bem real. Ali, sempre acontecia o primeiro toque e disparo do coração dos jovens tímidos. Legal sua crônica! Parabéns!

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    1. Lenita! É você? Obrigada, amiga. É isso mesmo, aquele toque providencial... Do braço da poltrona.

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  5. Parabéns Rosicler ..eu sempre me encanto com essa sua capacidade de descrever também. Que nos coloca dentro do teu cenário como protagonista também! Descreveu tao bem " a emoção do esperar" 💓💓💓💓

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    1. Participar deste projeto tem sido um desafio encantador para mim, que sou "espalhada" para escrever. Manter o volume de descrições sensoriais em um texto curto me desafia, mesmo.

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  6. Fase única essa, hormônios querendo eclodir... E o cenário do cinema contribui com Aquele seu toque mágico... Rosicler, "O beijo do fim" é ótimo! Quem não teve a graça de passar por essa prova de fogo, não sabe o que perdeu, não é mesmo? 😀

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    1. Isso, prova de fogo... E a maior prova: não se deixar queimar nesse fogo. Rsrsrs

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  7. Que crônica mais linda! Certamente mexeu com a memória adolescente de muitas pessoas ❤️

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    1. Sim. Deve mexer, mesmo. Quem não passou por isso alguma ou diversas vezes na adolescência, não é?

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