Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa.
Com frequência
que desafia o bom senso e despreza a necessidade de olhar mais vezes o céu nas
horas em que morre a madrugada, vou à sacada e contemplo o elevador luminoso do
Edifício Infinity, fincado na direção fronteira. Mesmo nas horas precoces, há
tráfego nas ruas Jacob Hollzmann e Sant'Anna, fazendo entrar em minha casa o
som das almas que àquela altura estão despertas e se movimentam, em todas as
direções, já verticalmente metidas nesse dia novo que, segundo o senso comum, é
um "milagre", mas que para cada qual pode ser um presente, um fardo,
uma dádiva ou um calvário, conforme o conceito que cada vivente fizer de si e
da circunstância que o cerca.
Do mesmo ponto
testemunhei, nos últimos anos, estenderem-se rumo ao céu alguns espigões –
poucos, mas suficientes para abrigar parcela substantiva da cidade em que
nasci, lá longe. A provinciana Ponta Grossa definitivamente já não é mais dada
a campesinatos, antes esboça passos cada vez mais duros para uma modernização
que virá para males e bens, e em nenhum desses caminhos acertará ou errará
sozinha, pois esquecer o passado é o tributo que se paga pela necessária
incorporação às cadeias cada vez mais amplas de produção e, quando as coisas se
passam assim, se passam como não poderiam se passar diferentemente. O que
perfura e mata, e ainda não se fala disso com o arrebatamento merecido, são os
efeitos colaterais. O dilema da automação algorítmica e da computação quântica
como a tuberculose de nosso tempo, ou como mero catastrofismo dos inimigos da
inovação, terá nos Campos Gerais um cenário como qualquer outro. Anyway, ainda
é cedo para ruminar o vindouro inferno tecnológico de Musk et caterva, e o
cenário convida a sair pela vertente lírica.
"Numa noite, ou num dia (...)/ Tudo aquilo que vemos ou nos parece/Nada mais é do que um sonho dentro de um sonho", (Edgar Allan Poe - Séc. XIX), e é assim que tudo parece visto deste ângulo, antes de descermos e nos integrarmos ao sonho e à coletividade que nada tem de sobrenatural além de estar sobrenaturalmente incorporada ao processo de viver, ao jogo dos interesses no balanço das pulsões e apetites, destinos que se cruzam no imenso caudal da experiência humana.
Naturalmente mais voltado a identificar os ângulos retos e as arestas do que as harmonias em geral, jamais me afeiçoei ao subgênero "texto de amanhecer", instituição sólida da Crônica. Acordei mais cedo e me saiu um. Deve ser inspiração do "Corvo" Allan Poe, esse equilibrista da treva e da luz.