segunda-feira, 29 de junho de 2020

Meu querido colégio


Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, Professora aposentada, Ponta Grossa.
Publicado na Folha Paranaense em 14/08/2020, lido na CBN Ponta Grossa em 02/09/2020, postado no Portal aRede em 16/09/2020.
Quando uma criança de dez anos de idade era somente uma criança que ainda brincava com bonecas. Bons tempos aqueles! Infantil, porém responsável, aquela menina termina o curso primário com louvor. Participa do concurso de melhor aluno da cidade daquele ano, promovido pelo Rotary. Pais orgulhosos. Valeu-lhe um guarda-roupa novo e uma viagem a São Paulo. De trem. Segunda classe. Longas horas em assento de madeira, duro como pedra. O sol nascia e dormia e a viagem prosseguia. Mesmo assim, o melhor presente do mundo! Aquele era somente o primeiro passo na avenida infinita do estudo com destino ao conhecimento e ao saber.
       Nos anos despreocupados da infância, sempre brincara no parquinho da praça e admirara aquele casarão. Devia ser um colégio de gente grande! Ela era um “tiquinho” de gente. Tudo lhe parecia grande.
O Colégio Regente Feijó seria o próximo desafio de sua vida. Com o livro “Programa de Admissão” nas mãos, lançou-se ao seu primeiro vestibular, o Exame de Admissão ao ginásio! Borboletas no estômago! Trinta gotas de Maracujina! Uma sondagem de aptidões lhe aguardava. Supervisores observavam todos os movimentos das crianças. Situação inédita, nunca antes vivenciada, competição acirrada. Uma seleção que representava o início de um novo ciclo. Uma reprovação seria uma punhalada em sua personalidade perfeccionista.
Choro, ânsia de vômito, vertigens. Desatara os nós da prova escrita, porém o temido teste oral ainda estava por vir. Os examinadores postados pareciam figuras fantasmagóricas. No seu olhar aterrorizado pela ansiedade, via lençóis brancos em suas cabeças e foices cortantes em suas mãos. Mais uma dose de calmante e afinal o resultado: aprovada!
O pai, trabalhador, fechou sua oficina e esperou-a na praça. Temia o trote aos novatos. Vã preocupação. Os veteranos foram complacentes.
Blusa branca e saia azul-marinho pregueada enrolada na cintura para encurtá-la. A baliza e a fanfarra faziam o show nos desfiles cívicos.  Na calçada, ambulantes estouravam pipoca enchendo o ar com aquele cheirinho que entrava pela janela e acordava a fome de fim de tarde.
O Regente Feijó, monumento educacional público, é testemunha muda de mil histórias. Milhares de alunos passaram por seus bancos. Bem preservado em sua estrutura física, mostra caminhos para que cada um costure seu sonho e encontre o fio de sua própria história.


segunda-feira, 22 de junho de 2020

Quando morremos, morrem as coisas?


Texto de autoria de Juliano Lima Schualtz, estudante de História da UEPG, Ponta Grossa.

Publicado no Diário dos Campos em 22/06/2020, lido na CBN Ponta Grossa em 25/08/2020, postado no Portal aRede em 23/09/2020.

Os velórios em cidade pequena sempre seguem uma ritualística simples. Mesmo o morto em vida sendo pouco aplaudido, quando defunto já se torna celebridade ao ser anunciado na rádio local. Os familiares próximos e distantes, os amigos próximos e distantes, os inimigos próximos e distantes, as viúvas próximas e distantes, os cães próximos e distantes, os bêbados próximos e distantes. Todos se coagulam na comunhão sepulcral que antecede o enterro.
No transcorrer do velório, as estórias com o falecido ganham vida. É o momento de rememoração e fabulação de uma vida que pulsa nos entes próximos. Alguns chovem na pupila e outros para não chover resolvem rir com alguns causos: palavra-guarda-chuva. De qualquer modo, é sempre um momento de inquietação e luto, cada qual à sua maneira.
Enterrar os mortos é essencial para a manutenção sentimental dos vivos. Visualizar o defunto contornado pelas flores e sua face pálida inscrevendo a presença da ausência na fotografia eterna e precisa antes das pás de terra cobrirem o caixão. Depois, bem, depois cada defunto é machadiano do seu jeito.
Mas...recordo de um relato... estipulado por um morador de Tibagi, contou-me assim:
“Quando o avô do Afonso veio a fenecer, ele me relatou o último momento com o senhor Isaías. Ambos não se viam com constância, afetos mutilados e vidas em encruzilhada. Contou-me que o velho cão passou a latir convulsivamente lamentando a ausência carinhosa das mãos rugosas de Isaías. As unhas do gato caíram, arranhou muito a cadeira que sentava o Isaías. As cordas da viola: rebentaram. Só as unhas de Isaías podiam tocá-las. A garrafa de aguardente: secou. Só os lábios pardos de Isaías bebericavam aquele líquido ardido. A gaita de boca perdeu a sonoridade, apenas o sopro de Isaías conseguia tragar som daquele instrumento. As flores e mandiocas não mais cresceram, as flores recusavam outras pupilas e as mandiocas negavam outros músculos. No último momento, Isaías, de pele crepuscular: anoiteceu.”


segunda-feira, 15 de junho de 2020

Viajando pelos Campos Gerais – querida cidadezinha de Tibagi


Texto de autoria de Antonio Marques de Castro, Agente Administrativo da Prefeitura de Telêmaco Borba.

Lido na CBN Ponta Grossa em 07/07/2020, postado no Portal aRede em 12/08/2020, publicado no Diário dos Campos em 24/02/2021.

Tibagi é possivelmente o passeio preferido do telemacoborbense. Ainda que estes “monte-alegrenses” tenham sido inseridos um tanto ou quanto “forçosamente” na afamada Rota dos Tropeiros, pois da mesma não foram pioneiros.
Mas quem não curte apreciar belezas naturais a nos prestigiar com suas maravilhas em seus próprios “desfiladeiros”? E para tal, sigamos a rota dos tropeiros...
Para você que é “de cá”, um povo hospitaleiro “aguarda-te-lá”!
Dá um “salto” e puxa seus nervos, ali a campina é alta e santa é a rosa. Paredões e fendas, parques, rios, riachos, cachoeiras e algumas lendas. E muita prosa.
Café colonial, churrasco de carneiro; café em “Cristal”, almoço à la “Tropeiro”!
Tibagi sempre à sua “mercê”! Desde a praça central, centro cívico e ladeira afora; nunca rompera seus “paredões”. De machadinho à motosserra, desta à esteira. Desbravaram estas terras algumas gentes estrangeiras. Fizeram delas grandes produtoras de grãos. Entre lendas e mitos, folclores e ritos, carnavais e outras festas mais... Preservou-se o jeito e a simpatia dessa gente hospitaleira. Tibagi, sempre recebendo a todos com bastante amor, tornou-se referência na organização do melhor Carnaval do interior – do interior do Paraná.
Suas belezas naturais e a simpatia de seus agentes de turismo, a fizeram também destacar-se no cachoeirismo – entre tantas outras belezas, como a do Guartelá.
Aguarda-te-lá enquanto eu fico cá, passeando e sempre por Tibagi passando; indo e voltando para lá e para cá. Sigo a minha rota da qual Tibagi faz parte. A eternizando nesta minha arte, a levarei comigo em prosa e verso por toda parte.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Secos e molhados


Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, Professora aposentada, Ponta Grossa.

Publicada no Correio Carambeiense em 13/06/2020, postado no Portal aRede em 22/07/2020, lido na CBN Ponta Grossa em 19/20/2020.

Na tarde morna e preguiçosa me recosto na rede pendurada em galhos de amoreira, fecho os olhos e me transporto ao passado; revisito minha infância de múltiplas facetas. A igreja e suas festas ruidosas, alvorada festiva com foguetório às seis da manhã de domingo acordando os fiéis. As brincadeiras de roda, pipas, bilboquês, amarelinha, que se harmonizavam com crianças despreocupadas. Brincadeiras que vivem no porão da saudade.
O pensamento errante, sem direção definida, percorre ruas de chão batido onde pular corda levantava poeira, mas era diversão garantida. Vai pelas trepadeiras dos jardins da vizinhança; o ponto de ônibus na rua principal. O armazém de secos e molhados do seu Inácio na esquina da minha casa, que provia todo o bairro, imprescindível para que a vida seguisse seu curso.
Adentro ao armazém. Um longo balcão de madeira em forma de L, lavado à noite pela esposa. Crianças na pontinha dos pés, agarradas ao balcão, com os olhos fixos na vitrine de doces que aguavam a boca. Suspiro, paçoquinha, cocada, pé de moleque, que sobreviveram até as festas juninas de hoje.
O armazém de secos e molhados vendia de tudo. Para dor havia Cibalena. Para mal-estar, amoníaco. Agulha, colchete, elástico e botão não faltavam. Cereais a granel entregues ao freguês em cartuchos de papel, bebidas, tubaína, capilé, garrafas de leite com rolhas de cortiça, pepino azedo caseiro e pão d'água que, por sua estética peculiar, era vendido até em metades. Comprar dois pães e meio era possível. Num cabo de vassoura na transversal os “salgados” ficavam expostos.
Na ponta do balcão, mais ao fundo, alguns homens naquele que era o ponto de encontro para tomar uma cachacinha, conhaque ou Fernet depois do trabalho. As comadres comentando no portão: Sabe que eu vi o marido da Lurdes bebendo no armazém? Coitada! Com aquele barrigão de oito meses e ele nem aí! Ainda bem que sempre leva uma mistura para a janta!
Uma menina sai do armazém equilibrando um copo cheio de óleo de soja. Derrama um pouco na barra da saia, molha a ponta dos pés. A mão desliza, troca de mão, respinga, mas chega em casa com o suficiente para o molho da maionese de domingo.
O sol se despede do dia; pouco a pouco se acomoda no poente. A nostalgia dá lugar à realidade; me aconchego mais à rede que me abraça e me entrego nos braços do ocaso.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

O caminho como destino

Texto de autoria de Ederson Claudio Correia Oliveira, Contador, morador em Ponta Grossa.

Lido na CBN Ponta Grossa em 23/06/2020, postado no Portal aRede em 15/07/2020, publicado no Diário dos Campos em 24/03/2021.

Acordei disposto pra uma caminhada naquele sábado de outono. Prefiro acordar cedo num sábado bonito do que encher a cara numa sexta à noite. Pena que a segunda sentença é a que quase sempre prevalece. Alguns místicos afirmam que a alvorada é momento de maior energia no planeta Terra. Ainda que minha sensibilidade seja latente em assuntos metafísicos, tendo a concordar com essa afirmação. Sinto meu humor diferente e uma enorme gratidão por estar vivo.
Quanto a caminhar, sempre gostei. Gosto de andar pra pensar na vida ou pra simplesmente não pensar em nada. Uma meditação em movimento guiada pelos sons dos passos batendo no asfalto ou na terra. Thoreau passou dois anos vivendo na floresta. Eu passaria facilmente esse tempo caminhando por aí sem destino. Gosto do cheiro do mato, de ouvir a voz da natureza, que pode ser apenas o silêncio. De fugir um pouco dessa vida automatizada. Caminhar sozinho é bom pra conversar consigo mesmo. Pra ouvir a voz interior. Pra não enferrujar os joelhos. Pra irrigar com um pouco de endorfina em um cérebro ansioso. Talvez a estrada seja como a vida, às vezes: o caminho é tão satisfatório quanto o destino.
Arrumei uma pequena mochila com itens básicos. Peguei um ônibus no centro e fui até o terminal de Uvaranas. Depois a pé pela estrada Pery Pereira Costa. Uma linda via, mas um pouco perigosa, visto a falta de acostamento. É engraçado como uma caminhada sem porquê atrai atenção de curiosos. Contrariando o senso-comum de que o ponta-grossense é introvertido e pouco sociável, muitas pessoas param gentilmente para oferecer carona. E não aceitam se você dizer que está simplesmente andando a esmo. É necessário ter um objetivo. Às vezes são tão insistentes que invento estar pagando promessa. É o único jeito de me ver livre do cordial e religioso cidadão.
“Você é meio hippie” sentenciou certa vez um amigo. Que seja! Gosto de pensar que sou um pouco mesmo. Um hippie, um beatnik perdido em 2020. Uma alma desencontrada numa cabeça moldada para servir o establishment. Cansado de manter um trabalho que não gosta pra comprar coisas que não precisa, como naquele filme do Fincher baseado no romance do Chuck Palahniuk.
Naquele sábado eu parei no Capão da Onça. Era quase meio-dia. O lugar estava vazio. Tomei lentamente duas cervejas à sombra de uma árvore nativa ao lado de uma pequena queda d’água. Pra quem perdeu o hábito de rezar, aquele era meu pai-nosso.

Esqueci o meu idioma!

Texto de autoria de  Márcia Derbli Schafranski , professora universitária aposentada, Especialista e Mestre em Educação pela UEPG e Suficien...