segunda-feira, 22 de julho de 2024

Caixa Postal 36

Texto de autoria de Mário Francisco Oberst Pavelec, técnico em agropecuária, natural de Palmeira, residente em Ponta Grossa.

Em tempos hodiernos, locar uma caixa postal em uma agência dos Correios se dá apenas para empresas, que necessitam enviar e receber alguns documentos cujo meio digital ainda não conseguiu substituir, ou para que as encomendas tenham um destino mais seguro.

Porém, antes dos e-mails, das virtualidades, das caixinhas que carregamos nos bolsos e mãos, cujo nome diz uma coisa, mas para essa coisa pouco usamos, ou seja, o telefone celular, as comunicações eram diferentes.

Para o imediato, o telefone, fixo, que em tempos antigos precisava de uma telefonista para operar as ligações. O primeiro lá de casa, em Palmeira, era o 136. A evolução do número se deu em 52-1336, passando para 252-1336 e posteriormente 3252-1336.

Coincidência ou não, meu pai tinha locado nas agências dos Correios de Palmeira, uma caixa postal com o número 36. Essa agência, localizada no início da rua Conceição, tem um prédio de uma arquitetura belíssima, década de 1950, creio, com seu recuo em relação à rua, e o piso do salão principal todo diferenciado.

Meu pai recebia regularmente correspondências, desde contas, cartas, cartas das agências bancárias, propagandas, mas seu maior fluxo era de próteses dentárias, enviadas pelo protético de Ponta Grossa. Seu Mário tirava um tempo do consultório para subir a Conceição, passar no correio e depois seguir até as lidas bancárias. Sempre depois das dez da manhã. A chave era quadradinha, marronzinha, e pequena. Não perca, me dizia ele. Ah, cartões de natal, quantos cartões de natal recebíamos.

Muito usei esse endereço, recebendo todo tipo de correspondência. Cartas, livros, folhetos técnicos, revistas (inclusive algumas estrangeiras, me achava o máximo) e raras encomendas. Também muito escrevi e muitos selos colei em envelopes, garantindo a chegada das correspondências até seus destinos.

Receber um telegrama era uma coisa de outro mundo. Lembro-me de um dos primeiros que vieram endereçados a mim, convocando para assumir o emprego de extensionista na Acarpa. Uma emoção ímpar, proporcionando-me o primeiro voo solo enquanto pessoa e profissional.

Caixa Postal 36, CEP 84130-000, Palmeira – Paraná era o endereço constante de minha casa, quase ofuscando a Rua Coronel Pedro Ferreira, 183, onde nasci, e depois, atravessando a rua, a Praça Marechal Floriano Peixoto, 144, onde vivi minha adolescência.

Quem será que está lá hoje?

Em tempo: 36 é cobra na cabeça!

Eméritos dos Campos Gerais

Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa.

    Nos corredores da Universidade Estadual de Ponta Grossa, um encontro peculiar aconteceria. Era um desses dias em que as lembranças do passado se encanastravam com o presente de maneira quase corpórea. Reunidos como que por um chamado, estavam os professores aposentados da instituição, que dedicaram décadas de suas vidas à sublime missão de arrotear.

    Entre eles, destacava-se um professor caricato, cujos cabelos grisalhos e olhar erudito transformou-se ao longo dos anos. Ao seu lado, a Professora Cleide, com sua postura elegante e voz fleumática, transmitia toda a sua sabedoria. E assim, outros colegas assentiam, cada um carregando consigo uma bagagem de histórias e ensinamentos.

    Logo as conversas dissuadiram para um tema de preocupação e reminiscência: a nova geração de estudantes. Com olhares críticos, os professores começaram a discutir as vulnerabilidades percebidas naqueles que agora ocupavam as salas de aula.

    "Você viu como os alunos de hoje em dia parecem tão frágeis e dependentes da tecnologia?", comentou o Professor Almeida, sacudindo a cabeça com incredulidade. "Não têm mais aquela curiosidade natural de explorar o mundo ao seu redor. Tudo é entregue de bandeja, mastigado e pronto para ser digerido."

    A Professora Beatriz assentiu, acrescentando: "E não é apenas a falta de interesse pelo conhecimento. Muitos deles têm dificuldade em conviver com adversidades. Estão tão acostumados ao conforto que qualquer obstáculo se torna um dilema intransponível."

    Trocaram olhares cúmplices, lembrando de suas jornadas de desafios e superações: acondicionar o material em uma sacola de lixo, morar em república com dez outros estudantes, utilizar o transporte público apenas em dias de tempestade forte, nos demais, recorrer às capas e galochas. Certas observações faziam parecer até mesmo uma competição sobre quem foi o menos afortunado: nunca ter tido caixa de lápis de cor ou reutilizar o material dos irmãos mais velhos. Em meio à concorrência, um professor de Engenharia mencionou que contou todos os pregos de sua primeira obra e jamais imaginou viver em meio a uma geração de desperdício.

    "Fomos forjados na fornalha das dificuldades", declarou o Professor Almeida, com olhos nostálgicos. "Cada obstáculo que enfrentamos nos tornou mais fortes, mais resilientes".

    Entretanto, humildes, ainda mantinham a esperança de que cada aluno pode ser capaz de encontrar em si a força necessária para desenvolver seu pleno potencial rumo ao extraordinário.

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Corrida noturna

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa.

Nós estamos por toda parte. Escrevesse eu um texto com o tema “corrida de rua” e o mandasse à Academia de Letras local, preencheria com tranquilidade o quesito “possuir identidade com os Campos Gerais” ainda que não citasse nominalmente nenhuma de suas cidades, ruas ou parques – se discorda, olhe pela janela. 

Estamos por toda parte e a qualquer horário. Numa semana de lascar, que transformou em borralho todos os minutos úteis, e vinha se aproximando a primeira meia-maratona que eu faria – desejando terminá-la correndo, não de carona com os paramédicos – pela primeira vez corri de madrugada. Oito irresponsáveis quilômetros entre Olarias e o Jardim Carvalho. Próximo ao Parque Ambiental, encontrei um desconhecido que também treinava e que na cumplicidade das horas mortas saudou-me com um “salve, guerreiro”. 

Na pista do Jardim Carvalho, a aquosidade amarela da iluminação pública irradia tropegamente pelo cenário o aspecto de um amanhecer eterno; as cercanias do Parque dos Ingleses, ao contrário, parecem inaugurar um tempo inédito, cuja madrugada é mais funda, uma hora adicional cravada entre as quatro e cinquenta e cinco e as cinco da manhã; o Parque Linear remonta à kenopsia, que o “Dicionário das Tristezas Obscuras” caracteriza como a melancolia dos lugares vazios que já foram frequentados; o Lago de Olarias faz pensar numa excursão ao além ou a outro planeta mais distante do sol, dado o frio que emana das pedreiras próximas enquanto a escuridão cobre as águas com seus variados graus de breu.

Sempre há pelo percurso algum outro desvairado correndo na comunhão daquela fome, daquele hábito, daquele vício que nos leva adiante, na pista e além. Houve um ano em que corri mais de mil quilômetros no período noturno; não que seja hábito de guerreiros, como bradou meu anônimo colega, mas apenas o curativo e a antecipação de outras corridas e correrias, aquelas que se travam de dia e, justamente por isso, nelas há mais trevas, muitas mais.

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Nos velhos tempos dos Correios

Texto de autoria de Márcia Derbli Schafranski, professora universitária aposentada, Especialista e Mestre em Educação pela UEPG e Suficiente Investigadora pela Universidade de Extremadura, na Espanha, residente em Ponta Grossa.

Transitando pela rua Augusto Ribas, em direção à Santa Casa de Misericórdia, o sinaleiro fechou e parei quase em frente ao prédio da Agência Central dos Correios. Lembrei então dos tempos da minha adolescência, quando meu pai me “escalava” para escrever cartas endereçadas aos seus irmãos, que não residiam em Ponta Grossa. Discorria sobre os assuntos que deveriam ser abordados e eu dispendia algumas horas, para “conversar” com parentes que mal conhecia, tendo sempre o cuidado de acrescentar um toque de amabilidade, para que as cartas não se parecessem com um relatório.

Quando eu terminava de escrever, ia ao escritório do meu pai e lia a “missiva” em voz alta, para ver se ele estava de acordo com os meus escritos, porém, sempre, ele dizia: você esqueceu de mencionar “tal” fato. Eu colocava um PS e dava por encerrada a primeira parte da minha tarefa. A segunda parte consistia em levar as cartas ao correio, sempre com a recomendação de colocá-las nas caixas certas, para não serem extraviadas. Todos os meses, a minha “missão” se repetia.

Na época de Natal, então, era o “caos”. Ele me dava uma lista enorme, com os nomes dos parentes e amigos a quem eu deveria endereçar cartões de boas festas, e lá ia eu, em direção à livraria Montes, sabendo que, na volta caberia a mim subscritar os envelopes para serem enviados.

Eu ia ao correio, com uma sacola cheia de cartões e enfrentava filas enormes, para comprar e colar os selos, com aquela colinha de pincel que ficava em cima de uma pequena bancada.  Enviava os cartões, acreditando que, finalmente, havia encerrado a minha tarefa.  Ledo engano! Quando recebíamos um cartão de alguém que não estava na nossa lista incial, papai simplesmente me dizia: Vá à livraria, comprar um cartão de agradecimentos para enviarmos ao meu amigo, com o nosso pedido de desculpas!

E os telegramas, então!!! Por ocasião de formaturas, falecimentos, ou mesmo, festas às quais não poderíamos comparecer, cabia a mim ir ao correio, enviar as mensagens, de acordo com a ocasião. O preço do telegrama era cobrado pelo número de palavras escritas e eu, sempre fazia sobrar um “troquinho”, para, na volta, passar na padaria Glória, comprar um delicioso sonho recheado com nata.

Os tempos mudaram e mudaram também, as formas de comunicação. Porém, tenho a certeza de que se hoje meu pai fosse vivo, ligaria para mim do seu telefone fixo e diria: Passe aqui em casa e traga o seu celular, pois, preciso enviar algumas mensagens!

segunda-feira, 1 de julho de 2024

A Luz que emana da escuridão

Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa.

Era um daqueles dias em que a vida se mostra insuportável, um drama da vida real. Meu pai, em coma, preso em seu corpo entre a vida e a morte, e nossa família mergulhada num abismo de desespero. A cena era de tragédia clássica: uma sala de hospital na qual a esperança se diluía a cada batida dos aparelhos, em que as lágrimas eram mais frequentes que palavras.

Em meio ao caos, encontramos as pessoas mais maravilhosas. A fé, a bondade pura, surgia no momento mais sombrio. Era como se Deus, ao ver nosso sofrimento, enviasse seus anjos disfarçados de gente comum. Elas doavam tempo, ofereciam palavras de conforto, seguravam nossas mãos trêmulas e enxugavam nossas lágrimas. Eram pessoas que traziam uma luz inesperada.

Em uma quarta-feira na paróquia Santa Rita em Ponta Grossa, eu, consumida pela dor, fui à época na missa celebrada pelo Padre Wilton, buscando uma faísca de esperança. Sentei-me no banco de madeira, cabeça baixa, soluçando lágrimas e preces desesperadas. Quando senti uma presença ao meu lado. Levantei o rosto e encontrei uma mulher absolutamente cega. Ela me abraçou e se apresentou como Jô, uma figura que parecia ter sido enviada por uma força maior.

Jô, mesmo sem enxergar, parecia ver mais do que qualquer um de nós. Ela segurou minha mão e suas palavras foram como um bálsamo: "Vou rezar todos os dias pelo seu pai”. Aquela promessa, vinda de uma desconhecida com suas próprias limitações físicas, trouxe um consolo que palavras não conseguem descrever. A partir daquele dia, Jô passou a me telefonar diariamente, como se tivesse se tornado parte da nossa família. Eu sabia que Deus a tinha colocado em nossas vidas.

E a amizade com Jô floresceu. Ela era a prova viva de que a compaixão não conhece barreiras. Cada ligação, cada oração compartilhada era como um sopro de esperança, um lembrete de que não estávamos sozinhos. Era o testemunho de que a bondade humana pode surgir nos piores momentos, trazendo consigo a mão invisível e consoladora de Deus.

Após cinco anos em coma, o final de tudo. Percebi, inspirada nas ideias de Miguel de Cervantes e na perseverança de nossa família que – Quem não tenta o impossível, falha em cumprir a missão que a vida lhe concedeu. A vida nos colocou diante do impossível e acreditamos que fizemos o melhor. As ações de Jô sempre ficarão gravadas em minha memória e ainda ecoam em meus pensamentos:  uma mulher cega que viu além das trevas e trouxe luz para nossas vidas quando mais precisávamos.

segunda-feira, 24 de junho de 2024

A arte na Princesa

Texto de autoria de João Alfredo Amatnecks Filho, graduado em Português/Inglês e Direito pela UEPG, professor na rede pública e residente em Ponta Grossa.

As primeiras manifestações de arte em Ponta Grossa foram os circos. Um deles, o Circo Zanchettini, preserva sua tradição desde o ano em que foi fundado, em 1964, no Paraná.

Tivemos circos mambembes, ou seja, conjunto teatral ambulante pobre, formado por atores amadores, que percorre cidades do interior. Em Ponta Grossa, o mais famoso foi o Circo do Nhô Bastião, que gostava de ficar no centro do picadeiro com um pedaço de fumo em rolo, cortando para colocar na palha e balançando esse pedaço de fumo, olhando para as mulheres de forma maliciosa.

Era sucesso garantido e foi astro do pequeno circo por muitos anos. Isso foi nas décadas de 50/60. Infelizmente, pouco o vi.  Ao que assisti nessa época foram as famosas lutas, os catchs que aconteciam debaixo das lonas circenses. Baseada na personagem Monga, que aparecia nas feiras e pequenos circos, tivemos uma lutadora chamada “Mulher Gorila”.

Ela era grande, forte e lutava com os homens. Lembro das lutas onde o vilão ficava provocando todos e, de repente, alguém da plateia subia ao ringue e ganhava a luta, numa série alternada de apanha, bate e assim por diante.

Esse gênero passou a fazer tanto sucesso que, com o advento da televisão, passou a ser atração dos sábados com o nome de tele-catch, criado pela extinta TV Excelsior.

Além do circo, o teatro sempre foi muito prestigiado em Ponta Grossa. Hoje temos o Teatro Municipal Álvaro Augusto Cunha Rocha (Cine Teatro Pax - Proex), Cine Teatro Ópera (centro da cidade), Teatro Marista (no Colégio Marista).

Nosso principal teatro recebeu o nome do Professor Álvaro Augusto da Cunha Rocha, o primeiro reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), que criou essa Universidade pela fusão de cinco faculdades já existentes e participou da criação do Festival Nacional de Teatro, o FENATA.

Muitos nomes expressivos na cultura princesinha, como Bruno Enei, Faris Michaele e Álvaro Rocha, tornaram nossa cidade um centro de cultura,

Muito me orgulha ser ponta-grossense, ter nascido aqui – e pretendo aqui morrer –, ter estudado na Escola de Aplicação, no Regente Feijó e na UEPG, nos cursos de Direito e Letras.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

A epifania de José

Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa.

Era uma manhã como outra qualquer, ou pelo menos parecia. O Sol despontava tímido no horizonte, enquanto eu dirigia pelas ruas ainda sonolentas rumo ao campus da UEPG. O rádio do carro, meu companheiro fiel do trajeto solitário, tocava uma melodia suave quando a voz do locutor, com ares de filosofia matinal, decretou: "Devemos selecionar as ressacas pelas quais queremos passar, seja na bebida, nos relacionamentos ou nas atitudes financeiras impulsivas."

Aquela frase, realmente inteligente, me atingiu como um soco, daqueles que despertam a alma mais adormecida. Imediatamente, minha mente viajou até Carlos Drummond de Andrade e a epifania de seu famoso "José". "E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?". Drummond sabia como ninguém desnudar a ressaca existencial, aquela que vem quando as luzes da euforia se apagam e somos confrontados com o vazio que restou.

Enquanto ainda não chegava, fui tomada por uma reflexão inevitável. Quantas vezes as pessoas se entregam ao hedonismo, buscando prazeres efêmeros, seja na comida, na bebida alcoólica, nos vícios, no consumismo exacerbado, na sexualidade desmedida que, no fim, lhes deixam apenas um gosto amargo? A sociedade moderna os empurra constantemente para a busca do prazer imediato, para a satisfação a qualquer custo. Mas a que preço?

Lembrei-me de Nelson Rodrigues, mestre em desvelar as tragédias do cotidiano. Ele, com seu olhar mordaz, veria nessas palavras do radialista uma verdade crua e irônica. "A vida como ela é", dizia ele, não perdoa os que se rendem facilmente aos caprichos do prazer sem pensar nas consequências.

Eu continuava dirigindo e lembrei-me de um amigo que, em busca de aventuras amorosas, sacrificou um casamento sólido. O brilho fugaz das noites de boemia acabou por apagar o calor da companheira fiel, deixando-o só, com uma ressaca de arrependimento eterno.

Ao chegar ao campus, estacionei o carro e concluí, que devemos ter coragem para dizer "não" aos convites sedutores do prazer imediato e sabedoria para compreender que a verdadeira felicidade reside na constância, no autocontrole e na integridade.

Entrei no prédio com a certeza de que precisamos, como José, antecipar as respostas de quando a festa acaba e a luz se apaga. Precisamos escolher nossas ressacas com cuidado, sabendo que elas moldam quem somos e que não sejamos nós aqueles que tenham que responder: José, e agora?

Caixa Postal 36

Texto de autoria de Mário Francisco Oberst Pavelec , técnico em agropecuária, natural de Palmeira, residente em Ponta Grossa. Em tempos ho...