Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa.
Escondido entre as curvas sinuosas da
serra e a vastidão da Mata Atlântica, vivia Mirslavo – um detetive que falava
com os mortos. A cidade de Reserva (desmembrada do Município de Tibagi), antes
um povoado originário da colonização de poucos fazendeiros na década de 1930,
era um lugar onde a justiça muitas vezes era feita pela ponta do revólver.
Naquele tempo, as disputas não chegavam ao tribunal; elas eram resolvidas na
bala, e os sobreviventes que contassem a história.
Mirslavo não era homem de se impactar
com cadáveres. Ele os encarava como quem lê uma carta antiga, desbotada, mas
cheia de verdades incômodas. "O corpo, mesmo sem vida, fala", dizia
ele, e seus olhos varriam a cena do crime como um cão que segue a trilha de sua
presa. E foi assim que ele encontrou João Lacerda, estirado na terra que tanto
cultivava, com um buraco no peito e um silêncio que gritava vingança.
João não era santo. Suas desavenças eram
conhecidas, principalmente com os índios caingangues que habitavam a região. E
assim, como num folhetim barato, o nome de Cacique Serolê surgiu como o
provável algoz. Mas Mirslavo, mais que ninguém, sabia que o óbvio raramente era
a verdade.
Ao rodear o corpo, viu as pegadas. Não
eram de Serolê, mas de alguém que arrastava um segredo pesado demais para
carregar. Olhou para a estrada e notou as marcas de pneus, quase apagadas pelo
tempo, como uma lembrança que se quer esquecer. E ali, no meio do pó e do
sangue seco, ele viu o caminho que levava à casa de Manuel Vicente Barbosa, um
homem discreto, daqueles que a cidade nunca percebe, até ser tarde demais.
Manuel não vacilou diante do detetive,
mas Mirslavo, com seus olhos de lince, enxergou a sombra da culpa no olhar do
homem. A farsa, no entanto, só se desfez quando o detetive encontrou, no bolso
de João, um bilhete amassado. Um convite para a morte, escrito de próprio punho
por Manuel. A dívida era antiga, a paciência, curta. No calor de uma discussão,
a arma de Manuel falou mais alto, e ele, com a mão trêmula, tentou apagar os
rastros de sua fraqueza.
Confrontado com as evidências, Manuel
cedeu, desabando como um prédio mal construído. Confessou tudo, do rancor ao
disparo, e então a cidade soube que, mesmo ali, onde a bala fazia a lei, a
verdade ainda fazia se desvelar.
Mirslavo, com a capacidade única de
desvendar os segredos dos mortos, solucionou mais um caso, mostrando que, em um
tempo onde as armas ditavam a lei, a verdade ainda podia ser ouvida, mesmo no
silêncio dos mortos.
Muito bom!
ResponderExcluirCaramba, amiga. A história já é boa, mas o impacto de suas analogias ou metáforas impressiona ainda mais.
ResponderExcluirO mais triste é que muitos gritos de silêncios não se encontram com algum Mirslavo. E muitos, embora encontrados e ouvidos, tornam-se gritos abafados ao longo do tempo, sem que sejam registrados e mostrados à luz da justiça. Parabéns pelo registro.
ResponderExcluir