segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Chá, café e mel

Texto de autoria de Renato Van Wilpe Bach, médico, professor universitário e escritor, residente em Ponta Grossa.

Holandeses tomam chá, pela manhã, com broa, e à tarde, com bolachas e tortas; se estiver frio o suficiente, também à noite, antes de se deitar. Aos domingos, na Granja Oswin, “Tante”, Klaus fazia o chá na brasa da churrasqueira, em uma velha chaleira de ferro ao redor da qual se aqueciam os filhos, netos e bisnetos Van Wilpe.

Oma Helena, mãe de Klaus, detestava o chá de tília, durante a Guerra, e nunca entendeu o gosto do brasileiro pelo mate (ou pelo café). Seu filho Ko, meu avô, gostava dos (chás) pretos, mas não abria mão de “een klein kopje koffie” (uma pequena xícara de café) ao despertar e ao longo do dia.

Já idoso, acordava com o canto do primeiro galo, remexia-se na cama, e acabava acordando minha avó – que se fazia de pão, imóvel – sabedora de quê, a qualquer movimento seu, viria o apelo do marido:

Schatzi, só um café pode me salvar!

Minha mãe impôs aos filhos, a seu turno, uma infância regada a chá com leite, ambos quentes, à inglesa, toda manhã. Fui descobrir de vez o café já na faculdade, com meu tio, em noitadas de bom papo que duravam dois bules inteiros. Peguei gosto.

Quando descobriu que eu (também) gostava, Oma Ilse vinha, sempre no momento mais necessário, com uma xícara:

“Achei que fossê querreria un cafezinhe, Caco”, dizia em seu dialeto típico de quem fora alfabetizada em “alemón”.

Prenúncios da obesidade me fizeram abandonar o açúcar; tentei todos os adoçantes, mas deixavam um retrogosto amargo, horrível: foi assim que passei a tomar café sem açúcar, como qualquer psicopata (ou conhecedor).

Com M., virei definitivamente um devoto do café. O ritual cotidiano de dosar água e pó tornou-se uma forma de dizer eu te amo; os experimentos (creme de Nescafé congelado, por exemplo), as cafeteiras (italiana, francesa, expressa), parte da nossa história...

Gosto de todos os tipos, do árabe aos instantâneos, depende do momento. Mas não deixe uma térmica de café quentinha do meu lado que despertará um monstro, capaz de tomá-lo como chimarrão, aos litros.

O café é como o ovo, na medicina, descrito com exatidão na crônica clássica do Veríssimo: ora aliado, ora vilão. Como tudo na vida, pede moderação; sabemos como ele mexe com o coração.

Que me perdoem os antepassados holandeses, adoro um bom chá, mas neste quesito sou cem por cento brasileiro: um cafezeiro. Aprendi com meu avô a pedi-lo com doçura, ainda que o beba puro e amargo – afinal, Schatzi em holandês é mel, e era assim que ele chamava a esposa, a filha e a neta.

4 comentários:

  1. Que seja a primeira de muitas crônicas suas neste projeto, Renato. Eu fui enfeitiçada por ele desde o fim de 2019. Acho fascinante! Sueli Fernandes

    ResponderExcluir
  2. Parabéns Renato por sua crônica "Amei"!!!

    ResponderExcluir
  3. Excelente estreia! Um brinde com café amargo, mas com doçura, a essa crônica perfumada.

    ResponderExcluir
  4. Renato, parabéns pela crônica! Parece que voltei no nosso tempo de criança quando conheci tua família! Parabéns por nos colocar na mesa da família, família holandesa, alemã, italiana, francesa misturada com indígena como a minha, pra tomar um café e jogar conversa fora por horas e horas

    ResponderExcluir

Pedimos aos leitores do blog que desejem fazer comentários que se identifiquem, para que os autores conheçam sua origem.

Heróis não morrem, são apenas esquecidos

Texto de autoria de Reinaldo Afonso Mayer , professor Universitário aposentado, Especialista em Informática e Mestre em Educação pela UEPG, ...