Texto de autoria de Renato Van Wilpe Bach, médico, professor universitário e escritor, residente em Ponta Grossa.
Holandeses tomam chá, pela manhã, com
broa, e à tarde, com bolachas e tortas; se estiver frio o suficiente, também à
noite, antes de se deitar. Aos domingos, na Granja Oswin, “Tante”, Klaus fazia
o chá na brasa da churrasqueira, em uma velha chaleira de ferro ao redor da
qual se aqueciam os filhos, netos e bisnetos Van Wilpe.
Oma Helena, mãe de Klaus, detestava o
chá de tília, durante a Guerra, e nunca entendeu o gosto do brasileiro pelo
mate (ou pelo café). Seu filho Ko, meu avô, gostava dos (chás) pretos, mas não
abria mão de “een klein kopje koffie” (uma pequena xícara de café) ao
despertar e ao longo do dia.
Já idoso, acordava com o canto do
primeiro galo, remexia-se na cama, e acabava acordando minha avó – que se fazia
de pão, imóvel – sabedora de quê, a qualquer movimento seu, viria o apelo do
marido:
Schatzi, só um café pode me salvar!
Minha mãe impôs aos filhos, a seu turno,
uma infância regada a chá com leite, ambos quentes, à inglesa, toda manhã. Fui
descobrir de vez o café já na faculdade, com meu tio, em noitadas de bom papo
que duravam dois bules inteiros. Peguei gosto.
Quando descobriu que eu (também)
gostava, Oma Ilse vinha, sempre no momento mais necessário, com uma xícara:
“Achei que fossê querreria
un cafezinhe,
Caco”, dizia em seu dialeto típico de quem fora alfabetizada em “alemón”.
Prenúncios da obesidade me fizeram
abandonar o açúcar; tentei todos os adoçantes, mas deixavam um retrogosto
amargo, horrível: foi assim que passei a tomar café sem açúcar, como qualquer
psicopata (ou conhecedor).
Com M., virei definitivamente um devoto
do café. O ritual cotidiano de dosar água e pó tornou-se uma forma de dizer eu
te amo; os experimentos (creme de Nescafé congelado, por exemplo), as
cafeteiras (italiana, francesa, expressa), parte da nossa história...
Gosto de todos os tipos, do árabe aos
instantâneos, depende do momento. Mas não deixe uma térmica de café quentinha
do meu lado que despertará um monstro, capaz de tomá-lo como chimarrão, aos
litros.
O café é como o ovo, na medicina,
descrito com exatidão na crônica clássica do Veríssimo: ora aliado, ora vilão.
Como tudo na vida, pede moderação; sabemos como ele mexe com o coração.
Que me perdoem os antepassados
holandeses, adoro um bom chá, mas neste quesito sou cem por cento brasileiro:
um cafezeiro. Aprendi com meu avô a pedi-lo com doçura, ainda que o beba puro e
amargo – afinal, Schatzi
em holandês é mel, e era assim que ele chamava a esposa, a filha e a neta.
Que seja a primeira de muitas crônicas suas neste projeto, Renato. Eu fui enfeitiçada por ele desde o fim de 2019. Acho fascinante! Sueli Fernandes
ResponderExcluirParabéns Renato por sua crônica "Amei"!!!
ResponderExcluirExcelente estreia! Um brinde com café amargo, mas com doçura, a essa crônica perfumada.
ResponderExcluirRenato, parabéns pela crônica! Parece que voltei no nosso tempo de criança quando conheci tua família! Parabéns por nos colocar na mesa da família, família holandesa, alemã, italiana, francesa misturada com indígena como a minha, pra tomar um café e jogar conversa fora por horas e horas
ResponderExcluirEspecial crônica, que nos desperta para as preferencias mais simples da vida, de parar um pouco para curtir o momento do café ou do chá, tão bem definido pelo autor. Parabéns!
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