Texto de autoria de Rodrigo de Mello, Biólogo docente da UEPG, Ponta Grossa.
Publicado no Correio Carambeiense em 05/12/2020 e no Diário dos Campos em 23/12/2020, postado no Portal aRede em 30/12/2020.
Era um amanhecer que brotou de uma noite chuvosa. Entre negras
nuvens que cavalgavam ventos que as dispersavam no horizonte, os raios do sol
inundavam de luz a montanha onde se erigia uma imponente araucária. Em seu
labor fotossintético, já devorava fótons que banhavam suas folhas enquanto era tocada
pelas patas de aves e insetos. Ao sentir a gralha-azul à procura de seus
frutos, lhe disse:
– Sê bem-vinda! Tu que aprecias
meus frutos, sabes que eles, embora aqui no alto, provêm de minhas raízes, pois
delas brota a força de meu ser.
– Bem sei que tudo está interligado – gralhou a gralha em
seu galho. Apenas o inverno é a estação do meu alimento? Em verdade vos digo
que o pinhão também existe na primavera, quando não é mais que seiva sonolenta
pulsando e sonhando seus sonhos de fruto; no verão, surge em tenras pinhas; e
no outono, se incha e se tinge com o ouro do sol e dos nutrientes da terra. Cada
estação traz em si as outras três. A natureza é um só corpo. Comungai com a
menor partícula dele e comungareis com o todo. O politeísmo sobre o sagrado é
somente a epiderme de um unicismo profundo.
Uma formiga que marchava ali perto também se pronuncia:
– Quem dera que os humanos partilhassem de nossa sapiência.
Me louvam em seu livro sagrado, mas rodopiam no vórtice de suas incoerências.
Diz o provérbio deles para vir ter comigo, considerar meu proceder e aprender de
mim a sabedoria. Quem reconhece sua pequenez é um gigante, mas eles ainda
cultivam uma enorme corcunda por se curvarem sobre seus próprios umbigos.
Ao ouvir a sábia formiga, um vaga-lume que vagueava com
seus lampejos luciferinos acrescenta:
– Como minha luz que nasce e morre a cada instante, tudo
é uma pulsação de um dualismo binário. Dupla é a respiração de todo fenômeno.
Cada unidade é uma balança entre dois extremos que se equilibra neste íntimo de
contradição. Toda dualidade é prenha de mistérios e maravilhas. Esfregai vossos
olhos e despertai, humanos!
No instante em que a parte escura do céu foi rasgada por
um raio como uma cicatriz metálica e o som do trovão desabou como uma chicotada
gigantesca, asseverou, por fim, a coruja:
– O antropocentrismo coroado pelo individualismo é um
delírio pelo qual eles enxergam a realidade. Asfixiam-se no próprio ego e são
devorados por suas mandíbulas famintas. Corre um boato nos Campos Gerais que uma
pandemia surgiu para lhes mostrar que falharam em cuidar uns dos outros e em gerenciar
a vida do planeta. Ó pobre Homo sapiens, pão e circo até quando?