Texto de autoria de Rosana Justus Braga, revisora, Curitiba (natural de Ponta Grossa).
Publicado no Correio Carambeiense em 21/11/2020 e no Diário dos Campos em 11/08/2022, postado no Portal aRede em 13/01/2021, lido na CBN Ponta Grossa em 12/02/2021.
As férias
eram na casa dos avós, um retorno feliz ao ninho. O alvoroço começava logo na
chegada, as saudades se expandindo, os avós se esmerando, os primos surgindo de
todo lado. Sem falar nas tias-avós, a história não seria perfeita sem elas.
Do outro lado
da rua, havia um casarão centenário que desafiava o tempo e meus temores. Era de esquina, assobradado, as janelas altas
dando direto na calçada. Viviam lá as últimas sobreviventes de uma família de
raízes, a velha viúva e sua única filha solteira.
A tal filha,
que já passava bem dos cinquenta, tinha por gosto aterrorizar as crianças. Seu prazer era ocultar-se por trás das
pesadas cortinas de veludo e espiar por entre as dobras, até ser notada.
O terrível é
que ela se fantasiava, ocultava-se sob máscaras, perucas, chapéus,
transformava-se, enfim, para despertar nossos piores medos.
Ora uma bruxa
esquivando-se por entre os panos; ora um Papai Noel extemporâneo, espiando
pelas frestas; ou ainda uma Branca de Neve dos piores pesadelos, menina-velha,
aparecendo nesta ou naquela janela, rindo por trás da vidraça. Correria e
gritos de pavor.
A vizinha
usava de astúcia e só aparecia assim, transfigurada, de vez em quando; em
geral, quem costumava estar na janela era ela própria, dona Adelaide, o riso
largo de matrona italiana, confundindo, deliciada, o bom senso das
crianças.
Por isso,
passávamos de viés, sempre pelo outro lado da rua, cheias de um medo curioso, o
olho querendo ver, o medo dificultando, o casarão da esquina cristalizando-se
na memória para sempre.
Voltar à
cidade natal sempre teve sabor de novidade para mim. A mais deliciosa era o
apito do sorveteiro descendo a rua. Era o tempo de correr e buscar uns trocados
com a avó, depois escolher, creme ou framboesa? Dúvida atroz. Sempre escolhia
um, pensando no outro. No dia seguinte, invertia, sábia solução.
Tudo simples
e bom. O tio Tonico e sua carpintaria, tia Antônia e o cachorro Veludo, tia
Carmelina com seus passes milagrosos, a vó Sotinha e os chinelinhos de pano, a
fábrica de fogos, o mendigo Zorico.
Quantas
lembranças mais poderiam brotar deste saco sem fundo da memória? Melhor não
cutucar a onça com vara curta, diria o avô com seu conhecimento da vida.
E eu, boa
aluna que sempre fui, trato de fechar depressa esse bornal de surpresas, antes
que a onça acorde e meu avô venha me dizer, na calada da noite:
─ Eu
avisei!...
Rosana, que bom que esse seu saco de memória é um saco sem fundo KKK. Boas surpresas dele, vez ou outra, devem estar quentinhas pra sair... Assim como esta, que acabei de ler e gostei:"Simples e bom"
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