segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

O dia em que o Operário descansou

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa.

Postado no Portal aRede em 12/03/2024, publicado no Diário dos Campos em 31/01/2023, e no Jornal Página Um em 12/03/2024.

Um dia, o conhecimento humano vai desvendar o conhecimento humano, e uma das coisas que faremos vai ser explicar como e por que fazemos o que fazemos. Até que isso não aconteça, e até que a paciência do confuso leitor não o abandone e me abandone, ficaremos com o enigma e o mistério.

Poucos anos atrás, recém-morador do bairro de Olarias, acordei mais cedo do que o muito cedo de costume, com explosões estrugindo em vários rumos. Após alguns minutos de impasse sobre se tratava-se do Juízo Final (sendo o anjo trombeteiro uma espécie de animador de rodeio) ou um simples mega assalto na agência do BB mais próxima, o olho do bom senso piscou na noite alta com a explicação: estava hospedado no hotel ao lado um time de futebol, e os torcedores da equipe local vieram recepcioná-lo com rojões na esperança de que os atletas não descansassem e entrassem em campo com a perna dura.

Não sei se o parágrafo inicial deste texto assenta bem com o que veio após, mas os camaradas – aliás, autointulados operarianos – caem da cama na calada (ops) da noite pra acordar uma vizinhança inteira e, principalmente, outros indivíduos que se supõe estejam habituados ao alarido dos jogos e a tais artimanhas, além de disporem de orçamento para uns tampões de ouvidos que calam até a voz das neuroses alheias e respectivas carências afetivas e do que fazer.

Na melhor tradição do esporte brasileiro, o empenho da torcida não encontrou seu equivalente em campo e o time acabou rebaixado. No ano seguinte, silêncio tumular em Olarias. Decerto, o Operário, aquele que trabalha em Oficinas, precisava descansar.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Fundo do poço

Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, professora aposentada, residente em Ponta Grossa.

Postado no Portal aRede em 23/01/2024, no Portal TánoTipo em 06/03/2024, e publicado no Jornal Página Um em 26/01/2024.

A vida já foi muito mais difícil do que é hoje, quando não havia água potável encanada tampouco saneamento básico para as populações de periferia na cidade. Desafortunadamente, algumas pessoas ainda convivem com a falta desses serviços imprescindíveis à saúde.

Nasci e me tornei adulta em Ponta Grossa, no bairro Órfãs, vivendo com água de poço artesiano de onde o líquido precioso era retirado balde por balde amarrado a uma corda. Uma manivela fazia a rotação de um rolo de madeira que baixava o balde até a água e depois de cheio, através da mesma manivela, subiam a corda e a caçamba.

Pelas mãos do destino um dia fui morar em Castro e a situação da água seria a mesma que vivi na infância, porém o poço ainda não existia. Iniciamos a perfuração que naquele terreno, por sua constituição, não facilitava alcançar o lençol freático. Um profissional encontrou o melhor lugar para a perfuração usando a técnica rudimentar do galho de pessegueiro. O poço foi sendo perfurado, mas só encontravam pedras. O supervisor da obra decidiu usar dinamite para retirá-las e facilitar o acesso à água. Os vizinhos foram alertados, todos se fecharam em suas casas e a detonação ocorreu. O estrondo enfureceu um enxame de vespas fazendo com que se alvoroçassem e atacassem. Onde estariam elas que nunca foram vistas antes?

A obra era executada por três operários: dois na superfície içando os baldes cheios de terra e pedras e os devolviam vazios para o colega que se encontrava no buraco. No dia da detonação todos estavam na superfície, distanciaram-se o suficiente por segurança e aguardavam. No momento do ataque das vespas, todos buscaram abrigo e um deles adentrou ao buraco julgando ser o melhor esconderijo. Contudo as vespas atacaram-no mesmo no subsolo. Gritando, defendia-se dos ferrões como podia. O vizinho ao lado criava galinhas. Assustado convocou os bombeiros para atender a situação criada pelo explosivo e constataram a perda de todas as galinhas. O poceiro foi atendido no PS, sem gravidade. Meu marido voltava do trabalho naquele momento e de longe avistou o carro dos bombeiros. Logo imaginou um incêndio em nossa casa. Um grande susto! O giroflex colaborou para que o evento se tornasse cinematográfico no bairro Santa Cruz. Literalmente chegamos ao fundo do poço. Desistimos de novas tentativas. Mudamos de endereço sem jamais saber se alguém tomou um gole de água daquele poço que marcou nossa história na cidade.

Ataque dos quatis

Texto de autoria de Camila Pasetto Kiapuchinski, bacharel em Serviço Social, empresária na área de alimentos, residente em Ponta Grossa.

Postado no Portal aRede em 20/02/2024, publicado no Diário dos Campos em 24/01/2024, e no Jornal Página Um em 30/01/2024.

Parque Estadual de Vila Velha, excelente opção para o final de semana. Contato com o bioma da Mata Atlântica e com os famosos arenitos esculpidos pela natureza.

Mas pasmem, mesmo diante de tantas belezas, a primeira lembrança que me vem em mente não remete a sua grandiosidade, tampouco com a infeliz possibilidade da época, de subir nos arenitos. Minha principal memória deste parque se refere aos temíveis, carnívoros, farejadores, ladrões de comida. Os quatis.

Em minha primeira visita ao parque, há mais de 20 anos, era permitido fazer piquenique no local. Eu estava muito animada com o passeio da escola primária. Carregava de forma zelosa minha lancheira, contendo o precioso lanche de datas especiais: uma lata de refrigerante e um pacote de bolacha recheada.

Eis que me sento em uma mureta para saborear o momento (sim, o lanche era o ponto alto do passeio). Deixo a bolacha ao lado, para sentir o aguar de minha boca sendo tocado pela doçura dos gases daquela lata.

Já pensando na crocância que seguiria, me voltei para pegar o pacote. Ele estava a centímetros, porém, sob posse de um quati e logo atrás dele havia muitos outros como ele, sedentos pela comida dos humanos.

Levantei assustadíssima, sem a chance de recuperar ao menos a lata, saqueada na sequência. Fiquei sem lanche e passei o resto da tarde com medo de um ataque feroz, exigindo mais daquilo que me arrancaram minutos antes.

Este ano voltei ao parque. Fui com receio, confesso, mas me surpreendi com todas as mudanças. No que se refere à comida, é proibido entrar com alimentos e/ou bebidas em qualquer tipo de embalagem, exceto em casos de famílias com bebês e pessoas com dietas restritivas; alimentar-se e consumir bebidas alcoólicas nas trilhas; jogar lixo ou restos de comida no chão e sobretudo alimentar os animais. O descumprimento destas e demais regras te coloca sob pena de multa.

E o reencontro com os bichinhos? Este não aconteceu. Pela estrutura e cuidados atuais, creio que estavam na mata se alimentando do que a natureza a eles provê. Estavam em segurança.

Contudo, tive a oportunidade de construir uma nova lembrança do local. Meu filho, seguindo pela trilha, olhando a mata, habitat dos quatis, dizendo: “Uau, como a natureza é linda!”

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Natalândia

Texto de autoria de Mário Francisco Oberst Pavelec, técnico em agropecuária, natural de Palmeira, residente em Ponta Grossa.

Publicado no Diário dos Campos em 17/01/2024.

Sempre ficamos mais nostálgicos nesta época com as festas que, teoricamente, são para celebrar o nascimento de Jesus. Mas, parece inevitável a compra de presentes, principalmente para as crianças.

Nos antigos natais de minha existência, vínhamos de Palmeira para passarmos esses momentos na casa de minha tia Haydêe, minha madrinha e irmã de meu pai. Na rua Brasil Pinheiro, quase na Balduíno, uma casa enorme, toda em madeira, com um enorme terreno que abrigava muito bem a enorme família Pavelec. Vinham tios e primos de todos os cantos, Curitiba, Rebouças, fora os que moravam nas imediações e não precisavam dormir fora de casa.

Biscoitos de mel, pão caseiro frito na chapa do fogão a lenha, comida farta o dia todo, primos correndo e brincando por todos os lados, crianças dormindo no fantasmagórico sótão, muito churrasco, e na noite da véspera de Natal, um culto e o Papai Noel com muitos presentes para as crianças e varas de marmelo para as mamães. Ele batia fortemente na porta da frente da casa, fazendo os pequenos tremerem de excitação. Não sei bem o motivo, mas sempre um de nossos tios sumia nessa hora. (Contém ironia).

Todo ano ganhávamos meias, gaitas de boca, carrinhos e bonecas de plástico, alguns outros mimos dos tios e tias. Mas o presente sempre mais aguardado era aquele que tínhamos escolhido para que nos fosse dado.

Na rua Dr. Paula Xavier, esquina com a Dr. Colares, existia o paraíso dos pequeninos: Brinquedolândia. Era uma imensa loja especializada nos desejos infantis. Lá podíamos encontrar de tudo, qualquer tipo de brinquedo disponível na época. Algumas vezes éramos levados ao recinto só para olhar, diziam nossos pais. Rondávamos aqueles corredores com uma atenção redobrada para podermos encontrar aquele presente que faria nossa alegria no Natal. Sinalizávamos com vigor os nossos desejos e depois éramos retirados da loja e, não sei como, os brinquedos apareciam magicamente nas mãos do Papai Noel na véspera do Natal. (Ironia também).

Essa loja, cujo prédio ainda está com a mesma fachada e uma pintura muito semelhante, segundo minha memória, eu também a chamava de Natalândia, pois era praticamente uma vez ao ano que nos era dado o prazer de lá adentrar, justamente nas vésperas do Natal.

Depois cresci um pouco mais, descobri as descobertas do Natal, mas ainda descia do alto da Balduíno até lá, de bicicleta, adolescente, para comprar meus amados Matchbox, que ainda os coleciono. Mas sempre circulava os corredores com muita atenção. 

Adoração da Cruz

Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes , Professora de Português e Inglês, residente em Ponta Grossa.           Já escrevi c...