terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Fim de ano

Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, professora aposentada, residente em Ponta Grossa.

Publicado no Diário dos Campos em 27/12/2023.

Foi dada a largada para a corrida de dezembro! Não, não me refiro à São Silvestre, competição de rua que se realiza anualmente no Brasil, em 31 de dezembro. Refiro-me àquelas corridas insanas nas semanas que antecedem o Natal. A ânsia na busca por presentes transforma o calçadão de Ponta Grossa num formigueiro humano. Todos buscando presentes que alegrem familiares e amigos. Doce ilusão! Isto se confirma quando o comércio reserva a semana seguinte à troca do presente que não serviu ou que, principalmente, não agradou. O amigo-secreto é um caso à parte. Tem o grupo da empresa, da universidade, do Pilates, da igreja. Aí entram em cena as lembrancinhas e a caminhada se alonga até o Paraguaizinho. Ninguém fica satisfeito com o seu presente e, malgrado este fato, não entendo o porquê de repetirem essa prática que sabidamente causa mal-estar? Já notaram o sorriso amarelo de quem quer jogar o presente no momento em que abre o pacote? A corrida começa a cansar, mas ainda segue pelas lojas de decorações natalinas para ornamentar a mesa, a guirlanda da porta, a árvore iluminada...  Atualle, desce, Lojão 1,99, sobe...

E a ceia? Meu Deus!! Lista de ingredientes para prepará-la em casa, orçamentos espalhados pela mesa em busca do melhor preço caso optem por comprá-la pronta. Se for do tipo americano, onde cada família contribui com um prato e com as bebidas, às vezes há descontentamento porque um não come peru, outro não gosta de pernil, bacalhau é adorado por uns e odiado por outros. Coloco passas no arroz? Arrisco colocar maçã picadinha na maionese? E na farofa, vai azeitona ou não? Haja paciência, força e coragem! Desde a entrada até a sobremesa são as mulheres que programam e passam pelo desgaste causado por uma festa de fim de ano em casa. Aos homens cabe a facilidade de fazer um pix contribuindo na divisão de gastos e na prazerosa compra de caixas de cerveja e alcatra para o churrasco do dia seguinte. O churrasco de alcatra, nosso prato típico, é complementado pelas sobras da véspera, já requentadas algumas vezes, o popular “já te vi”. O chester é uma delas. Um presente de última hora e mais uma corridinha até o Tozetto pegar, talvez, a última garrafa de vinho Casillero del Diablo, para um primo.

Os participantes da São Silvestre correm por um troféu, mas uma corredora de dezembro só deseja um sofá onde possa descansar as pernas. E o aniversário era de quem, mesmo?

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Manquinho

Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, professora aposentada, residente em Ponta Grossa.

Postado no Portal aRede em 26/03/2024, publicado no Diário dos Campos em 20/12/2023, e no Jornal Página Um em 09/02/2024.

Desconheço criança, principalmente menino, que não goste de colher frutas do pé, de preferência em terreno alheio. É uma aventura tão deliciosa quanto as próprias frutas. Um pomar produtivo aguça a vontade de provar daquela fruta, nem que seja azeda. Os laranjais da minha infância em terrenos urbanos eram “mato” como se dizia quando se referiam à quantidade. Além de laranjas havia também ameixa, maçã, pera, araçá, goiaba em muitos quintais. A rua da minha casa era cortada por uma valeta onde corria água de um arroio e por ali só havia passagem para pedestres. O fundo daquela valeta era de saibro vermelho com o qual os meninos faziam bolinhas, colocavam ao sol para secar e usavam-nas como projéteis de seus estilingues para atingir passarinhos com os quais disputavam as frutas. O arroio nascia dentro do terreno de um senhor de meia idade que era invadido quase que diariamente pelos meninos em busca de frutas no pé. Obviamente ele detestava a invasão das crianças a seus domínios, o qual acessavam através de uma cerca de arame farpado. O terreno, com a casa da família, era em frente ao Açougue dos Carraro, na Rua Anita Garibaldi, e se estendia por dois quarteirões até a minha rua. Pelas dimensões da propriedade o dono não dava conta de enxotar os invasores pois eles se espalhavam por entre as frutíferas e, além do mais, o senhor tinha um problema na perna e mancava, daí o apelido “Manquinho”. Usava uma espingarda que dava tiros de sal nas nádegas da piazada, mas em vão, eles sempre voltavam.

Numa época de peras os meninos invadiram o terreno e o senhor soltou seus cachorros. Rápidos como um raio, dois meninos subiram numa pereira e ficaram lá até o anoitecer, pondo à prova a paciência do Manquinho. Impotentes, cães e dono se retiraram desolados.

Certamente as famílias não tinham ciência desses fatos até que os pais de um deles souberam das travessuras do filho e de seus colegas. O Manquinho se postou numa posição estratégica e agarrou um menino pela camiseta. Perguntou: - Você gosta muito de pera, certo? Então vou te dar a maior de todas. Em seguida entalou uma pera gigante na boca do piá deslocando seu maxilar. Chegando em casa, olhos arregalados, quase sem respirar, antes de uma boa bronca, a pera foi retirada aos pedacinhos com um canivete para liberar sua boca e encaixar novamente o maxilar. Proibidos pelos pais e com medo das consequências, as incursões pela dita propriedade diminuíram até cessarem definitivamente.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Carnaval imaginário

Texto de autoria de Nery Aparecido Assunção, escritor, historiador, funcionário da Prefeitura de Tibagi, diretor do Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer Júnior. 

Postado no Portal CulturAção em 12/12/2023, no Portal aRede em 06/02/2024, e publicado no Diário dos Campos em 03/01/2024.

A cidade de Tibagi repousa em silêncio no sábado à tarde, feriado de carnaval do ano de 1910, apenas pássaros a cantar e, de súbito, o trote de cavalos pelas ruas, gritos e agitação que despertam os moradores em suas residências na praça central, que perguntam curiosos:  o que está acontecendo na praça?

Senhor não ouviu falar do cantor que está na cidade, Manoel Evêncio, conhecido como “Cadete”? Dizem que ele gosta de carnaval e resolveu convidar algumas moças da cidade para desfilar em um “bonde” montado sobre uma carroça, desfile conhecido como corso, ideia que ele trouxe quando esteve no Rio de Janeiro.

Será que vai desfilar todos os dias de carnaval? Pois é!  Sei que ele organizou com ajuda de algumas pessoas, parece que até o prefeito gostou da ideia e autorizou-o a promover o desfile. Tem muita gente no desfile, carroças decoradas e mascarados a cavalo. Como você ficou sabendo do corso?  Na sessão de cinema no domingo passado.

Estamos achando que o Cadete quer promover uma grande festa aqui na cidade, que seria bom! O primeiro movimento de carnaval de Tibagi.

Pronto, acabou a paz em Tibagi! Mas, mulher, pense no lado bom: com o movimento, o comércio vai melhorar, até na pensão do Senhor Nicanor vai ter movimento de hospedagem, os garimpeiros vão gastar dinheiro na festa.

Eu imagino uma tenda de circo montada na praça, podemos participar da festa vendendo nossos quitutes.

Calma, acho melhor irem se divertir nos clubes.  Clube?  Sim, poderiam alugar algum salão e fazer a festa.

Imaginem a ideia do Cadete: colocar nossa cidade, conhecida como “Tibagi, Terra dos Diamantes”, para “cidade do carnaval”.

Mas vamos dar uma pausa na imaginação e ver o tal corso do Cadete passar com suas princesas, o cantor cantando marchinhas.

Gostei dessa ideia do corso no carnaval, imaginem um desfile com batuque, convidar o pessoal do grupo dos garimpeiros para desfilar, e a banda do senhor José Machado para desfilar junto, poderíamos encerrar o desfile no meio da praça!  Tá, entendi, na tenda do circo?  Tô imaginando a banda do Maestro Machado tocando na tenda para o povo.

Uma imaginação, a realidade não muito distante, pois a ideia do Cadete e moradores da praça se concretiza no ano de 1999, quando uma tenda de circo é montada na praça e tem início uma nova fase do carnaval de Tibagi, onde milhares de pessoas se divertem.

Cadete não imaginava a evolução do carnaval, mas eternizou seu nome na história da maior festa popular dos Campos Gerais 

Tempos Mágicos

Texto de autoria de Isabel Regina Nascimento, escritora, Policial Civil aposentada, residente em Ponta Grossa.

Postado no Portal aRede em 19/12/2023, publicado no Diário dos Campos em 13/12/2023, e no Jornal Página Um em 19/12/2023.

Nos dias em que a juventude pulsava com energia incontrolável, Ponta Grossa transformava-se em um turbilhão de emoções durante a tradicional feira agropecuária que acontecia no antigo colégio agrícola. Era um evento que despertava saudades mesmo antes de terminar, pois era encontro de gerações marcado por shows inesquecíveis, risos compartilhados e corações apaixonados.

Os shows eram o ponto alto da festa. Artistas famosos da época subiam ao palco, transformando o ambiente em um mar de euforia e música, a multidão vibrava em uníssono, perdendo-se nas melodias que ecoavam pelo ar, a juventude dançava e cantava celebrando a vida, e as lembranças desses momentos especiais ficaram gravadas na memória para sempre.

Entre amigos, as paqueras eram como borboletas flutuando no ar. Olhares furtivos e sorrisos tímidos abriam portas para histórias de amor e amizade. O parque de diversão ganhava um brilho a mais quando os grupos se aventuravam nos brinquedos, como chapéu mexicano, chicote e roda-gigante compartilhando risos nervosos e emoções à flor da pele. A cada volta e reviravolta, as amizades se fortaleciam e os laços se aprofundavam.

As rainhas da festa, elegantemente vestidas e com coroas reluzentes, eram o centro das atenções e admiradas por todos, elas representavam a beleza e a graça da cidade, personificando o orgulho ponta-grossense. A cada aceno pareciam espalhar um pouco de magia entre a multidão.

Quando as luzes da feira finalmente se apagavam, a saudade já se fazia presente. Os momentos vividos ali se transformavam em preciosas lembranças, como estrelas em céu noturno, iluminando os dias cinzentos. E, mesmo à distância, no tempo e no espaço, o espírito daqueles tempos mágicos continua nos corações, que relembram a juventude que sempre brilha no horizonte da memória.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

A música da vizinhança

Texto de autoria de Mário Francisco Oberst Pavelec, técnico em agropecuária, natural de Palmeira, residente em Ponta Grossa.

Postado no Portal aRede em 29/01/2024, publicado no Diário dos Campos em 06/12/2023, e no Jornal Página Um em 01/03/2024.

Meus vizinhos não respeitam os horários. Tem alguns que começam logo cedo, algumas vezes antes do nascer do sol, outros alongam sua cantoria até ao anoitecer. Uns são mais repetitivos, outros mais tímidos, alguns mais agressivos e outros mais mansos.

Dentre meus vizinhos, o seu João é um dos mais tímidos. Canta pouco, quase sempre é difícil distinguir suas melodias, mas é um excelente construtor. Tem várias casas no bairro, e sempre é requisitado para mais uma construção.

Já o Bem, este é um cantor e tanto. Sua voz ecoa pelas Uvaranas, já logo cedo. Potente e sonoro, seu canto é bem definido, audível e sua voz é inconfundível. Porém é um fofoqueiro contumaz, denunciando a qualquer um que passe em sua frente.

O Sr. Laranjeira, cuja voz já é mais aguda, inúmeras vezes faz dueto com o Bem, e espalham uma ópera matinal que desperta os outros vizinhos. A perfeição impera. Cantam e encantam a grande maioria. Sempre tem gente que não gosta, e fica incomodado com esta sonoridade toda bem de manhãzinha.

Tem alguns estrangeiros também, os da família Rola e da família do Professor Pardal. Estes são menos agressivos na sua potência vocal, porém sempre se fazem ouvir. Se mostram com muita frequência, durante o dia todo. Mas como são muitos, revezam com tranquilidade do amanhecer ao anoitecer.

O canto dos Curucacas, outra família que reside aqui próximo e escolhe os pontos mais altos do bairro, atravessa a sinfonia com seu grunhido grave, esganiçado, longo e repetitivo, fazendo as vezes da percussão nesta orquestra silvícola. Já vi também, nesta faina, o Sr. Tucano, que, sem vergonha, faz o contraponto aos Curucacas, sem perder o tom.

Tirivas e Canarinhos compõem esse grupo da percussão com seus sons mais agudos, como se fossem uma “segunda voz” mantendo o ritmo e a melodia. Sempre entram nos tempos exatos, recheando a música, e destacando a voz dos solistas.

Dizem que “se quiser ouvir o canto dos pássaros, não os prenda em uma gaiola, plante árvores”. Bem isso que fiz. Desde que mudamos da Vila Oficinas para o São Francisco, nas Uvaranas, produzi e plantei algumas mudas, que hoje já começam a frutificar. Romã, Pitanga, Araçá, Goiaba, Amorinha, Café, além de um Jambeiro que já existia no terreno. Estas já proporcionam sombra e atraem esses vizinhos canoros. Além disso, a florada atrai abelhas que zunem em um contínuo fundo musical, ímpar, que preenche as pausas do compasso dessa revoada.

Adoração da Cruz

Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes , Professora de Português e Inglês, residente em Ponta Grossa.           Já escrevi c...