segunda-feira, 27 de março de 2023

Vamos pegar a estrada?

Texto de autoria de Mário Francisco Oberst Pavelec, técnico em agropecuária, residente em Ponta Grossa. 

Postado no Portal aRede em 28/03/2023, e no Portal CulturAção em 23/05/2023.

No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, a rodovia PR 151, entre Palmeira e Ponta Grossa, recebeu a pavimentação e tornou-se uma artéria de grande valor, não só para os Campos Gerais, como também para o Paraná e para o Brasil.

          Lembro-me que essa pavimentação não ocorreu em uma única etapa. Começaram pavimentando até a ponte do Rio Tibagi, para que o Aeroporto Sant’Ana pudesse ser acessado com mais facilidade. Depois a pavimentação foi até a ponte do Rio Caniú, na divisa entre Palmeira e Ponta Grossa. Somente depois de consolidados esses trechos, o asfalto chegou até Palmeira.

          Logo após o Colégio Agrícola de Palmeira, arraigado às margens da rodovia desde os tempos de Getúlio Vargas, o Benfica (nome muito sugestivo) surge humilde com sua Capela do Divino Espírito Santo, juntamente com suas casas e seu ar bucólico, delicioso e relaxante. Para quem não sabe, pouco antes do Lago, podemos descer até o vale do Rio Tibagi, onde, bem próximo à linha do trem, os pesqueiros são bem visitados.

          O Lago se tornou famoso no Brasil, pois é um Lago que não tem lago. A comunidade, em sua maioria poloneses, mas com muitos alemães e alguns japoneses, é pujante e toma um tempo delicioso na passagem pelo seu meio. A Igreja da Nossa Senhora do Lago é um patrimônio arquitetônico que merece uma atenção especial. Descemos até o Rio Caniú, e estamos no município de Ponta Grossa.

          Na subida, à direita, temos o acesso à Comunidade do Santa Cruz, a colônia dos Russos. Confesso que poucas vezes fui até lá, e poucos contatos com os russos eu tive, mas muitas histórias me foram contadas. Em outra crônica, talvez traga algumas.

          Um dos locais mais emblemáticos nesse caminho é a Colônia Sutil. Composta de Quilombolas, a colônia dos Pretos, como eu ouvia quando criança, se mostra pouco na beira na rodovia, mas ocupa um importante espaço nas terras ponta-grossenses, não somente físico, mas também cultural. Muitos estudos, muita pesquisa por parte da UEPG, conta essa história detalhadamente, e mostra que os Campos Gerais também foram construídos pelo sangue negro, que se encontra semeado nas entranhas de nossas terras, pelos chicotes dos feitores.

          Contrastando de forma nada sutil, o Ponta Grossa Golf Club também está inserido nesse caminho.

          Chegamos aos areais do Rio Tibagi, passamos a cabeceira da pista do aeroporto e somos recepcionados no Cará-Cará.

          Não tenho ideia de quantas vezes passei por esse caminho, mas creio ser capaz de passar por ele de olhos fechados.

          Boa viagem.

segunda-feira, 20 de março de 2023

Noite tumultuada

Texto de autoria de Dalton Paulo Kossoski, auxiliar de bibliotecário e contador de histórias na Biblioteca Municipal de Ponta Grossa.

Postado no Portal aRede em 21/03/2023, no Portal CulturAção em 11/07/2023, e publicado no Diário dos Campos em 03/05/2023.

          22 de dezembro de 2022, 19:30. O passeio podia ter ocorrido normalmente e o endereço, encontrado com facilidade, mas não foi bem assim. A viagem começou tranquila, nós conversando com o motorista sobre assuntos do cotidiano e a programação da TV:

“Tá assistindo o Maick, o cantor de Ponta Grossa, no Faustão na Band? É um cantor muito bom! Tá na final já...”

“Não. Eu trabalho o dia todo, nem dá tempo de assistir TV, nem sabia que o Faustão tava na Band agora...”

O carro atravessando as ruas de Ponta Grossa e a gente papeando numa boa. Até que o negócio ficou estranho. Chegar numa rua à noite, no breu total, não é a mesma coisa que de dia.

“Moço! A rua Fagundes Varela é essa mas o número 699 é mais pra cima! Aqui já é dois mil e pouco!” – a mãe dizia, nervosa. “Dalton, ajude a ver os números das casas!”

Mas como enxergar na quase total escuridão? Nós três perdidos: o motorista, a mãe e eu. O GPS do motorista apontava:

“Ó! Tá mostrando que a corrida acaba aqui (no número 2652). E a gente não passou por nenhum 699. Acho que esse número não existe hein...”

Como “não existe”? Nós já tínhamos visitado o Danilo outras vezes!

Depois de muito rodar procurando, o fim da picada aconteceu quando o cara falou:

“Outra cliente chamando, eu vou deixar vocês aqui! A corrida acabou!”

Encostou o carro no meio-fio. Um matagal, sem casa à vista nem ninguém para quem pudéssemos pedir ajuda. A mãe soltou a cartada final:

“Você vai me largar aqui com um filho que não anda sozinho???!!!”

Ah! Aquilo “quebrou as pernas” do rapaz. Ao ouvir aquela frase, ele pôs a mão na consciência e algo mexeu dentro dele.

”Só não deixo vocês aqui porque são gente boa!”

Mais um pouco rodando, naquele clima tenso que se instalou entre nós, o motorista achou o número certo. Foi preciso muito empenho, algumas “puxadas de orelha” da parte do Danilo (que ligou para saber da nossa localização) pra cima do pobre rapaz, que só estava seguindo as instruções de uma inteligência artificial doida e os xingos da outra cliente que esperava um carro que nunca vinha.

O motorista se desculpou, disse que o aparelho nunca havia falhado.

Nos encontramos com os amigos para comemorar o aniversário da pequena Mel. Ao entrar na casa, a mãe pediu um copo d’água para acalmar os nervos.

No fim dessa desventura, deu tudo certo.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Havia um lobisomem

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa.

Postado no Portal aRede em 15/03/2023, e no Portal CulturAção em 25/04/2023.

Isso de diagnosticar lobisomem é coisa muito complicada, ciência cheia de requintes e sutilezas que ultrapassam largamente as luzes daqueles que nasceram por mão de médico, não de parteira, e que tendo adquirido seus conhecimentos em livros acham que sabem alguma coisa, mas fonte segura me relatou que existia um nos Campos Gerais, há tempos.

O sujeito não era irmão temporão de sete irmãs, fato talvez denunciativo de que era lobisomem de qualidade inferior, espécie de ovelha negra na família dos lupinos, mas lobisomem mesmo assim, useiro e vezeiro nas artes de uivar para a lua. Assim diziam os Munícipes, talvez prevenidos contra a circunstância de ser ele um celibatário já bem madurão, eremita contumaz e andasse todo empertigado pelas ruas, sem distribuir ou receber os cumprimentos que são o pedágio dessas localidades em que todos se conhecem por você.

Ninguém havia ainda se aventurado a tratar com ele do assunto delicado - isto é, o ser lobisomem -, e existia até mesmo uma vizinha que, menos por querer lhe prestar algum auxílio - se é que auxílio há pra situações tais - do que por pura matreirice, nutria o desejo de abordá-lo numa oportunidade qualquer e, com muito tato, insinuar o tema. Infelizmente, o homem-lobo não abria a guarda e foi ficando por isso mesmo.

Passaram anos e o dono da venda local - aliás, filho desta vizinha - no momento de cobrar do ermitão os mantimentos que ele comprava em datas incertas, encheu-se de si e resolveu quebrar de repelão o tabu: "é você que é o lobisomem?" - o sujeito assustou-se, desacostumado como estava ao ato de interagir face a face, e abriu para ele uns olhos enormes, farol alto mesmo, externalizando um pavor que só estimulou mais o outro: "dizem que você que é o lobisomem, hein, fala, lobisomem".

Arrependeu-se; a lua cheia seguinte foi a pior de sua vida de vendeiro. A madrugada toda, um cão enorme e vingativo rondou sua casa rosnando fundo e grosso, espalhando pelo vento uivos infernais. Com suas garras, abria nas paredes e no teto sulcos por onde enfiava presas imensas; seu bafo sulfuroso fez murcharem as plantas. As galinhas que predou foram em quantidade que nem se conta e suas pegadas derreteram o cimento da calçada.

Porém, mudanças. A partir da manhã seguinte, o eremita deixou de sê-lo. Vestiu-se de roupas claras, falou alto e aberto com os vizinhos, parece até que formou família. O monstro, por seu turno, jamais voltou. Ninguém entendeu ou quis entender. Diagnóstico de lobisomem é complicado mesmo.

segunda-feira, 6 de março de 2023

A saga tecnológica de um professor na pandemia

Texto de autoria de Jeferson do Nascimento Machado, professor da rede pública, historiador, residente em São João do Triunfo.

Postado no Portal aRede em 07/03/2023, no Portal CulturAção em 06/05/2023, e publicado no Diário dos Campos em 12/04/2023.

Estávamos em 2020 quando a pandemia passou a assolar os brasileiros. Todos tivemos que nos adaptar à nova e trágica realidade… e foi assim que passamos para aquele novo jeito de viver e trabalhar… ah, e os professores não ficaram fora disso.

Escolas fechadas: trabalho homeoffice, Classroom, Google Meet, gameficação, etc. Para a maioria, palavras novas, mas não só isso: uma verdadeira reviravolta na maneira de ensinar. Os professores mais jovens adaptaram-se mais rapidamente; porém os que já tinham longa estrada, tendo como ferramentas de ensino o conhecimento, livros e giz, sofreram ainda mais.

Muitos sequer tinham computador. Aqueles que tinham, a internet era extremamente ruim, oscilando a todo momento. Agora, reflita sobre o ponto de vista dos estudantes, a maioria pobre, sem tecnologia alguma. Muitos tiveram que estudar por apostilas, sem mediação dos professores… isso, para o professor, se resumia em uma dupla jornada: aulas remotas e apostilas.

E assim foi, neste cenário, que nosso protagonista teve que lidar. Viu-se diante de um complexo desafio. Ficou ante um mar de programas e aplicativos de que nunca tinha ouvido falar antes. E os estudantes? Ah, que teste de paciência. Alguns simplesmente desapareciam das aulas virtuais, outros ativavam o modo "mudo" e dormiam… pior, outros compartilhavam memes na Meet do professor.

Mas nosso professor era persistente. Logo criou um grupo no WhatsApp para sua classe. E ali compartilhava piadas e memes para aliviar. Ah, e não é que funcionou? Os alunos começaram a interagir mais durante as aulas…

Mas vou te contar, a maior dificuldade do professor eram as aulas remotas. Ele ficava ali, olhando para a câmera, parecendo um ator da novela das oito. Ele tentava ser o mais natural, entretanto sempre apertava algum botão errado… ah, e os alunos riam. Parecia que tinha voltado à infância e estava conhecendo um brinquedo novo.

Mas o tempo passou e ele foi pegando o jeito. Logo já compartilhava tela, usava a lousa virtual e… até mesmo aprendeu a desativar o som dos alunos que insistiam em falar ao mesmo tempo. E foi assim que o professor se tornou um "ninja" da tecnologia.

Porém, a verdade seja dita: apesar de todo o esforço, nosso professor ainda teve que trabalhar mais e continuar ganhando pouco. Mas ele nunca perdeu a alegria e a disposição de ensinar. Essa pandemia nos ensinou que, mesmo em momentos de dificuldade, podemos nos adaptar e superar os obstáculos, desde que tenhamos um pouco de paciência.

Esqueci o meu idioma!

Texto de autoria de  Márcia Derbli Schafranski , professora universitária aposentada, Especialista e Mestre em Educação pela UEPG e Suficien...