segunda-feira, 26 de junho de 2023

Um amor de antigamente

Texto de autoria de Mário Francisco Oberst Pavelec, técnico em agropecuária, natural de Palmeira, residente em Ponta Grossa.

Publicado no Diário dos Campos em 29/06/2023.

Início da década de 1930. Mundo em crise econômica. Um automóvel chega em Ponta Grossa com dois homens. Fato raro que chama a atenção. Rudholf, ou Rudo, como ficou conhecido, um alemão, grandalhão, meio rude, vestia uma calça de linho marrom, suspensórios e um camisetão sem golas, branco, meio empoeirado. Bernard, francês, parecia culto, refinado, dominava o português e o alemão, trajava um conjunto em linho azul-claro, os tradicionais suspensórios, camisa branca e um Panamá que parecia novo.

Buscaram uma casa grande, não central. Rudo montou em um galpão, fundos, uma marcenaria. Móveis em madeira, aproveitando-se das imbuias e pinheiros, ainda fartos na região. Bernard monta seu estabelecimento. Primorosamente cortava os cabelos de senhoras e alguns poucos senhores.

Logo suas habilidades foram reconhecidas. À boca miúda, sua fama se espalha. Algumas madames, “baroas” e coronelas rendem-se aos seus talentos. Rudo não tem o mesmo sucesso. Poucos móveis, alguns consertos, mas muito tempo livre. O bar lhe é um recanto.

Bernard trabalha até tarde, cuida da casa. A cerveja destrava a língua de Rudo. Ambos sobreviveram à grande guerra. Alemães contra franceses. Agora meu amigo é francês. A Alemanha se reerguerá. Um novo Reich. Rudo resmunga muito em alemão, poucos entendem.

Será que é? Certeza, amiga! Mas e o alemão? Também. As senhoras e também alguns senhores comentam pela cidade. Escândalo. Mas os dotes de Bernard lhes mantêm o sustento.

Um jovem, família abastada, vai cortar cabelo com Bernard. A conversa engata. A frequência aumenta. Fica diária. Conversas longas e filosóficas. Rudo não tem paciência para isso. Não gosta de ler, só conversa movido à cerveja. Bar.

Chega tarde. O jovem ainda está em sua casa. Na casa de Bernard. Não fala nada. Vai dormir.

Na manhã seguinte, Bernard não abre o estabelecimento. A marcenaria também não barulha. Na outra manhã permanece fechada. As clientes ficam preocupadas. O jovem também.

Seu delegado, tem que ir lá, acho que aconteceu algo. Os policiais vão direto aos fundos. O corpo de Rudo pende em uma viga do galpão. Uma cadeira tombada. Coisa de alemão. Na casa, Bernard estava encolhido na cozinha. Um formão ensanguentado ao lado. Parece um assassinato. Passional, acrescentou o delegado com um breve sorriso de canto de boca.

O jovem foi morar na Capital. Estudar. Vez por outra é visto na cidade, trajando um conjunto de linho azul-claro, camisa branca, suspensórios e um Panamá parecendo novo.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Jogo do Operário

Texto de autoria de Francielly da Rosa, graduada em Letras Português/Inglês e mestranda em Estudos da Linguagem pela UEPG, residente em Ponta Grossa. 

Postado no Portal CulturAção em 20/06/2023 e no Portal D'Ponta News em 26/06/2023.

Lá na casa do Seu Augusto, o rádio está ligado. É dia de jogo. Apesar disso, ele conserva em si um semblante soturno. Bom mesmo era o seu antigo rádio, pensava ele. Ele ainda se lembra dos dias dourados em que podia ouvir o som ecoando do antigo aparelho de madeira num estilo retrô, mas os filhos insistiram em presenteá-lo com um novo, mais moderno. Bobos! Não entendem nada!

Dia normal para uns, dia de alegria para outros. Cada qual à sua maneira vai se preparando. Lá na casa da Dona Lourdes, os santos estão de ponta-cabeça. Em sua fé e sabedoria, ela garante que o mesmo que funciona para matrimônios também funcionou para garantir a tão esperada vitória em jogos de anos anteriores. Na torcida do estádio, outro torcedor registra o momento em imagem, garantindo a foto da sorte! Mas bom mesmo é ver a preparação para o jogo lá na casa do Seu Augusto!

Em dia de jogo do Operário Ferroviário, a rotina é sagrada. Após o banho matinal, ele penteia com cuidado os cabelos em frente ao espelho, depois apara os pelos do bigode, olha os dentes e confere o cabelo uma última vez. Ao se vestir, prefere sempre a camisa branca e, por isso, faz questão de deixá-la pronta no dia anterior. Em seguida, prepara o café, coloca o pequeno rádio preto na bancada da cozinha, senta e aguarda, enquanto aprecia silenciosamente o café amargo e quente.

Os filhos sempre reclamam da ritualística exagerada, mas quem é que pode mudar os costumes tão arraigados de Augusto?!

O jogo começa, ele senta no banquinho de madeira, aproxima o rádio dos ouvidos, não quer perder nada. A ansiedade traz suor às mãos, que ele esfrega frequentemente na calça. Tira do bolso da camisa um lenço branco, limpa o suor da testa e dos bigodes, guarda. Logo os gritos anunciam o gol tão esperado e Seu Augusto vibra, emocionado. Os netos contemplam extasiados a agitação e felicidade do avô, os filhos se preocupam com o coração, afinal, ele já tem oitenta e sete anos. Outro gol. Seu Augusto sorri, olha para a família, volta a sorrir, ergue os braços e aponta para cima, abaixa a cabeça e fecha os olhos, depois junta as mãos sobre o peito, traz a mão direita aos lábios, beija-a. Um acesso de tosse interrompe sua comemoração, a família se preocupa, olhando com apreensão num olhar de advertência, ele sorri em resposta, até que um dos netos lhe diz:

- Vô, cuidado com o coração! Senão vai morrer de felicidade! E se o vô morrer?

-  Ah, fio, se o vô morrer, espero que tenha rádio lá no céu pro vô escutar o jogo do Operário!

Bandas e tocatas

Texto de autoria de Nery Aparecido Assunção, escritor, historiador, funcionário da Prefeitura de Tibagi, diretor do Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer Júnior. 

Postado no Portal aRede em 20/06/2023.

As bandas do interior hoje estão raras, poucas cidades ainda mantêm a arte da musicalidade tão antiga (!). Geralmente, as bandas eram formadas por músicos que herdavam o talento de seus ancestrais, em épocas passadas com uma média de 14 músicos, que tocavam em seus belos coretos.

O uniforme dos músicos era terno, sempre destacando o maestro com uma indumentária diferente. Para o início da musicalidade, o aprendiz teria que estudar a famosa cartilha Bona, além do estudo sobre a teoria musical, pautas ou pentagramas!

O sonhado instrumento, que seja de palheta, bocal ou percussão, compartilhando as primeiras notas musicais era uma alegria, geralmente acompanhada na tentativa de tirar uma música de ouvido. Pasmem vocês a emoção de tocar junto de músicos tarimbados, olha a pausa (!!!). Tocar em retretas, inaugurações de obras realizadas pelos prefeitos, no repertório o Hino Nacional, que elevem as bandeiras!!!

Tocar na saída da missa dominical, executando belos dobrados, valsas, sambas com sustenidos e bemóis, com o público sempre a observar quem estava tocando determinado instrumento. Nas alvoradas festivas, o silêncio da manhã na cidade era quebrado por um dobrado, vai ter quermesse no povoado, alguém gritava:  La vem a metalama!

Bandas musicais são verdadeiros tesouros, quebra cabeça onde cada melodia é executada com seus acordes. Mas com a tecnologia de hoje, os músicos ainda querem tocar na banda?  Uma pausa pelo caminho (...).

Na pandemia da covid, as bandas se reuniam por meio de vídeo, olha aí a tecnologia ajudando, onde formava o clipe do trecho musical de cada executante.  O som do bombardino, melodia do saxofone, na marcação do baixo tuba, trinado do clarinete e flautim, calibre grosso dos trombones, o pulmão da banda nos trompetes, enfim, deixar de bater o prato num compasso seria como cair os braços do regente, que o diga o maestro Cleverson Assunção (!).

Desçam a avenida, quero ver o desfile da banda de Tibagi   tocando dobrado e marchando, ouvir o som do bombardino! O saudoso Doutor Zezito e Alencar Santos (Nozinho) falavam essa frase: “Uma cidade sem banda é como se fosse um jardim sem flores!”


segunda-feira, 12 de junho de 2023

A arte da cantaria dos alemães do Volga

Texto de autoria de Rogério Geraldo Lima, empresário, redator e radialista, residente em Palmeira.

Postado no Portal TánoTipo em 19/07/2023, e publicado no Diário dos Campos em 14/06/2023.

Sempre que passo pela BR 277 e vejo a antiga ponte sobre o rio dos Papagaios, no Recanto Francisco Monteiro Tourinho, vem a mente o engenho e arte dos imigrantes alemães do Volga, que chegaram ao Brasil no final do século 19. O trabalho de dar forma a pedras para utilizá-las em construções é algo encantadoramente fascinante. A ponte sobre o rio dos Papagaios é o mais conhecido exemplo desta arte, mas há outro monumento destes, em escala menor, que é a ponte sobre o rio Monjolo, na rua 15 de Novembro, no centro de Palmeira.

Enquanto a mais famosa das pontes de pedra de Palmeira tem dois arcos, a do rio Monjolo tem apenas um, que se ergue a cinco metros acima do nível do rio. Ela foi construída em 1879, conforme denúncia a inscrição da data gravada na pedra central do arco para quem olha da bucólica e quase abandonada Praça do Chafariz.

As duas pontes atendiam, à época da construção, no final da antepenúltima década do século 19, o crescente tráfego de veículos à tração animal que utilizavam a Estrada do Mato Grosso, a ligação entre Curitiba e Castro, que passava por dentro da então Villa da Palmeira.

Relata o historiador Astrogildo de Freitas, em seu livro Palmeira: reminiscências e tradições, publicado em 1984, “a semelhança entre as duas obras de arte, a dos Papagaios e a do Monjolo, não só na aparência, mas ainda na segurança, na técnica de construção e no material empregado, nos leva a crer que foram os mesmos canteiros e pedreiros que prepararam o material utilizado e executaram os serviços de construção de ambas as obras”.

A história nos conta que, em setembro de 1878, um grande número de imigrantes alemães, que saíram da região do rio Volga, na Rússia, com destino ao Brasil, chegou a Palmeira. Como eram muitos, foram divididos em núcleos ou colônias, segundo a religião que professavam. Assim, os católicos ocuparam as terras dos núcleos do Pugas, do Lago e de Santa Quitéria, enquanto os luteranos foram destinados para as áreas das colônias de Quero-Quero e de Papagaios Novos.

Todos aqueles imigrantes que aqui chegaram, já passaram e deixaram descendentes. Porém, as robustas e engenhosas construções em pedra permanecem e resistem, há quase um século e meio, como marcas concretas da arte da cantaria dominada com maestria e ferramentas rústicas por aqueles homens de mãos e braços fortes e corações cheios de sonhos.

Mico, Micão, me ensine uma lição!

Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes, Professora de Português e Inglês, residente em Ponta Grossa.

Postado no Portal aRede em 13/06/2023.

Eu falo sozinha, ou melhor, com meus botões e com os botões do computador, às vezes, geralmente xingando a mim mesma. Fui interrompida pelas vizinhas “se matando” de rir, e já imaginei que riam de mim, pois, naquele momento, eu estava pagando um miquinho com um software mais avançadinho que o word basiquinho. Mas não. Uma delas resvalou no piso ensaboado do terraço, e foi ao chão, e a outra saiu à varanda, para ver se ela estava bem. Eu só ouvi os risos, mas logo percebi, pelo bumbum molhado da moça, que se tratava de um mico que perdi a oportunidade de presenciar. Paciência. Restava rir junto, pois, felizmente, nada pior do que um mico havia acontecido.

A verdade sobre micos, é que, normalmente, são vexames de que apenas a pessoa micada não acha graça. Com exceção das quedas. Lembro-me da vez em que aprendi uma grande lição de uma queda. Eu tinha horror a mico, cada vez que pagava um, sofria terrivelmente por anos (bem..., talvez meses). Vamos ao mico: meu primeiro emprego no comércio foi nas Casas Blanc, uma tradicional loja de móveis de Ponta Grossa, que o século passado enterrou, como a tantas outras casas tradicionais da cidade: HM (Hermes Macedo), João Vargas de Oliveira, Reunidas, Magazin Ricardo Kossatz, e outras. Lá, eu ouvi falar, pela primeira vez, em fechamento de caixa, contabilidade, e... processamento de dados! Sim, nos idos anos 70, a Blanc enviava dados para serem processados em uma empresa de Londrina. E quem escrevia os dados manualmente em uma planilha (não me perguntem por que não eram datilografados) para serem remetidos para essa empresa que fazia leitura ótica da minha letrinha? Euzinha! Isso, depois de haver pagado alguns tantos miquinhos por lá, que até hoje não revelo. Mas foi com uma queda da enorme escada que levava ao segundo andar, onde ficava o setor administrativo, que eu aprendi de um mico minha primeira lição. Eu estava sozinha quando escorreguei de um dos mais altos degraus, e, de um por um, meu bumbum conheceu a dureza. Eu ria, e o riso impedia qualquer tentativa de parar de escorregar, até que estacionei em um patamar, no meio da escada. Debruçados no guarda corpo, no alto, vi o esquadrão todo de funcionários que ouvira o barulho, todos pasmos, porque eu, sentada no patamar, estava morrendo... de rir. A mais valiosa lição dos micos é: RIA deles. Quando rimos dos próprios micos, os outros não riem, porque não está servido numa bandeja o motivo para rirem, que é aquela cara de vítima destroçada.

segunda-feira, 5 de junho de 2023

Pitangui dos Originários

Texto de autoria de Bianca Lourenço Caputo, acadêmica de Serviço Social da UEPG, residente em Ponta Grossa.

Postado no Portal aRede em 06/06/2023 e no Portal TánoTipo em 12/07/2023.

Em tempos ermos, onde florestas de araucárias fechavam fronteiras, abraçadas umas às outras através de suas copas frondosas, quando a terra era quase silenciosa e o vento ditava as regras, o tilintar das águas do rio dentre as pedras talhadas chamava a atenção das aves que descansavam nas redondezas. As sombras das nuvens desenhavam o chão em formatos variados, cobrindo aqui e ali parte das águas correntes. Não era "um rio", mas sim "O Rio". Rio dos povos originários, contemplado e batizado por indígenas filhos da terra, filhos da certeza. Rio de fertilidade, que carregava em suas águas o vermelho da vida, da liberdade, dos frutos que alimentavam solos sagrados. Rio que, ainda hoje, traz no nome a pureza da contradição, imerso em extratos e purificação. Ali, submerso em sua correnteza, alimentado por suas nascentes e desaguando em forma de vida cristalina em algum mar não tão distante, está o frondoso Pitangui. Nada o silencia, pois é resoluto. Nada o amedronta, pois é a coragem personificada em forma de natureza, trazendo em suas entranhas a essência indígena da ancestralidade. Nada o limita, pois seus filhos são filhos da mãe terra em sua mais rica essência, a essência da contemplação esverdeada que, por ora vermelha, brilha sob a luz do sol de verão. 

Pitangui, pai dos Guarani, é em si o próprio porto e o próprio desaguar. Começo, meio, mas nunca fim, pois faz em si sua morada.

Desde muito suas margens são acompanhadas de fé, envoltas pela energia da natureza e pelos cânticos daqueles que outrora protegeram as raízes. As raízes das plantas e as raízes de suas origens.  

Ali, às margens do Pitangui, os Guarani deixaram suas pegadas, memórias e lembranças. Banhados ao rio construíram história e futuro. Futuro em nome dos povos originários que do Rio fizeram mais que sua terra, fizeram sua essência.

Vida vermelha, vermelha como as águas cheias de lembranças. Rio Pitangui, protetor da história, ainda carrega em seus braços as correntezas e vozes da sabedoria.

Adoração da Cruz

Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes , Professora de Português e Inglês, residente em Ponta Grossa.           Já escrevi c...