Texto de autoria de Francielly da Rosa, graduada em Letras Português/Inglês e mestranda em Estudos da Linguagem pela UEPG, residente em Ponta Grossa.
Lá na casa do Seu
Augusto, o rádio está ligado. É dia de jogo. Apesar disso, ele conserva em si
um semblante soturno. Bom mesmo era o seu antigo rádio, pensava ele. Ele ainda
se lembra dos dias dourados em que podia ouvir o som ecoando do antigo aparelho
de madeira num estilo retrô, mas os filhos insistiram em presenteá-lo com um
novo, mais moderno. Bobos! Não entendem nada!
Dia normal para uns, dia
de alegria para outros. Cada qual à sua maneira vai se preparando. Lá na casa
da Dona Lourdes, os santos estão de ponta-cabeça. Em sua fé e sabedoria, ela
garante que o mesmo que funciona para matrimônios também funcionou para
garantir a tão esperada vitória em jogos de anos anteriores. Na torcida do
estádio, outro torcedor registra o momento em imagem, garantindo a foto da
sorte! Mas bom mesmo é ver a preparação para o jogo lá na casa do Seu Augusto!
Em dia de jogo do
Operário Ferroviário, a rotina é sagrada. Após o banho matinal, ele penteia com
cuidado os cabelos em frente ao espelho, depois apara os pelos do bigode, olha
os dentes e confere o cabelo uma última vez. Ao se vestir, prefere sempre a
camisa branca e, por isso, faz questão de deixá-la pronta no dia anterior. Em
seguida, prepara o café, coloca o pequeno rádio preto na bancada da cozinha,
senta e aguarda, enquanto aprecia silenciosamente o café amargo e quente.
Os filhos sempre reclamam
da ritualística exagerada, mas quem é que pode mudar os costumes tão arraigados
de Augusto?!
O jogo começa, ele senta
no banquinho de madeira, aproxima o rádio dos ouvidos, não quer perder nada. A
ansiedade traz suor às mãos, que ele esfrega frequentemente na calça. Tira do
bolso da camisa um lenço branco, limpa o suor da testa e dos bigodes, guarda.
Logo os gritos anunciam o gol tão esperado e Seu Augusto vibra, emocionado. Os
netos contemplam extasiados a agitação e felicidade do avô, os filhos se
preocupam com o coração, afinal, ele já tem oitenta e sete anos. Outro gol. Seu
Augusto sorri, olha para a família, volta a sorrir, ergue os braços e aponta
para cima, abaixa a cabeça e fecha os olhos, depois junta as mãos sobre o
peito, traz a mão direita aos lábios, beija-a. Um acesso de tosse interrompe
sua comemoração, a família se preocupa, olhando com apreensão num olhar de
advertência, ele sorri em resposta, até que um dos netos lhe diz:
- Vô,
cuidado com o coração! Senão vai morrer de felicidade! E se o vô morrer?
- Ah,
fio, se o vô morrer, espero que tenha rádio lá no céu pro vô escutar o jogo do
Operário!
Legal demais! Rádio no céu! O Fantasma tem uma grande responsabilidade, pois torcedor fanático e fiel tem bastante!
ResponderExcluirSeu Augusto o Fantasma do Operário!
ExcluirObrigada, Rosicler 🌷😊 Tem muitos torcedores mesmo!
ExcluirFantástica escrita! Os "velhos" e "novos" hábitos convivendo na passagem do tempo. Ressalte-se o "humor" finalizando a crônica.
ResponderExcluirALFREDO MOURÃO
Obrigada, Alfredo Mourao
ExcluirLindo, lindo, lindo!!!
ResponderExcluir😊🌷Obrigada
ExcluirOuvir a narração de uma partida de futebol pelo rádio é uma lembrança do passado, tão viva na tua narrativa. Gostei muito, Fran!
ResponderExcluirObrigada, Sueli! 🌷
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