segunda-feira, 27 de julho de 2020

Andanças

Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, Professora aposentada, Ponta Grossa.
Postado no Portal aRede em 02/09/2020, lido na CBN Ponta Grossa em 30/09/2020 e no Blog Mareli Martins em 23/09/2022.
Era compulsório. Juntar as tralhas e seguir o chefe da família. Uma empreitada para jovens. Na bagagem, sonhos e esperanças. Um filho no colo e outro na barriga. Em pé, na carroceria do caminhão, o cachorro em cima de tudo, sem saber de nada. Fazia pose de quem acabou de ganhar o cinturão de peso-pesado.
Às vezes penso que os animais são mais privilegiados que os seres humanos. Seguem o dono sem saber o destino, porém têm cama, mesa e banho gratuitos. O cachorro Waldick não era adepto do banho. Sempre fugia da água como um gato. Um pratão de polenta com sobras de carne era bem melhor aceito.
Foram parar em Castro, a terceira cidade mais antiga do Paraná, um caminho de passagem dos tropeiros que cruzavam o Brasil colonial. Com seus alicerces fincados no tropeirismo, ali ainda flutuava a energia deixada por aqueles pioneiros. Uma bela cidade antiga, hospitaleira, casario do século XVIII, a Igreja Matriz construída por escravos, o Museu do tropeiro com respeitável acervo histórico. Capital do Paraná por três meses. Nascida às margens do Rio Iapó, próximo do “vau”, um trecho menos profundo onde era possível atravessá-lo montado a cavalo. O escritor princesino Ribas Silveira mencionou em um poema: “O vau do Xapecó é tôrva corredeira/ tendo de um lado o poço e doutro uma cachoeira/ quem passa por ali enfrenta a guilhotina/ é preciso seguir as curvas do penhasco/ para não rolar no abismo e virar churrasco/ à lontras, suruvis e aves de rapina.”
      Decidiram viver numa casa em frente à Estação Ferroviária... Que decisão corajosa!  O barulho provocado diuturnamente pela ferrovia, entretanto, não interferiu em que o menino nascesse saudável e calmo.
De dia viam-se aquelas máquinas vermelhas puxando muitos vagões que pareciam uma serpente de metal resfolegando e deslizando pelos trilhos. À noite recebiam a visita infalível de muitos representantes da figura símbolo de Castro: os sapos. Seres inofensivos, porém de aparência amedrontadora. As galinhas espalharam-se pelo capinzal e por lá se multiplicavam como coelhos. Frango e ovos eram fartos na mesa da família.
A prainha refrescava os domingos calorentos.
Vida pacata de cidade interiorana, vizinhança solidária e amistosa. A ameixeira carregada de frutos amarelos fazia sombra para a rede na varanda. Tudo isso tinha sabor de paz, de tranquilidade, mesmo ousando conviver com os ruídos, em frente à Estação Ferroviária.

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Viajando Pelos Campos Gerais – Carambeí é logo ali...


Texto de autoria de Antonio Marques de Castro, Agente Administrativo da Prefeitura de Telêmaco Borba.

Publicado no Correio Carambeiense em 25/07/2020 e no Diário dos Campos em 28/07/2020, postado no Portal aRede em 26/08/2020, lida na CBN Ponta Grossa em 23/09/2020.

Cara caramba, cara caraô, cara caramba, cara caraô, vem viver o verão, vem curtir “Salvadô”. Cantara-o Bel Marques; a letra dos “Marques da Silva”. Cara caramba Carambeí, cara caramba Carambeí, Carambeí é logo ali. Explaná-los-ei, eu (Antonio Marques), não só mais um Marques “da Silva”. Mas, um Marques apaixonado pela cultura holandesa latente. Assim, dizê-los-ei, vem curtir Carambeí, independente da estação, vem curtir um dos maiores museus a céu aberto do Brasil; vem curtir simplesmente.
Na minha infância/adolescência, um dia pensei em trabalhar/morar/residir, viver em Carambeí. Mesmo relutante em relação ao frio que faz ali – durante o inverno. Sou bastante friorento. Tentei (à época) uma vaga na “Central” (como falávamos) da Batavo. Mais de um currículo preenchi, mas não consegui; fui preterido. Independente de obtermos sucesso ou não, para tudo que desejemos, o importante é que tentemos. Eu tentei o então pretendido.
A vontade de morar em Carambeí ficou no passado; mas, por ali tenho sempre passado. Visito, quando posso, o lindo museu já citado; pelos moinhos fico maravilhado.
E aquela beleza da torta holandesa me deixa “tentado”. Difícil resistir ao descaminho, quando enxergo aquele “Moinho”, logo à beira do caminho; encosto às margens da estrada para dar uma descansada – e curtir um cafezinho.
Paremos para pensar: Se Carambeí em tupi-guarani significa “rio das tartarugas”, para que a pressa? Só para criarmos rugas?
Deixe de estuga, dá um pulinho em Catanduvas. Visite a Capela Imaculada Conceição, aprecie seu estilo colonial barroco, que abriga a Nossa Senhora de mesmo nome. Já andei por aqueles lados, indo inclusive até o Alagado.
Do outro lado, seguindo pela Avenida dos Pioneiros, chega-se ao incrível Parque Histórico de Carambeí. É logo ali. Mais incrível ainda é como aquele povo é hospitaleiro. Se tiver de passagem por essas bandas, não deixe de visitar, realmente incrível aquele lugar.
Tem gastronomia, museu do trator, várias exposições durante o ano. É de se entusiasmar, tem até um site para você visitar; para que possas apreciar.
Depois, obviamente, assim que puder, não deixe de visitar presencialmente a beleza desse lugar, que é um verdadeiro “altar” da história da colonização holandesa; venha se vislumbrar.
Vou seguir caminho. Campos Gerais é muito mais...
Mas, não sem antes reforçar: visite Carambeí! É logo ali...

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Lima Barreto no freestyle


Texto de autoria de Juliano Lima Schualtz, estudante de História da UEPG, Ponta Grossa.

Publicado na Folha Paranaense em 12/08/2020, lido na CBN Ponta Grossa em 08/09/2020, postado no Portal aRede em 07/10/2020.

Do lado direito da mesa, um livro sobre o escritor Lima Barreto descansa de forma horizontal. Na capa, sua face ilustrada com tons terrosos, com tons de canela, com tons de azeitona. Possui cabelos labirínticos, olhos borocoxôs e pálpebras vexadas. Esse rosto tristonho, mas amotinado: interroga-me. Como se tivesse um ralador engasgado na garganta e suas palavras não passassem do mais puro sangue misturado com parati. A pintura empalhada em uma capa, em um livro pousado na mesa de um casebre, em um bairro pobre no interior do Paraná, enquanto toca rap no celular, em pleno período pandêmico, convida-me a descamar-me, migrar-me, exilar-me, despossuir-me. É a leitura e literatura como alteridade radical, paradoxalmente, produzindo um reconhecimento comum.
Para esse Ogum encarnado que alçava voos nos escombros da modernidade republicana; conjurando corpos febris, corpos dilatados por cassetetes policiais, corpos espremidos na ponta dos coturnos, corpos marcados pelo olhar colonizador, corpos vitimados pelas pandemias da época e obrigados violentamente a serem vacinados para protegerem a saúde dos ricos, corpos que constituem a Bruzundanga e constantemente são despejados. Mas, o nosso representante das quebradas da primeira República possuía um meio para trabalhar a tristeza e, a partir dela, a feitura da sua resistência, ou seja: o meio literário. Mais especificamente, a literatura militante, como batizara com a tinta da caneta enquanto exercia sua função de amanuense. Para quem odiava o futebol, a literatura era o seu esporte de combate.
Enquanto ouço rap e leio as linhas do Lima, muitas frases se completam e expressam sentido. Em meio às suas linhas que pareceram forjadas por giletes e em meio às músicas do Criolo, Racionais Mc’s, Emicida e Eduardo Taddeo. Os corpos cantados são semelhantes. Os corpos que sofrem violência policial, que são marcados, que não têm acesso digno à saúde, são descritos de forma comum.
Trago a leitura, como o Lima tragara a sua aguardente nalgum bar suburbano do Rio de Janeiro com seus companheiros de boêmia até esquecerem quem são. As mortes, as calamidades, os assassinatos, os desempregados, entristecem-me e não posso fazer nada. Mas, de qualquer modo, parafraseando o escritor Marcelino Freire; “escrevo para me vingar”.

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Tempo de armazéns


Texto de autoria de Rosana Justus Braga, revisora, Curitiba (natural de Ponta Grossa).

Publicada no Diário dos Campos em 14/07/2020, postado no Portal aRede em 19/08/2020, lida na CBN Ponta Grossa em 16/09/2020.

Viver é assistir às transformações inevitáveis do tempo.
Não raras vezes nos espantamos. Como quando retornei à cidade natal e busquei o velho endereço das balas de alcaçuz da minha infância. E tudo que encontro é uma lanchonete, em plena atividade, onde antes era o armazém do seu Nassib. A rua também parecia outra, tão mudada, não estaria eu, porventura ou esquecimento, perdida na rua errada?
Mas, qual, era ali mesmo que eu ia, menina, gastar meus trocados e encher os bolsos de alegria. Ali mesmo me fartava de prazeres olfativos, quando aspirava o cheiro peculiar da peroba-rosa que guarnecia o teto, do couro curtido dos bornais, da sacaria empilhada, a emanação sutil de cereais diversos, o aroma fresco das conservas, da canela em rama e outras tantas especiarias, os queijos de fazenda, a coalhada fresca, os salames, o fumo barato.
Tudo misturado era o cheiro do armazém do seu Nassib, cheiro que alvoroçava mistérios. Saía de lá atordoada, querendo ficar.
Mas eis que o tempo dos armazéns virou história. História esquecida, pois quem se lembra de comprar grãos a granel, azeite em galão, cebola em réstia, batata em saca, fumo em rolo, vinho em barril? Alguém se lembra ainda, ou por acaso, da doçura amarga do alcaçuz? Evolaram-se todos, suas utilidades e prazeres engolidos pelo sopro de outros ventos.
Também nós nos despedimos de hábitos, preferências e gostos. E de convicções, sem dúvida. Vamos nos ajustando ao novo como quem se espreme em roupa apertada, e tudo que queremos é que se fechem os botões, finalmente.
Não há como viver sem transformar panos velhos em roupa nova. O desconforto é só inicial, depois dá até para se olhar no espelho e apreciar com gosto a improvisada figura. Sensato pensamento.
No entanto, ao me deparar com a tal lanchonete sem identidade, ao aspirar a gordura quente de suas entranhas, confesso que vacilei nas minhas certezas. Pegamos o rumo certo para o futuro?
 Boa pergunta em que se perder uma noite de sono.
Ali, onde antes se mesclaram os odores sutis do Oriente com nossa autêntica cultura, germinava a nova mentalidade. Diante dela, eu era apenas uma consciência fora de foco.

Adoração da Cruz

Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes , Professora de Português e Inglês, residente em Ponta Grossa.           Já escrevi c...