Texto
de autoria de Rosana Justus Braga, revisora, Curitiba (natural de Ponta
Grossa).
Publicada no Diário dos Campos em 14/07/2020, postado no Portal aRede em 19/08/2020, lida na CBN Ponta Grossa em 16/09/2020.
Publicada no Diário dos Campos em 14/07/2020, postado no Portal aRede em 19/08/2020, lida na CBN Ponta Grossa em 16/09/2020.
Viver é
assistir às transformações inevitáveis do tempo.
Não raras
vezes nos espantamos. Como quando retornei à cidade natal e busquei o velho
endereço das balas de alcaçuz da minha infância. E tudo que encontro é uma lanchonete,
em plena atividade, onde antes era o armazém do seu Nassib. A rua também parecia
outra, tão mudada, não estaria eu, porventura ou esquecimento, perdida na rua
errada?
Mas, qual, era
ali mesmo que eu ia, menina, gastar meus trocados e encher os bolsos de alegria.
Ali mesmo me fartava de prazeres olfativos, quando aspirava o cheiro peculiar
da peroba-rosa que guarnecia o teto, do couro curtido dos bornais, da sacaria
empilhada, a emanação sutil de cereais diversos, o aroma fresco das conservas, da
canela em rama e outras tantas especiarias, os queijos de fazenda, a coalhada
fresca, os salames, o fumo barato.
Tudo misturado
era o cheiro do armazém do seu Nassib, cheiro que alvoroçava mistérios. Saía de
lá atordoada, querendo ficar.
Mas eis que o
tempo dos armazéns virou história. História esquecida, pois quem se lembra de
comprar grãos a granel, azeite em galão, cebola em réstia, batata em saca, fumo
em rolo, vinho em barril? Alguém se lembra ainda, ou por acaso, da doçura
amarga do alcaçuz? Evolaram-se todos, suas utilidades e prazeres engolidos pelo
sopro de outros ventos.
Também nós nos
despedimos de hábitos, preferências e gostos. E de convicções, sem dúvida. Vamos
nos ajustando ao novo como quem se espreme em roupa apertada, e tudo que
queremos é que se fechem os botões, finalmente.
Não há como
viver sem transformar panos velhos em roupa nova. O desconforto é só inicial,
depois dá até para se olhar no espelho e apreciar com gosto a improvisada
figura. Sensato pensamento.
No entanto, ao
me deparar com a tal lanchonete sem identidade, ao aspirar a gordura quente de
suas entranhas, confesso que vacilei nas minhas certezas. Pegamos o rumo certo
para o futuro?
Boa pergunta em que se perder uma noite de
sono.
Ali, onde
antes se mesclaram os odores sutis do Oriente com nossa autêntica cultura,
germinava a nova mentalidade. Diante dela, eu era apenas uma consciência fora
de foco.
Marlene Castanho
ResponderExcluirComo se houvesse, na época, um encantamento na simplicidade, naquela mistura de coisas variadas que podiam ser degustadas no paladar ou apenas com os olhos da pura inocência... As gerações pós anos noventa em diante não têm noção dessa atmosfera peculiar... Rosana, a leitura de "Tempos de armazéns", para mim, foi prazerosa...