Texto de autoria de Marcelo Derbli Schafranski, médico reumatologista, Ponta Grossa.
Publicada no Diário dos Campos em 01/06/2022.
Da sacada observo a Praça Barão do Rio Branco. A obrigatoriedade de permanecer em casa nos leva a executar tarefas que habitualmente não faríamos. Pesquisar quem foi o Barão, por exemplo. Surpreendo-me. Advogado, entre outras várias profissões, e patrono da diplomacia brasileira. Já se vão quase sessenta anos desde que para cá me mudei. Nunca vi a praça tão vazia. Arrepiante. Um inimigo invisível e imprevisível segue livre. Um vírus. Por extenso, coronavírus; abreviado, COVID-19. Onde há diálogo, se ouve esse nome.
Ligar a televisão não ajuda muito ─ atrapalha. A era da informação trouxe consigo, além de um oceano de notícias cujo acompanhamento é praticamente impossível, as notícias falsas. Tablet não uso e meu celular faz apenas ligações ─ sou um velho não muito afeito à modernidade. Mas não escapei de conectar a internet ao computador de mesa.
Por outro lado, tenho paixão pelo cinema ─ sinto muito a sua falta. O amor pela sétima arte iniciou com as belas atrizes dos anos 60. Não havia como não se apaixonar. E o cenário atual é cinematográfico, fantástico, ficcional, diria até mesmo surreal. Lembro-me do Cine Inajá, na Sete de Setembro, onde assisti ao filme “Epidemia”. Estamos vivendo o seu enredo como pequenos “Dustin Hoffmans”.
A atmosfera impele-me a ampliar ainda mais o hábito da leitura. Espero que as novas condutas não nos conduzam ao cenário das duas mais famosas distopias da literatura: Admirável Mundo Novo, de Huxley e 1984, de Orwell.
Comércio fechado, confinamento, isolamento social, quase que a proibição do contato físico entre as pessoas. Uso de máscaras, luvas e outras formas de proteção, algumas com fundamentação científica, outras que beiram o patético. Até mesmo o uso do dinheiro, em cuja nota a face do citado Barão já esteve um dia estampada, está sendo desencorajado pelo risco de contágio.
O controle social nunca foi tão intenso, mas desta feita, para o bem. Entretanto, diferentemente do “Grande Irmão” de Orwell, que a tudo via e tudo fiscalizava, hoje somos todos pequenos irmãos em mútua colaboração. E, como o Selvagem de Huxley, que pretendia retornar ao seu lar e aos seus velhos hábitos de vida, desejamos também agora, como nunca, nos tornarmos novamente humanos em sua plenitude.
Escrevo estas palavras em abril de 2020, auge da pandemia. Mas tenho a convicção de que Ponta Grossa tudo superará e, em breve, comemoraremos aliviados o bicentenário do nosso município.