terça-feira, 1 de março de 2022

Rupturas

Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, Professora aposentada, Ponta Grossa.

Fratura, ruptura, fenda, quebradura, divisão de algo em partes menores. Quantas coisas se rompem, se partem, se quebram, se dividem, produzem fendas! Se rompem objetos antigos de valor afetivo. Se rompem namoros, noivados ou casamentos cujas juras trocadas foram de união e amor eternos. Se rompem correntinhas de ouro, como aquela linda pulseira que foi meu presente de 15 anos. Se rompem cadeados num litígio por herança, apegos financeiros vis e ignóbeis. Nas relações sociais ou familiares acontecem rupturas, algumas passageiras, por mil motivos, outras irreversíveis. Se abrem fendas abissais sem a possibilidade de transpô-las. A rachadura permanece viva, machucando a memória. Em qualquer uma dessas situações há sofrimento em variados níveis, lembranças amargas, arrependimentos e tantos outros sentimentos, inclusive a dor. Dor na alma, ressentimentos, quebra de confiança.

Nasci e cresci em Ponta Grossa, percorrendo as suas, tão celebradas em cantos, versos e prosas, subidas, descidas e escadarias. Paradoxalmente, foi no piso plano do meu próprio quarto, numa escura madrugada sem lua, que inesperada queda produziu uma fratura no meu antebraço. O osso rádio se quebrou exatamente na articulação do pulso. Dor física, cicatrização mais lenta. As talas de gesso até o cotovelo, deixando à mostra somente as pontas dos dedos, são incômodas. Dormir assemelha-se a estar pregada a uma viga de madeira dura, pesada, inflexível, largada sobre a cama. De manhã, o hábito de levar as duas mãos molhadas de água fresca para lavar o rosto está temporariamente suspenso. A prece pedindo paciência é feita sem juntar as mãos. Paciência! Não há o que fazer senão aguardar que o tempo, que está sem pressa, um dia aporte no calendário e traga consigo o alívio da retirada de tão incômoda massa calcária necessária à imobilização.

Havendo presenciado tantos tipos de rupturas pelos caminhos da vida, fico aqui me perguntando: Que ruptura dói mais? Seriam mensuráveis? Quais delas poderiam ter sido evitadas? Ah, se me fosse concedido o privilégio de escolher por quais rupturas deveria atravessar! Optaria por vivenciar somente a ruptura do lacre de uma garrafa de vinho em noites de outono.

 

14 comentários:

  1. As mais doloridas são as que rompem relacionamentos, geram as fendas mais profundas. Muitas vezes seguem rompendo crenças, esperanças, conceitos.
    Parabéns pelo texto, como sempre, muito sensível, Sueli.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Qualquer ruptura, seja física ou emocional, deixa marcas. As emocionais são indeléveis. Grata pelo comentário, Rosicler.

      Excluir
  2. E o mais incrível disso tudo, é que a vida só se manifesta neste mundo envolvida por uma fantástica ruptura. E como diz o ditado 'Há males q vem pra bem', o assunto em questão, da crônica,se encaixou perfeitamente. Espero que a fratura do seu braço, também, tenha cicatrizado 100%. Sueli, parabéns!

    ResponderExcluir
  3. " A vida se manifesta por uma fantástica ruptura". Que lindo isto, Marlene! Obrigada pela torcida. Vai passar.

    ResponderExcluir
  4. Mais um texto preciso da Sueli que nos convida a refletir. Sem rupturas não há aprendizado nem evolução. Continue nos instigando a pensar sobre a vida e seus percalços, Sueli!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Cada um de nós vive as suas rupturas, sofre e aprende com elas. Que no futuro testemunhemos somente o romper da aurora, de uma nova amizade, de um lacre de vinho. Gratidão, Rogério!

      Excluir
  5. Muito linda a sua crônica Sueli. Me identifiquei.....durante toda a minha vida sofri rupturas de todos os tipos. Mas sobrevivi a todas. A gente sofre mas supera. Faz parte..rsrsrs.
    Até a ruptura do pulso direito eu também sofri. Caí no banheiro e quebrei o cúbito e o rádio. Foi terrível. Tive de aprender a fazer tudo com a mão esquerda.
    Creio que as rupturas amorosas e familiares são as mais difíceis. Principalmente no caso da perda de um ente querido. Nesta época de pandemia, quantas rupturas.....BJS

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Este comentário é de Margarete de Goes Coelho......me identificando





      Excluir
    2. Olá, Margarete. Que bom vê-la por aqui. As rupturas não são um privilégio de ninguém. Acontecem na vida de todos e o mais importante é superar e seguir em frente. Grata pela mensagem.

      Excluir
  6. Belíssimo texto. Ludo

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Que bom ler esta mensagem, vinda de um ótimo cronista como você. Obrigada.

      Excluir
  7. Quero registrar, neste espaço, o recebimento de mensagens de vários amigos através de outras mídias sociais sobre esta crônica. Entre elas o carinho da cronista Francielly da Rosa. Gratidão a todos.

    ResponderExcluir

Pedimos aos leitores do blog que desejem fazer comentários que se identifiquem, para que os autores conheçam sua origem.

O tempo é o senhor da razão

Texto de autoria de  Sílvia Maria Derbli Schafranski , advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa. Dies po...