segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Diálogos da Natureza

 Texto de autoria de Rodrigo de Mello, Biólogo docente da UEPG, Ponta Grossa.


Publicado no Correio Carambeiense em 05/12/2020 e no Diário dos Campos em 23/12/2020, postado no Portal aRede em 30/12/2020.


Era um amanhecer que brotou de uma noite chuvosa. Entre negras nuvens que cavalgavam ventos que as dispersavam no horizonte, os raios do sol inundavam de luz a montanha onde se erigia uma imponente araucária. Em seu labor fotossintético, já devorava fótons que banhavam suas folhas enquanto era tocada pelas patas de aves e insetos. Ao sentir a gralha-azul à procura de seus frutos, lhe disse:

– Sê bem-vinda! Tu que aprecias meus frutos, sabes que eles, embora aqui no alto, provêm de minhas raízes, pois delas brota a força de meu ser.

– Bem sei que tudo está interligado – gralhou a gralha em seu galho. Apenas o inverno é a estação do meu alimento? Em verdade vos digo que o pinhão também existe na primavera, quando não é mais que seiva sonolenta pulsando e sonhando seus sonhos de fruto; no verão, surge em tenras pinhas; e no outono, se incha e se tinge com o ouro do sol e dos nutrientes da terra. Cada estação traz em si as outras três. A natureza é um só corpo. Comungai com a menor partícula dele e comungareis com o todo. O politeísmo sobre o sagrado é somente a epiderme de um unicismo profundo.

Uma formiga que marchava ali perto também se pronuncia:

– Quem dera que os humanos partilhassem de nossa sapiência. Me louvam em seu livro sagrado, mas rodopiam no vórtice de suas incoerências. Diz o provérbio deles para vir ter comigo, considerar meu proceder e aprender de mim a sabedoria. Quem reconhece sua pequenez é um gigante, mas eles ainda cultivam uma enorme corcunda por se curvarem sobre seus próprios umbigos.

Ao ouvir a sábia formiga, um vaga-lume que vagueava com seus lampejos luciferinos acrescenta:

– Como minha luz que nasce e morre a cada instante, tudo é uma pulsação de um dualismo binário. Dupla é a respiração de todo fenômeno. Cada unidade é uma balança entre dois extremos que se equilibra neste íntimo de contradição. Toda dualidade é prenha de mistérios e maravilhas. Esfregai vossos olhos e despertai, humanos!

No instante em que a parte escura do céu foi rasgada por um raio como uma cicatriz metálica e o som do trovão desabou como uma chicotada gigantesca, asseverou, por fim, a coruja:

– O antropocentrismo coroado pelo individualismo é um delírio pelo qual eles enxergam a realidade. Asfixiam-se no próprio ego e são devorados por suas mandíbulas famintas. Corre um boato nos Campos Gerais que uma pandemia surgiu para lhes mostrar que falharam em cuidar uns dos outros e em gerenciar a vida do planeta. Ó pobre Homo sapiens, pão e circo até quando? 

2 comentários:

  1. Marlene Castanho

    Parabéns, Rodrigo! "Diálogo da Natureza", traz algo de muito especial: a marca de quem conhece do assunto. Obrigada por nós envolver nesse diálogo..., sábio, construtivo e que nos faz refletir...

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  2. Parabéns meu mano Rodrigo.
    Sábias palavras e nos proporcionou a ler este texto.
    Orgulho de tê-lo como irmão.

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