terça-feira, 16 de novembro de 2021

O Bielinha

Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes, Professora de Português e Inglês, Ponta Grossa.

Publicada no Correio Carambeiense em 20/11/2021 e no Diário dos Campos em 26/01/2022, postada no Portal aRede em 22/12/2021.

Minha Carteira de Trabalho contém a prova: com quinze anos de idade eu trabalhei no setor de polimento da Metalúrgica Santa Cecília, empresa da qual o trigésimo quarto prefeito de Ponta Grossa, Dr. Luiz Gonzaga Pinto, era sócio proprietário e diretor.  Não durou muito minha lida com bielas, anéis e outras peças que saíam das minhas mãos inexperientes. Acabei desistindo, com medo de “matar” mais peças do que poli-las, mesmo após um fato ocorrido nas vésperas das férias coletivas, às quais eu nem fazia jus plenamente. Na confraternização oferecida aos funcionários, regada a refrigerante com cachorro-quente, e com discurso do diretor, eu ouvi pela primeira vez a expressão “não dar o peixe, mas ensinar a pescar”. Na minha ingênua adolescência, isso me pareceu a melhor frase para se dizer a qualquer jovem. A imagem de um adulto experiente, se prontificando a ensinar um novato a “pescar”, não um peixe, mas o seu ganha-pão, me veio à mente como se fosse uma missão sacerdotal (hoje, essa frase me causa estremecimento, pois imagino as pessoas que a ela se referem, entregando a um pobre coitado um manual de pesca, uma vara de pescar, sem nenhuma isca, e o abandonando às margens de um rio podre). Apesar da frase sacerdotal, alguns dias após o retorno ao trabalho, eu me demiti. O ambiente do setor de polimento não era o cenário idealizado por mim. O ideal eu havia descrito, antes de conhecê-lo, num conto que escrevi para O Bielinha, um periódico, que minhas irmãs, funcionárias do setor administrativo, ajudavam a redigir. Não tenho nenhum arquivo do conto, nem me lembro do título. Inspirei-me em um fato que havia circulado pela fábrica como misterioso, relatado por minhas irmãs: haviam encontrado algumas peças ainda sem polimento no encanamento de esgoto de um banheiro. Criei um apólogo, cujo enredo apresentava o encontro de um anel e uma biela, que, num curto e idílico momento, cada um em sua bandeja de transporte para o setor de polimento, haviam se apaixonado. Cientes de que partiriam, após o procedimento, para destinos desencontrados, os apaixonados optaram por uma fuga, saltando das bandejas, tentando interferir em seus infelizes destinos. Uma aventura que acabou num trágico “afogamento” nos esgotos da fábrica.

            O contador da empresa, Sr. João Teles, apreciou a narrativa e efetivamente tentou me ensinar a pescar: emprestou-me, por intermédio de minha irmã, alguns livretos que ele próprio gostava de ler. Pesquei neles com muita satisfação.

 

10 comentários:

  1. Linda crônica Rosicler, desejo ótimas pescarias e excelentes peixes - como "este" aqui.
    At.te
    Antonio Marques.

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  2. Maravilha de pescaria! Sempre um prazer poder ler suas palavras cara Rosicler!

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  3. Que leveza, que fluidez, que leitura agradável! Você já é uma professora de pescaria, Rosicler. Que o sucesso seja cada vez mais crescente em tua caminhada literária.

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  4. Grande projeto, onde podemos pescar e servir o peixe!Obrigada à ALCG pela oportunidade.

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  5. Bela crônica.
    Hoje, infelizmente muitos jovens não conseguem se deparar com pessoas dispostas a ensinar pescar, já sao cobradas a saber e jogadas num campo de trabalho obrigadas a se virar.

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  6. Seus textos são brindes de vivência, sob a ribalta histórias e memórias salutares! Viva!!

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  7. Nossa!, recomendo: pescaria imperdível... Obrigada, Rosicler, por nós proporcionar textos tão criativos. Que agradável leitura!!!

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