segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Entre anjos e demônios

Texto de autoria de Mário Francisco Oberst Pavelec, técnico em agropecuária, residente em Ponta Grossa. 

Postado no Portal aRede em 14/12/2022, no Portal CulturAção em 07/03/2023, e publicado no Diário dos Campos em 22/03/2023.

          Pela minha altura, quase 2 metros, nem todo muro é capaz de me ocultar totalmente aquilo que está cercando. E, com o Cemitério São José, não é diferente.

          No canto da Rua Balduíno Taques com a Travessa Santa Cruz, o muro chega ao seu ponto mais baixo em relação à rua. Sempre que passava por ali, visualizava os túmulos daquele quadrante por sobre ele.

          Percebeste o verbo no passado? Entenderás.

         Em um final de tarde, quase anoitecendo, luzes urbanas já acesas, logo após atravessar a Tv. Santa Cruz, como de costume, aproximei-me do muro para comtemplar a única coisa que é certa nesta vida. Aquela diversidade de túmulos e imagens que o cemitério reflete, me aproxima da necessidade de viver, e viver bem.

          Atraso o passo, quase paro, e entrevejo pelos túmulos certo movimento. Alguém visitando o passado, alguém visitando seu futuro talvez, pensei cá comigo. Mas me chama a atenção a claridade de um dos visitantes e a obscuridade de outro. Um quase brilhava, o outro fundia-se lugubremente aos túmulos.

      Parei. Atentamente fitei aquela cena, buscando em toda minha racionalidade, explicações plausíveis. Sem tirar conclusões precipitadas, raciocinei. Olhei para a calçada externa ao cemitério, percebi-me absolutamente só. Não havia uma viva alma naquelas calçadas e os carros pareciam simplesmente não existir.

          Novamente olho para o cemitério. Os estranhos visitantes se faziam mais distantes, porém olhavam em minha direção. Tento mirar seus olhos, porém um arrepio profundo me percorre o corpo todo, um arrepio de medo, de horror. São olhos claros, brilhantes, capazes de serem vistos mesmo no escuro, porém sem vida.

          Neste momento, minha racionalidade se esvai, e vejo que ambos os seres não tocam o chão. Um gemido surge de dentro do cemitério, e uma terceira pessoa aparece, sem brilho, sem roupa, sem cor. Os três se entreolham e o que surgiu depois é abraçado pelo ser brilhante. Todos somem na penumbra diante de mim.

          Entendeste agora o verbo no passado?

       Nunca mais passei caminhando naquela calçada, tampouco espiando para dentro do Campo Santo. Mesmo de carro, procuro sempre o lado da esquerda na Balduíno. E, quando entro no cemitério por necessidades óbvias, não vou mais até aquele canto.

          Mas, pensando bem, racionalizando, se é possível, algum desses um dia vir me buscar também. Será?

4 comentários:

  1. Acabei de engolir uma exclamação que não ousaria expressar por escrito aqui. Mas, valha-me Deus! é "de sério" isso? Seja como for, "de sério", sonho ou ficção, estou impressionada! Parabéns pela excelente e impactante narrativa!

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    1. Grato. Existem muitas formas de visualizar o sobrenatural. Essa é a minha!

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  2. Parabéns, Mário! Tua crônica dá o que pensar sobre o que podemos encontrar atrás dos muros da cidade. Adorei a crônica.

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