segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Partida e recomeço

Texto de autoria de Jefferson Mainardes, professor do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, residente em Ponta Grossa.

Postado no Portal aRede em 06/12/2022, no Portal CulturAção em 14/03/2023, e publicado no Diário dos Campos em 05/01/2023.

          Depois de muitas conversas, finalmente decidimos deixar a velha casa de pedras da Rua General Osório. A casa e o seu entorno traziam lembranças de uma longa história na chácara. Com a venda dos lotes, foi possível comprar uma casa na cidade. Não era uma casa grande, mas adequada às nossas necessidades. Da numerosa família, restaram nós três: eu (Emília), mamãe e Marcelina. Teríamos de aprender a viver em um espaço menor, mas com mais facilidades. A casa nova possuía água encanada, o que seria um grande alívio. As duas janelas e o portão davam direto para a rua, mas havia um pequeno quintal, no qual mamãe poderia cultivar algumas plantas. Depois de tanto trabalho, eu teria mais tempo e sossego para escrever meus poemas e finalizar o romance cuja trama estava em minha mente.

Chegou o dia da mudança. A despedida final da casa velha de pedras fez-se em silêncio. Com a chegada da charrete, recolhemos os pertences finais. Mamãe abraçou a caixa de madeira com pertences de papai e documentos da família. Dentro dela, documentos, fotos e a velha folha com as anotações de datas de casamento e nascimento dos 10 filhos. Marcelina portava uma mala, livros e cadernos. Eu carregava apenas uma mala com roupas e objetos. Na sacola de algodão, poemas e manuscritos do romance que um dia terminaria.

Despedimo-nos da velha casa de pedras apenas com um olhar saudoso. A charrete logo alcançou a Rua das Tropas e, em seguida, chegou na pracinha da Catedral. Olhei aquelas pedras e lembrei-me de papai e do quanto ele e os operários trabalharam para extrair pedras para as ruas e calçadas de Ponta Grossa.

          Ao chegarmos na nova casa, à Rua Padre Lux, 260, abrimos o portão. Adentramos pela sala. Tudo era diferente da velha casa de pedras. Mamãe ficou com o quarto da frente. Poderia ficar na janela, conversar com os passantes. Eu e Marcelina dividiríamos o quarto dos fundos. Combinamos que Marcelina faria as suas lições e trabalhos na mesa da sala de jantar e eu poderia, finalmente, escrever sem ser interrompida.

Marcelina arrumou os livros com capricho no velho armário com portas de vidro. Foi ali que tive a compreensão do sonho de Marcelina: ser bibliotecária!

O jantar no primeiro dia da casa nova foi sereno, silencioso. Soava estranha aquela mesa agora pequena e apenas três pessoas para a refeição.

A vida seguia mais tranquila naqueles meses de 1931. As tarefas estavam divididas e vivíamos felizes. Estranhávamos que o serviço era pouco.

A vida mudara muito, mas os meus sonhos continuaram vivos. Não almejava grandes reconhecimentos, nem como professora, nem como escritora. Desejo apenas escrever sobre meus sentimentos e vivências.

Da minha nova janela, por entre frestas das casas vizinhas, vejo o trem que passa. Deixo as ideias fluírem à medida que os vagões passam e consigo resolver o título do romance: A primavera voltará!

Crônica dedicada a Emília Dantas Ribas (1907-1978) e Marcelina Dantas (1916-2007).

8 comentários:

  1. Que lindo texto, tão bom ter estas doces lembranças.

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  2. É madrugada do dia 6/12 e não consigo dormir. Para atrair o sono começo a dedilhar o celular e tenho um encontro com a história da autora de "A primavera voltará", Emilia Dantas. Parabéns, Jefferson por esta crônica. Com o pensamento leve creio que, dormirei o sono dos justos. Boa noite!

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  3. Obrigado, Sueli. Fico feliz que você tenha gostado. É um pequeno exercício, a partir das histórias reais da vida de Emília e Marcelina.

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  4. Muito bom! Li o livro. Reviver essas emoções foi maravilhoso. Parabéns!

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  5. Parabéns grande professor Jefferson! Muito sensível sua narrativa. Ponta Grossa é inspiradora, com tanta história.

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  6. Rosicler Antoniácomi7 de dezembro de 2022 às 21:27

    Que linda história dentro da História da cidade! Humaniza as pedras das ruas, o barulho do trem do passado... E celebra o seguimento das primaveras, apesar das vidas que se esvaem. Nostalgia perene.
    Parabéns!

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