Texto de autoria de Jefferson Mainardes, professor do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, residente em Ponta Grossa.
Postado no Portal aRede em 06/12/2022, no Portal CulturAção em 14/03/2023, e publicado no Diário dos Campos em 05/01/2023.
Depois
de muitas conversas, finalmente decidimos deixar a velha casa de pedras da Rua
General Osório. A casa e o seu entorno traziam lembranças de uma longa história
na chácara. Com a venda dos lotes, foi possível comprar uma casa na cidade. Não
era uma casa grande, mas adequada às nossas necessidades. Da numerosa família, restaram
nós três: eu (Emília), mamãe e Marcelina. Teríamos de aprender a viver em um
espaço menor, mas com mais facilidades. A casa nova possuía água encanada, o
que seria um grande alívio. As duas janelas e o portão davam direto para a rua,
mas havia um pequeno quintal, no qual mamãe poderia cultivar algumas plantas.
Depois de tanto trabalho, eu teria mais tempo e sossego para escrever meus
poemas e finalizar o romance cuja trama estava em minha mente.
Chegou o dia da mudança. A despedida final da casa
velha de pedras fez-se em silêncio. Com a chegada da charrete, recolhemos os
pertences finais. Mamãe abraçou a caixa de madeira com pertences de papai e
documentos da família. Dentro dela, documentos, fotos e a velha folha com as
anotações de datas de casamento e nascimento dos 10 filhos. Marcelina portava
uma mala, livros e cadernos. Eu carregava apenas uma mala com roupas e objetos.
Na sacola de algodão, poemas e manuscritos do romance que um dia terminaria.
Despedimo-nos da velha casa de pedras apenas com um
olhar saudoso. A charrete logo alcançou a Rua das Tropas e, em seguida, chegou
na pracinha da Catedral. Olhei aquelas pedras e lembrei-me de papai e do quanto
ele e os operários trabalharam para extrair pedras para as ruas e calçadas de
Ponta Grossa.
Ao chegarmos na nova casa, à Rua Padre
Lux, 260, abrimos o portão. Adentramos pela sala. Tudo era diferente da velha
casa de pedras. Mamãe ficou com o quarto da frente. Poderia ficar na janela,
conversar com os passantes. Eu e Marcelina dividiríamos o quarto dos fundos.
Combinamos que Marcelina faria as suas lições e trabalhos na mesa da sala de
jantar e eu poderia, finalmente, escrever sem ser interrompida.
Marcelina arrumou os livros com capricho no velho
armário com portas de vidro. Foi ali que tive a compreensão do sonho de
Marcelina: ser bibliotecária!
O jantar no primeiro dia da casa nova foi sereno,
silencioso. Soava estranha aquela mesa agora pequena e apenas três pessoas para
a refeição.
A vida seguia mais tranquila naqueles meses de
1931. As tarefas estavam divididas e vivíamos felizes. Estranhávamos que o
serviço era pouco.
A vida mudara muito, mas os meus sonhos continuaram
vivos. Não almejava grandes reconhecimentos, nem como professora, nem como
escritora. Desejo apenas escrever sobre meus sentimentos e vivências.
Da minha nova janela, por entre frestas das casas
vizinhas, vejo o trem que passa. Deixo as ideias fluírem à medida que os vagões
passam e consigo resolver o título do romance: A primavera voltará!
Crônica dedicada a Emília Dantas Ribas (1907-1978)
e Marcelina Dantas (1916-2007).
Que lindo texto, tão bom ter estas doces lembranças.
ResponderExcluirObrigado
ExcluirÉ madrugada do dia 6/12 e não consigo dormir. Para atrair o sono começo a dedilhar o celular e tenho um encontro com a história da autora de "A primavera voltará", Emilia Dantas. Parabéns, Jefferson por esta crônica. Com o pensamento leve creio que, dormirei o sono dos justos. Boa noite!
ResponderExcluirObrigado, Sueli. Fico feliz que você tenha gostado. É um pequeno exercício, a partir das histórias reais da vida de Emília e Marcelina.
ResponderExcluirMuito bom! Li o livro. Reviver essas emoções foi maravilhoso. Parabéns!
ResponderExcluirParabéns grande professor Jefferson! Muito sensível sua narrativa. Ponta Grossa é inspiradora, com tanta história.
ResponderExcluirQue linda história dentro da História da cidade! Humaniza as pedras das ruas, o barulho do trem do passado... E celebra o seguimento das primaveras, apesar das vidas que se esvaem. Nostalgia perene.
ResponderExcluirParabéns!
Belissimo texto.
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