segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Recriando a cidade do seu jeito

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa. 

Postado no Portal aRede em 30/11/2022, no Portal CulturAção em 21/02/2023, e publicado no Diário dos Campos em 19/04/2023.

Contrariando todas as expectativas mais pessimistas ‒ sobretudo as minhas, que no campo das ideias preciso transformar fraquezas em forças para realizar até os empreendimentos mais comezinhos ‒, escrever é relativamente fácil. Sequestra-se (da vida ordinária, das Musas, do jornal, de onde se quiser ou puder) um tema, rabiscam-se umas especulações sobre ele, eliminam-se os atentados gramaticais mais flagrantes ‒ notadamente "caxorro" e "cerumano" ‒, submete-se o resultado ao comitê avaliador, que testifica nossa alfabetização a duras penas conquistada. Logo o texto sai na mídia impressa e digital, para perplexidade de amigos e parentes.

E por que haveria alguém de escrever? Porque escolheu esse dentre outros hábitos nocivos, porque as ideias inexpressadas pesam, porque o universo simbólico colhido da literatura pede vazão, porque é uma forma de arrivismo, porque o autor tem insônia ou precisa estruturar o pensamento, porque tem as estantes atulhadas de bons livros e eles reclamam más companhias. Se os motivos forem ruins, não há o que temer ‒ alguma amoralidade é desejável nessa esfera.

Para uns e outros, parece até mais fácil, eis que nessas páginas despontam velhos ponta-grossenses, bolos vulcões, recantos de papagaios e outras histórias que vencemos fluidamente, indiferentes à preguiça e ao sono.

O Município de Ponta Grossa é conhecido de todos os seus viventes ‒ com sua geografia acidentada, seus distritos longínquos, seu inverno perseverante e sua arborização episodicamente precária em contraste com a profusão de aves noturnas. A Ponta Grossa do Crônicas dos Campos Gerais é a cidade que vive e morre na carne de cada autor ‒ para MIM, é espécie de Curitiba de Dalton Trevisan sem o Vampiro; discrepante, biliosa, lugar que está e não está, simultaneamente. Eu não conhecia os Campos Gerais antes de cá morar, desde o começo da década passada. Não sei de uma Ponta Grossa bucólica, de infância, para onde retornar, mas ela existe se alguém a recriar desse modo ou para quem arquitetar outra releitura qualquer ‒ talvez emulando a São Petersburgo de Dostoiévski (embora glacial), a Santa Maria de Onetti (embora diminuta) ‒, cada cronista é o demiurgo de sua própria cidade e senhor absoluto dela, mesmo sem dever nenhuma fidelidade a ela.

Nenhuma fidelidade, e não haveria como ser diferente ‒ se assim a cidade é descrita, assim ela é; se está escrito é verdade, principalmente se não for. Em qualquer de suas possibilidades será essência de si mesma, celebremos.

 

3 comentários:

  1. Belíssima crônica. A cidade é de cada um e como cada um a vê; "crônica-logicamente" falando (hehehe).
    Obrigado pela prazerosa leitura.
    At.te

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  2. Mais uma vez demonstrou todo o potencial de escritor que habita em você, prezado Murilo. Suas crônicas são motivos de prazer, de criatividade e de conhecimento pois seu vocabulário é invejável. Parabéns, caro amigo.

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  3. Muito grato pelos comentários, Antonio e Sueli!

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