Postada no Portal aRede em 18/12/2020, publicada no Diário dos Campos em 25/05/2022.
Na
casinha de dois cômodos, daquelas de alguma cidadezinha do interior do Paraná,
São João do Triunfo, para ser mais exato, com cozinha e quarto de madeira, buracos decorando a ausência de forro, o varal
dependurado no teto... levantava-se cedo, batia-se a cabeça na roupa úmida e no
forro baixo. O podre da madeira sinalizava um tom arcaico no assoalho, cupins e
minhocas em uma mistura barroca; havia uma dimensão sagrada – de revolta –
naquela pobreza. Panos floreados, com figuras geométricas, com animaizinhos,
eram usados para esconder algumas tábuas estragadas e pouco pintadas. O resto
da pintura baseava-se em fuligem de lesmas, teias de aranha e casas de cigarra,
vez em quando, rastros de vaga-lumes.
O
vento-ventania passava pelas frestas, fazia rilhar o telhado, algumas telhas
quebravam; mais uma goteira. Rachaduras e goteiras eram hóspedes prematuros da
casa, hóspedes ocupando estadia comprida. Os dois moradores da casinha possuíam
diligência e feição no trato ao limpá-la, remendá-la, casa-tricô. Tornou-se
costume habitar entre fissuras. O teto estava sempre a um passo de desmoronar,
mas sempre ficava firme, fazendo uma barriga sobre a cama, decerto tábuas
dilatadas, sonho dos dois era barriga dilatada de comida. Tudo estava a um
passo do desmoronamento: casa-intempestiva.
Paredes
estalavam-sacolejavam, uma dor antiga havia feito morada naqueles cômodos, por
outro lado, o barraco desempenhava um espaço lenitivo; esparadrapo de madeira,
farrapos assépticos de tecidos improvisados. Quando chovia, logo embrutecia a
enchente, arrastando tudo, a correnteza açoitava as palafitas, a água marrom
comia tudo, a garganta da água suja engolia tudo: paredes, tinta, telhado,
janela, a força daquela gente.
“Araã”
é sentimento de distância em tupi, pensou o senhor, ouvira
a palavra dos lábios de um velho índio caingangue. Da casinha sobraram algumas
tábuas, muita lama da água, não havia mais goteiras, mas o vazio intermitente.
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