segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Antes do último beijo


Texto de autoria de Marivete Souta, Professora, Ponta Grossa.

Publicado no Portal aRede em 02/01/2020.
  
Ela dá um beijo no filho, manda uma mensagem para a amiga, olha-se no espelho e encontra lá a menina que ainda habita em si e convive com a mulher madura que se tornou. Sai... e não volta mais. Tudo foi feito pela última vez. A efemeridade da vida é um fato, somos passageiros prestes a partir, todavia o modo como essa vida foi tolhida nos abala porque sua vida esvaiu-se pelas mãos de quem amou, contrariando tudo que entendemos por amor. Saint Exupéry, em O Pequeno Príncipe, fala do amor como o entendo: o amor não pode ser confundido com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos. Contrariando a opinião comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, é contrário ao amor. Este faz sofrer. O amor verdadeiro começa lá onde não se espera nada em troca.
A mulher assassinada pelo ex-companheiro ocorrida em dezembro deste ano, aqui nos Campos Gerais, relembra uma tragédia acontecida há mais de 100 anos, daquela que hoje é conhecida como a Santinha dos Campos Gerais, Corina Portugal. Era 1885 quando o marido a assassinou com trinta e duas facadas. Ela se tornou insígnia da violência contra a mulher nesta cidade. Seus gritos de dor reverberam hoje nesta tarde cinza e os Campos Princesinos choram novamente a morte de uma mulher ocorrida em situação cruel.
Corina Portugal lia um livro de Machado de Assis, assim disseram. Refletia ela sobre a obsessão de Bentinho por Capitu?! Aquela ia com o filho à escola no momento que foi pinçada inclementemente da vida, quimera perdida!
 Quantas outras mulheres morreram, morrem e morrerão pelas mãos de seus companheiros ou ex-companheiros? O número de mulheres vítimas de feminicídio aumenta a cada ano no Brasil. Conforme dados de 2018, do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 29,6% dos homicídios dolosos de mulheres no Brasil são feminicídios e 41,8% acontecem no Paraná.
Antes que a amargura e a tristeza venham visitar-nos inesperadamente, trazidas pela morte de uma filha, irmã, mãe, mulher, gritemos em uníssono por um mundo sem violência contra a mulher. Quando ocorre um feminicídio todas nós mulheres nos sentimos feridas. Vivenciamos um vazio irrespirável.
Antes do último beijo, antes que a cortina se feche e a peça termine, que a vida seja tratada como uma dádiva divina. Deus nos concede uma página de vida nova no livro do tempo, a cada dia, e que nenhuma página seja arrancada de nós abruptamente.

Um comentário:

  1. Simplesmente fantástico e verdadeiro. Foi uma tragédia, vivenciamos ou ouvimos tragédias como essas diariamente, infelizmente. Precisamos de mais amor, amizade, companheirismo, gentileza, união e acima de tudo, respeito pela vida do próximo. Ninguém é objeto, ninguém é propriedade. Parabéns...

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