segunda-feira, 15 de julho de 2024

Corrida noturna

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa.

Nós estamos por toda parte. Escrevesse eu um texto com o tema “corrida de rua” e o mandasse à Academia de Letras local, preencheria com tranquilidade o quesito “possuir identidade com os Campos Gerais” ainda que não citasse nominalmente nenhuma de suas cidades, ruas ou parques – se discorda, olhe pela janela. 

Estamos por toda parte e a qualquer horário. Numa semana de lascar, que transformou em borralho todos os minutos úteis, e vinha se aproximando a primeira meia-maratona que eu faria – desejando terminá-la correndo, não de carona com os paramédicos – pela primeira vez corri de madrugada. Oito irresponsáveis quilômetros entre Olarias e o Jardim Carvalho. Próximo ao Parque Ambiental, encontrei um desconhecido que também treinava e que na cumplicidade das horas mortas saudou-me com um “salve, guerreiro”. 

Na pista do Jardim Carvalho, a aquosidade amarela da iluminação pública irradia tropegamente pelo cenário o aspecto de um amanhecer eterno; as cercanias do Parque dos Ingleses, ao contrário, parecem inaugurar um tempo inédito, cuja madrugada é mais funda, uma hora adicional cravada entre as quatro e cinquenta e cinco e as cinco da manhã; o Parque Linear remonta à kenopsia, que o “Dicionário das Tristezas Obscuras” caracteriza como a melancolia dos lugares vazios que já foram frequentados; o Lago de Olarias faz pensar numa excursão ao além ou a outro planeta mais distante do sol, dado o frio que emana das pedreiras próximas enquanto a escuridão cobre as águas com seus variados graus de breu.

Sempre há pelo percurso algum outro desvairado correndo na comunhão daquela fome, daquele hábito, daquele vício que nos leva adiante, na pista e além. Houve um ano em que corri mais de mil quilômetros no período noturno; não que seja hábito de guerreiros, como bradou meu anônimo colega, mas apenas o curativo e a antecipação de outras corridas e correrias, aquelas que se travam de dia e, justamente por isso, nelas há mais trevas, muitas mais.

2 comentários:

  1. Salve, Murilo! Que bom tê-lo novamente neste espaço! As paisagens noturnas que descreve são aterradoras, mas me parece que à noite as corridas são mais seguras. Parabéns pelo tema e pela redação irretocável.

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    1. Salve, Sueli! Realmente são ótimas para fugir do tráfego desordenado de nossa cidade, mas nada supera o drible na falta de tempo. Apareceu uma brecha, pista. O interessante é que PG vem se firmando como um polo na prática dessa modalidade esportiva, com surgimento de atletas profissionais e ampla difusão da prática amadora. Tem virado uma prática cultural nossa e isso é motivo de orgulho. Obrigado pelo comentário!

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