segunda-feira, 1 de julho de 2024

A Luz que emana da escuridão

Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa.

Era um daqueles dias em que a vida se mostra insuportável, um drama da vida real. Meu pai, em coma, preso em seu corpo entre a vida e a morte, e nossa família mergulhada num abismo de desespero. A cena era de tragédia clássica: uma sala de hospital na qual a esperança se diluía a cada batida dos aparelhos, em que as lágrimas eram mais frequentes que palavras.

Em meio ao caos, encontramos as pessoas mais maravilhosas. A fé, a bondade pura, surgia no momento mais sombrio. Era como se Deus, ao ver nosso sofrimento, enviasse seus anjos disfarçados de gente comum. Elas doavam tempo, ofereciam palavras de conforto, seguravam nossas mãos trêmulas e enxugavam nossas lágrimas. Eram pessoas que traziam uma luz inesperada.

Em uma quarta-feira na paróquia Santa Rita em Ponta Grossa, eu, consumida pela dor, fui à época na missa celebrada pelo Padre Wilton, buscando uma faísca de esperança. Sentei-me no banco de madeira, cabeça baixa, soluçando lágrimas e preces desesperadas. Quando senti uma presença ao meu lado. Levantei o rosto e encontrei uma mulher absolutamente cega. Ela me abraçou e se apresentou como Jô, uma figura que parecia ter sido enviada por uma força maior.

Jô, mesmo sem enxergar, parecia ver mais do que qualquer um de nós. Ela segurou minha mão e suas palavras foram como um bálsamo: "Vou rezar todos os dias pelo seu pai”. Aquela promessa, vinda de uma desconhecida com suas próprias limitações físicas, trouxe um consolo que palavras não conseguem descrever. A partir daquele dia, Jô passou a me telefonar diariamente, como se tivesse se tornado parte da nossa família. Eu sabia que Deus a tinha colocado em nossas vidas.

E a amizade com Jô floresceu. Ela era a prova viva de que a compaixão não conhece barreiras. Cada ligação, cada oração compartilhada era como um sopro de esperança, um lembrete de que não estávamos sozinhos. Era o testemunho de que a bondade humana pode surgir nos piores momentos, trazendo consigo a mão invisível e consoladora de Deus.

Após cinco anos em coma, o final de tudo. Percebi, inspirada nas ideias de Miguel de Cervantes e na perseverança de nossa família que – Quem não tenta o impossível, falha em cumprir a missão que a vida lhe concedeu. A vida nos colocou diante do impossível e acreditamos que fizemos o melhor. As ações de Jô sempre ficarão gravadas em minha memória e ainda ecoam em meus pensamentos:  uma mulher cega que viu além das trevas e trouxe luz para nossas vidas quando mais precisávamos.

3 comentários:

  1. Que bela crônica de um fato real de sofrimento e bondade!!!!

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  2. Rosicler Antoniácomi1 de julho de 2024 às 09:49

    Entendo também dessa dor. Ainda reluto em expressar a minha, mas creio que você, Sílvia, escolheu o caminho certo, pois expressar a dor é como acolhê-la para que ela possa cumprir seu papel. Muito sensível seu texto.

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  3. Texto muito emocionante, Silvia.

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