segunda-feira, 24 de junho de 2024

A arte na Princesa

Texto de autoria de João Alfredo Amatnecks Filho, graduado em Português/Inglês e Direito pela UEPG, professor na rede pública e residente em Ponta Grossa.

As primeiras manifestações de arte em Ponta Grossa foram os circos. Um deles, o Circo Zanchettini, preserva sua tradição desde o ano em que foi fundado, em 1964, no Paraná.

Tivemos circos mambembes, ou seja, conjunto teatral ambulante pobre, formado por atores amadores, que percorre cidades do interior. Em Ponta Grossa, o mais famoso foi o Circo do Nhô Bastião, que gostava de ficar no centro do picadeiro com um pedaço de fumo em rolo, cortando para colocar na palha e balançando esse pedaço de fumo, olhando para as mulheres de forma maliciosa.

Era sucesso garantido e foi astro do pequeno circo por muitos anos. Isso foi nas décadas de 50/60. Infelizmente, pouco o vi.  Ao que assisti nessa época foram as famosas lutas, os catchs que aconteciam debaixo das lonas circenses. Baseada na personagem Monga, que aparecia nas feiras e pequenos circos, tivemos uma lutadora chamada “Mulher Gorila”.

Ela era grande, forte e lutava com os homens. Lembro das lutas onde o vilão ficava provocando todos e, de repente, alguém da plateia subia ao ringue e ganhava a luta, numa série alternada de apanha, bate e assim por diante.

Esse gênero passou a fazer tanto sucesso que, com o advento da televisão, passou a ser atração dos sábados com o nome de tele-catch, criado pela extinta TV Excelsior.

Além do circo, o teatro sempre foi muito prestigiado em Ponta Grossa. Hoje temos o Teatro Municipal Álvaro Augusto Cunha Rocha (Cine Teatro Pax - Proex), Cine Teatro Ópera (centro da cidade), Teatro Marista (no Colégio Marista).

Nosso principal teatro recebeu o nome do Professor Álvaro Augusto da Cunha Rocha, o primeiro reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), que criou essa Universidade pela fusão de cinco faculdades já existentes e participou da criação do Festival Nacional de Teatro, o FENATA.

Muitos nomes expressivos na cultura princesinha, como Bruno Enei, Faris Michaele e Álvaro Rocha, tornaram nossa cidade um centro de cultura,

Muito me orgulha ser ponta-grossense, ter nascido aqui – e pretendo aqui morrer –, ter estudado na Escola de Aplicação, no Regente Feijó e na UEPG, nos cursos de Direito e Letras.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

A epifania de José

Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa.

Era uma manhã como outra qualquer, ou pelo menos parecia. O Sol despontava tímido no horizonte, enquanto eu dirigia pelas ruas ainda sonolentas rumo ao campus da UEPG. O rádio do carro, meu companheiro fiel do trajeto solitário, tocava uma melodia suave quando a voz do locutor, com ares de filosofia matinal, decretou: "Devemos selecionar as ressacas pelas quais queremos passar, seja na bebida, nos relacionamentos ou nas atitudes financeiras impulsivas."

Aquela frase, realmente inteligente, me atingiu como um soco, daqueles que despertam a alma mais adormecida. Imediatamente, minha mente viajou até Carlos Drummond de Andrade e a epifania de seu famoso "José". "E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?". Drummond sabia como ninguém desnudar a ressaca existencial, aquela que vem quando as luzes da euforia se apagam e somos confrontados com o vazio que restou.

Enquanto ainda não chegava, fui tomada por uma reflexão inevitável. Quantas vezes as pessoas se entregam ao hedonismo, buscando prazeres efêmeros, seja na comida, na bebida alcoólica, nos vícios, no consumismo exacerbado, na sexualidade desmedida que, no fim, lhes deixam apenas um gosto amargo? A sociedade moderna os empurra constantemente para a busca do prazer imediato, para a satisfação a qualquer custo. Mas a que preço?

Lembrei-me de Nelson Rodrigues, mestre em desvelar as tragédias do cotidiano. Ele, com seu olhar mordaz, veria nessas palavras do radialista uma verdade crua e irônica. "A vida como ela é", dizia ele, não perdoa os que se rendem facilmente aos caprichos do prazer sem pensar nas consequências.

Eu continuava dirigindo e lembrei-me de um amigo que, em busca de aventuras amorosas, sacrificou um casamento sólido. O brilho fugaz das noites de boemia acabou por apagar o calor da companheira fiel, deixando-o só, com uma ressaca de arrependimento eterno.

Ao chegar ao campus, estacionei o carro e concluí, que devemos ter coragem para dizer "não" aos convites sedutores do prazer imediato e sabedoria para compreender que a verdadeira felicidade reside na constância, no autocontrole e na integridade.

Entrei no prédio com a certeza de que precisamos, como José, antecipar as respostas de quando a festa acaba e a luz se apaga. Precisamos escolher nossas ressacas com cuidado, sabendo que elas moldam quem somos e que não sejamos nós aqueles que tenham que responder: José, e agora?

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Se essa rua fosse minha

Texto de autoria de Wilson Czerski, militar da Aeronáutica, escritor e jornalista aposentado, natural de Ponta Grossa e residente em Curitiba. 

Nem precisava ladrilhar, conforme a canção de ninar. Naquela época um bom cascalho já resolvia. Morei na Cesário Alvim cerca de oito anos, na década de 1960. Jardim Central. Nome afrontoso para o local. De jardim não tinha nada. Número 1121. Ou 121? Talvez nem um nem outro. A memória está embaçada. Mas era perto dos trilhos que separavam Olarias de Oficinas.

          Da primeira para a segunda e para nós, descia e depois subia. Como é fácil adivinhar, só terra. No seco, poeira; na chuva, barro e escorregões. Valetas se abriam com as enxurradas não só nas laterais, na frente das moradias, mas na própria rua. À noite, escuridão e tristeza.

Ônibus, de um lado só na Visconde de Mauá; do outro, na Rua Operários. Em um trecho da Domício da Gama passava o Jardim Europa. Não servia. Nunca soube se por lá havia algum jardim.     

Lá embaixo, a barroca. Um riozinho que vinha não sei de onde, malcheiroso por produtos químicos da laminadora e esgoto mesmo. Do lado direito tinha uma meia-água habitada por uma família que antigamente dizíamos “de cor”. Eu passava ali e ficava imaginando como era conviver com o odor, a falta de luz e o risco de enchente caso aquela água estranha transbordasse. Eu, ao menos, morava lá em cima, casa grande, de madeira, quintal grande onde se plantavam mandioca, milho, verduras e tinha um pé de limão e outro de mimosa.

Do outro lado, o Bar do Gaúcho. Ia lá comprar pão de água, quando acabava o feito em casa, e bananas embrulhadas em jornal cujas notícias de uma ou duas semanas atrás eu devorava avidamente. Depois, para a madrasta, também gaúcha e fiel às raízes, buscava maço de cigarro Farrapos, um dos mais baratos. Com os troquinhos com os quais ela generosamente me gratificava, maria-mole ou paçoquinha.

Cerca de 40 anos depois e há uns 10 ou 15, passei por lá. Meio envergonhado, fui “apresentar” à esposa a rua e a casa. Descemos de carro, lentamente, pirambeira abaixo. Nem tempo para reconhecer a vizinhança. Atenção total às eternas valetas. Haviam, é verdade, asfaltado um pedaço até mais ou menos onde ficava o bar, então, transformado em sobrado.

A casa lá no alto mudara para a frente, de alvenaria. Logo ali a Ricardo Wagner, asfalto em ligação alternativa entre Oficinas e o centro através da Silva Jardim. Buscas no Google me revelam que agora, 60 anos depois, parece que a civilização chegou por lá.

Então, tudo o que resta é uma velha cicatriz na alma. E não há mais razão de cantar Se essa rua fosse minha, eu mandava ladrilhar... Ou só cascalhar.

segunda-feira, 3 de junho de 2024

Se essa rua fosse minha

Texto de autoria de Ludo Santos, jornalista e bancário aposentado, natural de Ponta Grossa, residente em Curitiba.

A rua era curta. Rasgava o centro da cidade em apenas quatro quarteirões. Oficialmente, fora batizada de Coronel Cláudio, mas ninguém a chamava por esse nome a não ser em anúncios de rádio e TV, quando os locutores davam os endereços do Tuma e do Chamma, então os dois maiores supermercados de Ponta Grossa.

Para a maioria da população era conhecida como a rua da Estação, pois sua continuação terminava num beco próximo ao terminal da Rede Ferroviária, onde havia alguns hotéis suspeitos e à noite um trottoir mais suspeito ainda.

Para as mães do bairro pobre em que eu morava, era a rua dos Turcos, por conta das lojas de roupas simples e baratas que ali eram vendidas. Saíamos do Olarias sonhando com calça Lee e tênis All Star e voltávamos emburrados para casa com Brim Coringa e Conga. Estávamos em fase de crescimento e como o dinheiro era curto, tivemos de passar algumas primaveras por esse dissabor na hora de renovar o guarda-roupa.

Alguns filhos dos donos das lojas estudavam conosco no São Luís. Assim como nossas mães, erradamente chamávamos todos de turcos, mas na verdade a maioria era de descendência libanesa e havia um, vamos chamá-lo de Marquinhos, embora esse fosse realmente seu nome, cujos pais eram judeus. A convivência era pacífica, só quebrada quando explodiam escaramuças futebolísticas.

Numa manhã chuvosa de outubro de 1973, fui mandado à rua dos Turcos comprar um par de luvas para uma viagem. Lembro disso não porque tenha boa memória, mas porque estávamos nos preparativos para visitar Aparecida no seu dia, pagamento de uma promessa que minha mãe fizera.

 Depois de afrontar o mau tempo daquela manhã, cheguei à loja da família do Marquinhos e presenciei na entrada uma cena que me consternou.  O pai dele, cabelos brancos, mais de 100 quilos, chorava copiosamente abraçado ao turco magro, alto, nariz adunco, dono da loja ao lado. Eu nunca vira homem chorar, muito menos nos braços de outro homem.

À tarde, na sala de aula, perguntei ao Marquinhos o que havia acontecido. Ele me explicou que os dois, além de vizinhos, eram bons amigos, mas estavam rompendo a amizade por causa da guerra no Oriente Médio. Não entendi nada. Sim, havia ouvido falar da tal guerra no telejornal da TV Esplanada. Nomes como Sadat, Yom Kippur, Golda Meir, Sinai, apareciam diariamente na tela da nossa Semp, mas não conseguia atinar como aquilo podia se refletir na rua dos Turcos.

Vendo ultimamente o noticiário da TV, com o rosto sulcado e envelhecido, caminhei 50 anos para trás numa rua que não existe mais e da qual não tenho saudade. As velhas lojas receberam fachadas e vitrines modernas, coloridas. Há uma iluminação vintage, sem fios. O asfalto foi substituído pelo belo petit pavê para uso exclusivo de pedestre. Chamam-na agora de rua do Calçadão. É a rua mais bela da cidade. Se fosse minha, mandaria colocar um banco de madeira maciça para vasculhar minhas memórias, tomar sorvete da Polar e entalhar um nome no qual ficaria retido um pouco do amor adolescente à homenageada.

Uma janela para dois mundos

Texto de autoria de Newmara Martins de Oliveira Spitzner , Engenheira Civil, natural e residente em Ponta Grossa. A luz do alvorecer começ...