Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa.
Era uma manhã como outra
qualquer, ou pelo menos parecia. O Sol despontava tímido no horizonte, enquanto
eu dirigia pelas ruas ainda sonolentas rumo ao campus da UEPG. O rádio do
carro, meu companheiro fiel do trajeto solitário, tocava uma melodia suave
quando a voz do locutor, com ares de filosofia matinal, decretou: "Devemos
selecionar as ressacas pelas quais queremos passar, seja na bebida, nos
relacionamentos ou nas atitudes financeiras impulsivas."
Aquela frase, realmente
inteligente, me atingiu como um soco, daqueles que despertam a alma mais
adormecida. Imediatamente, minha mente viajou até Carlos Drummond de Andrade e a
epifania de seu famoso "José". "E agora, José? A festa acabou, a
luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?". Drummond sabia
como ninguém desnudar a ressaca existencial, aquela que vem quando as luzes da
euforia se apagam e somos confrontados com o vazio que restou.
Enquanto ainda não
chegava, fui tomada por uma reflexão inevitável. Quantas vezes as pessoas se
entregam ao hedonismo, buscando prazeres efêmeros, seja na comida, na bebida
alcoólica, nos vícios, no consumismo exacerbado, na sexualidade desmedida que,
no fim, lhes deixam apenas um gosto amargo? A sociedade moderna os empurra
constantemente para a busca do prazer imediato, para a satisfação a qualquer
custo. Mas a que preço?
Lembrei-me de Nelson
Rodrigues, mestre em desvelar as tragédias do cotidiano. Ele, com seu olhar
mordaz, veria nessas palavras do radialista uma verdade crua e irônica. "A
vida como ela é", dizia ele, não perdoa os que se rendem facilmente aos
caprichos do prazer sem pensar nas consequências.
Eu continuava dirigindo e
lembrei-me de um amigo que, em busca de aventuras amorosas, sacrificou um
casamento sólido. O brilho fugaz das noites de boemia acabou por apagar o calor
da companheira fiel, deixando-o só, com uma ressaca de arrependimento eterno.
Ao chegar ao campus,
estacionei o carro e concluí, que devemos ter coragem para dizer
"não" aos convites sedutores do prazer imediato e sabedoria para
compreender que a verdadeira felicidade reside na constância, no autocontrole e
na integridade.
Entrei no prédio com a
certeza de que precisamos, como José, antecipar as respostas de quando a festa
acaba e a luz se apaga. Precisamos escolher nossas ressacas com cuidado,
sabendo que elas moldam quem somos e que não sejamos nós aqueles que tenham que
responder: José, e agora?
E como está fácil deixarmos que a sedução amorteça aquilo que deveríamos chamar de liberdade verdadeira. Parabéns! Que bom eu ter visto sua publicação no Facebook. Acho que não chegou e-mail.
ResponderExcluir'Ressaca de arrependimento eterno', só os meros mortais têm, dizem. Será? Curti muito essa maneira de escrever da autora. Aprecio por demais que lê Nelson Rodrigues.
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