Texto de autoria de Wilson
Czerski, militar da Aeronáutica, escritor e jornalista aposentado, natural
de Ponta Grossa e residente em Curitiba.
Nem precisava ladrilhar, conforme a canção de ninar. Naquela época um bom cascalho já resolvia. Morei na Cesário Alvim cerca de oito anos, na década de 1960. Jardim Central. Nome afrontoso para o local. De jardim não tinha nada. Número 1121. Ou 121? Talvez nem um nem outro. A memória está embaçada. Mas era perto dos trilhos que separavam Olarias de Oficinas.
Da primeira para a segunda e para nós,
descia e depois subia. Como é fácil adivinhar, só terra. No seco, poeira; na
chuva, barro e escorregões. Valetas se abriam com as enxurradas não só nas
laterais, na frente das moradias, mas na própria rua. À noite, escuridão e
tristeza.
Ônibus,
de um lado só na Visconde de Mauá; do outro, na Rua Operários. Em um trecho da
Domício da Gama passava o Jardim Europa. Não servia. Nunca soube se por lá
havia algum jardim.
Lá
embaixo, a barroca. Um riozinho que vinha não sei de onde, malcheiroso por
produtos químicos da laminadora e esgoto mesmo. Do lado direito tinha uma
meia-água habitada por uma família que antigamente dizíamos “de cor”. Eu
passava ali e ficava imaginando como era conviver com o odor, a falta de luz e
o risco de enchente caso aquela água estranha transbordasse. Eu, ao menos, morava
lá em cima, casa grande, de madeira, quintal grande onde se plantavam mandioca,
milho, verduras e tinha um pé de limão e outro de mimosa.
Do
outro lado, o Bar do Gaúcho. Ia lá comprar pão de água, quando acabava o feito
em casa, e bananas embrulhadas em jornal cujas notícias de uma ou duas semanas
atrás eu devorava avidamente. Depois, para a madrasta, também gaúcha e fiel às
raízes, buscava maço de cigarro Farrapos, um dos mais baratos. Com os
troquinhos com os quais ela generosamente me gratificava, maria-mole ou
paçoquinha.
Cerca
de 40 anos depois e há uns 10 ou 15, passei por lá. Meio envergonhado, fui
“apresentar” à esposa a rua e a casa. Descemos de carro, lentamente, pirambeira
abaixo. Nem tempo para reconhecer a vizinhança. Atenção total às eternas valetas.
Haviam, é verdade, asfaltado um pedaço até mais ou menos onde ficava o bar, então,
transformado em sobrado.
A casa
lá no alto mudara para a frente, de alvenaria. Logo ali a Ricardo Wagner,
asfalto em ligação alternativa entre Oficinas e o centro através da Silva
Jardim. Buscas no Google me revelam que agora, 60 anos depois, parece
que a civilização chegou por lá.
Então,
tudo o que resta é uma velha cicatriz na alma. E não há mais razão de cantar Se
essa rua fosse minha, eu mandava ladrilhar... Ou só cascalhar.
Que belo texto, Wilson! Cheio de lembranças que ficaram gravadas em sua memória. Um retrato do passado que aos poucos está sendo modificado.
ResponderExcluirEsta rua, que era minha, /já mandaram ladrilhar; não restou uma palminha/do cascalho, para amar.
ResponderExcluirEsta rua, que era minha, /já mandaram ladrilhar; /não restou uma palminha/ do cascalho, para amar. (arrumando os versos da trova).
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ResponderExcluirBela crônica, Wilson! Também tenho essa cicatriz na alma. Parabéns! Ludo.