Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, professora aposentada, residente em Ponta Grossa.
Do lado ímpar de uma rua do Bairro Colônia Dona
Luíza, fui vizinha de uma família de alemães cuja descendência tinha raízes no
Volga. Construída em madeira há décadas,
sobreviveu ao tempo, pela manutenção razoável. Flores e arbustos escondiam
tábuas corroídas pelo tempo e pelos insaciáveis cupins que se multiplicavam. O
terreno era cercado por ripas largas e grudentas do óleo queimado com o qual
foram pintadas. O portão permanecia encimado por um arco entrelaçado de
pequenas rosas e seus espinhos pontiagudos.
Que histórias essa casa poderia contar sobre seus
jovens anos, sobre a família de seus primeiros moradores? Em épocas de escassez
tiveram dificuldades para criar os filhos, alimentá-los e dar-lhes estudo.
Enfrentaram a epidemia da gripe asiática no final dos anos 50, mãe e filho
acometidos por ela. Febre e geada andando juntas, a caminho da farmácia no
amanhecer gelado. Nos festejos de fim de ano, a animação, fartura de comida e
bebida eram habituais. Às vezes alguém passava do ponto, dava vexame, sentava
sobre os copos, quebrava alguns e desejava aos parentes, com a língua enrolada
“Boas Entradas”! “Prost”!
Toda aquela gente foi saindo de lá aos poucos para
trabalhar ou morar fora, estudar em cidades com maior potencial de crescimento,
os filhos se casaram e foram embora. Os que cumpriram seu tempo de permanência
neste planeta estão em sua última morada num jazigo do Cemitério São José, mas
algo estranho acontece durante a noite. Alguém continua vivendo lá! Não é de
carne e osso. Um fantasma vive no forro de madeira daquela edificação antiga.
Ele joga bolinha de gude de madrugada sobre o forro. Cada família que alugava a
casa tentava afugentar o indesejado, porém o fantasma insistia em manter-se no
mesmo endereço enxotando os inquilinos. As bolinhas corriam pelo forro em toda
sua extensão e batiam contra uma viga. Dali rolavam pela parede tocando o piso
num ruído incessante. Recomeçava o jogo... Na Vila Hilda do Henrique Thielen
havia algo semelhante que até hoje se comenta.
Durante o dia a vida parecia normal, as janelas se
abriam expondo cortinas brancas de renda, um cão preguiçoso desfilava
vagarosamente pelo espaço ou dormia sobre o tapete convidativo: Bem-vindo. À
noite, o breu da escuridão apoderava-se de tudo e o único sinal de vida ou de
morte era o som das bolinhas de gude no teto de madeira da velha casa alemã,
até o raiar de um novo dia.
Muito legal, Sueli. Essa história me lembrou umas tantas noites em que eu acordava com um ruído que parecia de uma bolinha quicando: a cadência da quicada ia diminuindo até parar. E se repetia noite após noite. Já escrevi sobre, também. Vou encontrar o texto, e você vai rir com a "apuração" do mistério.
ResponderExcluirÉ arrepiante! Eu não ficaria numa casa mal assombrada como essas!
ResponderExcluirDeliciosa história, Sueli. Amo fantasmas também!!!
ResponderExcluirAchou deliciosa? Ama fantasmas? Crendios pai, como dizem os ponta-grossenses. rsrs
ResponderExcluirUau! E há quem duvide de tudo isso! Como bom contador de histórias, viajei plenamente na narrativa!
ResponderExcluirEu não duvido. Me agrada muito saber que gostou da narrativa. Gratidão, ANÔNIMO! Volte sempre.
ResponderExcluir