segunda-feira, 20 de novembro de 2023

A Barca

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa.

Postado no Portal CulturAção em 28/11/2023, no Portal aRede em 16/01/2024, e publicado no Diário dos Campos em 22/11/2023.

Como bom canceriano, não creio em signos, fluídos, simpatias, energias, unicórnios, horóscopo, destino, karmas, shakras, sortes, figas, sinas e, como sabem todos os que estão na mesma barca, o não acreditar também é uma prisão. Ainda assim, na hierarquia dos esoterismos que abusam de nossa boa-fé, nenhum dos citados rivaliza com certos outros que nos rondam para atacar nos momentos mais inconvenientes.

Há alguns dias, levantei os olhos do chopp para escutar um sujeito que se aproximou oferecendo uma oportunidade única. Tratava-se de uma oferta, na verdade uma embrulhada dos diabos, que envolvia aquisição de Bitcoins (melhor, criptomoedas, sorry, Faria Lima), associada à construção de imóveis que integram um conjunto habitacional que supostamente está saindo nos arrabaldes da cidade. Depois de perguntar o que faço da vida e ouvir de mim que sou engenheiro civil (tenho uma cascata para cada situação dessas, geralmente digo professor de artes, mas resolvi dar corda), disse-me que, “como eu sei”, nossa cidade possui um potencial infinito para o crescimento imobiliário, viabilizando consecução tranquila das expectativas de rendimento. Citou estatísticas de alvarás, construções e edificações liberados pela Administração Municipal, números que posteriormente verifiquei serem autênticos, conforme noticiado pela imprensa local, o que me levou a vê-lo até com alguma simpatia; o mercado do estelionato é competitivo e demanda capacitação continuada.

Lendo as metas que ele rabiscou no guardanapo, confesso, foi difícil manter o semblante neutro de investidor. Em matéria de matemática estou para lá da ignorância, mas, pelas contas que fiz rapidamente, em dez anos, conforme o perfil aplicador moderado (porque ganância é um hábito feio, mas, ainda assim, com possibilidade de a economia andar melhor que o previsto, propiciando retornos ainda maiores) eu lucraria cerca de 10 vezes o PIB brasileiro. Cidade promissora, o nosso Eldorado princesino. Os contadores me aguardem.

Firmei compromisso de fechar negócio no próximo dia útil, dei “meu” telefone (na verdade, o do meu compadre Luiz Felipe, que é engenheiro mesmo e, por morar em outra cidade e não ler estas páginas, vai continuar sem entender por que tantos golpistas o procuram) e meu anjo benfeitor foi embora de passinho curto, sorriso de quem roubou mais uma alma para o Pregão dos trambiqueiros.

Que as procure na próxima barca

11 comentários:

  1. Oi, Murilo. Também acredito que o mercado do estelionato é competitivo e demanda capacitação continuada. Os que são do bem têm que correr para acompanhar os novos métodos cada vez mais sofisticados deles e não serem prejudicados. Neste caso só falta acertar com o compadre. Hehehe

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    1. Pois olhe, Sueli, eu prego essa peça sem peso na consciência nem medo de dar errado, pq o amigo é até mais pé atrás do que eu para essas façanhas da fauna dos estelionatários kkkk

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  2. De mim não tiram nada, porque não tenho... Apenas ganho me divertindo com Sua Excelência, o texto de Luiz Murilo Ramalho. Peripécias encantadoras!!!

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  3. Olá sr. Luiz, espero que estejas tudo bem contigo.
    Agradeço a "resenha" via sua crônica. Quase morri com essa de passar o contato do compadre! Vou adotar...
    Coitado do meu, pois só tenho um - Toda "barca" de agora em diante, irá para ele (hehehe).
    Mais uma vez obrigado;
    abraço!
    At.te
    Antonio Marques.

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    1. Apenas convém fazer um estudo de caso no compadre para verificar se não tem risco de ele aderir! Abraço, Antonio!

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  4. Belo texto, Luiz. E muito esperto seu amigo. Depois me conta de seus lucros!!! kkkk

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  5. Um ótimo texto!
    Teu compadre vai ficar bilionário! Hahaha!

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  6. Nesse caso, vou querer a taxa de corretagem hehe

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