segunda-feira, 24 de julho de 2023

Sobre sogras e pastéis

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa.

Publicado no Diário dos Campos em 26/07/2023.

Quem me contou essa comovente crônica familiar autorizou a sua publicação e até pediu que fossem dados os nomes, mas nesse ponto não pude atendê-la devido à delicadeza do tema “sogra”, como se verá.

Sucedia que ela, a sogra, era das mais arrojadas cozinheiras de seu tempo nos Campos Gerais e a todos que cruzassem seu caminho não perdoava, antes lhes infligia doces e salgados em quantidade que incrementava com força o pecado da gula e fazia tremerem os fundos dos infernos.

Até aí, tudo bem, não fosse que nossa personagem, prestes a casar com o filho único da santa senhora em questão, já não tolerava mais sentar à sua mesa e passar pelo périplo de tamanha diversidade de pratos. E, para maior açoite de sua consciência, quanto mais enjoava, mais o destino prodigalizava oportunidades para naquela casa se servir, já que a sogra morava pertinho de seu trabalho e fazia questão de que lá almoçasse todos os dias.

O educado leitor e a educada leitora – principalmente se tiverem filhos marmanjos – devem estar achando absurdo que a indivídua (inventei essa palavra porque soa pejorativa) comendo em abundância, com qualidade e gratuitamente, ainda fizesse desfeita. Sei disso e concordo, ela também sabia e sofria muito, é a vida.

Mas havia esperança. Como sabem os habitantes de Ponta Grossa e adjacências, por aqui multiplicam-se festividades religiosas para as quais contribuem, com sua experiência e talento, exércitos de senhoras e senhores geniais em tudo que se asse, frite e cozinhe para comer. Veio a festa da Igreja do Sa... melhor não dizer o santo, e a nossa heroína, que já passara da calça 42 para 38 e de olho no simples, porém elevado nível gastronômico dos pastéis lá servidos, viu a chance de comer uma coisinha diferente, mesmo porque era boa de garfo, essa questão de refeição de sogra é que a traumatizava um pouco.

No almejado dia, encarando o pastel de cenho franzido como quem contempla no longe uma glória duramente buscada, ela mastigou a massa e, para seu desalento, descobriu que sogras (é duro dizer, pois particularmente sempre gostei das minhas, mas é verdade) nos encontram por caminhos sorrateiros e imprevisíveis. É que essa em específico, além de ótima cozinheira e boa parenta, era também devotada fiel da paróquia, a cuja cozinha se dedicava com amor e fúria em eventos tais, tanto que seu pastel foi a iguaria mais vendida naquele ano e levantou recursos surpreendentes para a Santa Madre.

Como eu disse, é a vida. O casamento, pelo menos, deu certo.

3 comentários:

  1. Excelente, Luiz Murilo! Sou sua fã de carteirinha. Você escreve muito bem, ótimo vocabulário e ainda inventa outros vocábulos como "individua". Parabéns!!

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  2. Ô vontade de comer esse pastel de sogra! Violentamente pecaminoso, por isso mesmo delicioso, seu texto! Parabéns!

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