terça-feira, 20 de abril de 2021

Divagando

 Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, Professora aposentada, Ponta Grossa.

 Lida na rádio CBN Ponta Grossa em 23/04/2021, publicada no Correio Carambeiense em 24/04/2021 e no Diário dos Campos em 05/05/2021, postada no Portal D'Ponta News em 06/05/2021 e no Portal aRede em 12/05/2021.

Fim de festa no clube campestre. As luzes começam a apagar-se. Somente a lua cheia ilumina fracamente as mesas onde há pouco houvera uma comemoração. O silêncio impera, os convidados se foram. Toalhas de linho branco usadas em eventos especiais refletem a luz da lua, pratos com resquícios do que foi servido, algumas taças de vinho tombadas sobre as toalhas, pingos do líquido roxo a manchá-las de rosado. A piscina silenciosa adornando o cenário parece alheia ao que acontece. Tocados pela brisa, objetos infláveis balançam suavemente na água azul, da piscina do Verde.

Tiro o paletó, deixo a gravata mais frouxa, e me sirvo de mais uma taça de vinho. Vou degustando-o lentamente, sozinho com meus pensamentos. Sobre a mesa um saca-rolhas, objeto de utilidade única. Tomo-o nas mãos e passo a analisá-lo, entre um gole e outro, observando seus detalhes aos quais nunca havia dado importância. Uma alça para apoiar a mão com firmeza e uma sucessão de curvas, como uma serpentina, até a ponta aguda e cortante. As ranhuras do saca-rolhas se engancham na cortiça da rolha e arrancam-na como um fórceps. Gritos de alegria, taças ao alto e vivas a algum fato que se esteja comemorando.

O vinho é uma bebida socialmente aceita por homens e mulheres. Ao redor da mesa num almoço familiar o vinho acompanha a tradicional macarronada. Se alguém chama para uma pizza é comum que um convidado chegue com uma garrafa do indefectível líquido. Por sua cor intensa o vinho denota paixão, é um elemento de sedução e de conquista. Fatalmente estará na taça de alguém que se embriague de amor e se desiluda com ele. Baco, deus do vinho, foi o primeiro a sentir o sabor da bebida feita com a uva cruelmente amassada e depois fermentada.

Continuo manipulando o objeto e lembro da música de Roberto Carlos sobre as curvas da estrada de Santos. Quase uma analogia a um saca-rolhas. Como voam meus pensamentos! Passam pela Chácara Sozim, produtora de uvas, de suco e de vinho coloniais, usando técnica artesanal herdada dos antepassados. Pelas parreiras com enormes cachos trapezistas. Pela Fesuva, nossa tradicional festa anual da uva que busca fomentar a produção familiar da fruta. Pelas delícias comercializadas numa feira organizada pela cidade.

Minha taça está vazia e a alma leve. O sol pede licença para assumir seu turno enviando os primeiros raios dourados. Carrego meu paletó num ombro só e caminho pela rua deserta em direção ao centro de Ponta Grossa.

10 comentários:

  1. Marlene Castanho

    Olha eu aqui, de taça em punho... Tintim a Baco! Tintim às uvas e seus produtores! Obrigada ao Vinho kkk e...,tintim, Sueli Maria, e obrigada por compartilhar aqui conosco a sua crônica "Divagando".

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  2. Um brinde a você, Marlene! Obrigada por estar sempre aqui com seus comentários positivos.

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  3. Belíssima crônica! Interessante que o personagem que divaga ficou só, a festa acabou, todos foram embora menos ele que aproveita o último vinho da noite. E nessa divagação toda apresenta a nossa feira da uva com todas suas goloseimas e frutos, tão ricos em significados. Adorei ler sua crônica e rememorar a festa da uva. Parabéns Sueli, grande autora. Um abraço e até outras histórias!!!

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  4. Belíssima crônica! Interessante que o personagem que divaga ficou só, a festa acabou, todos foram embora menos ele que aproveita o último vinho da noite. E nessa divagação toda apresenta a nossa feira da uva com todas suas goloseimas e frutos, tão ricos em significados. Adorei ler sua crônica e rememorar a festa da uva. Parabéns Sueli, grande autora. Um abraço do Luis Fernando e da Regina, e até outras histórias!!!

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    1. Até outras histórias!! Continuo produzindo e quiçá nos encontremos novamente aqui.

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  5. Sueli, parabéns pela sensibilidade e excelente produção desta crônica! Um brinde ao seu talento, com o melhor vinho!



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    1. Vamos trocando carinhos uma no trabalho da outra e isto é enriquecedor. Leio seus textos e aprecio sua criatividade.

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  6. Este texto foi lido por vários amigos que não deixaram seu comentário registrado mas que gentilmente o fizeram através de canais alternativos. Agradeço à Cristina, Priscila, Marizete, André e Gicele.

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  7. Sensacional, você usou um narrador masculino!! Suas crônicas sempre me encantam, suas palavras me fazem ver o que está contando. Parabéns, querida tia!

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  8. Segundo um leitor, um homem elegante e de bom gosto. Imaginário de cada um. Obrigada pelo carinhoso feed back.

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