segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Café em copo americano tem gosto de corrimão de casa de polaco

 

Texto de autoria de Aline Sviatowski, estudante, Ponta Grossa.

Postado no Portal aRede em 23/12/2020, publicado no Diário dos Campos em 27/01/2021.

A casa de madeira, em meio à selva paranaense de sobreviventes araucárias, exalava odores com notas amadeiradas e ecoava os sons do ovo que espirrava ao ser frito. Um gavião gritava na janela acima do telhado. Assim como gritava em torno da casa há intermináveis três horas.

A acústica da casa de madeira deixava o “canto” impregnar todas as paredes e estremecer os sonhos dos moradores. O segundo andar da casa sempre era, ainda, inundado pelos cheiros alimentícios de temperos abrasileirados; mas, principalmente, de alho e cebola. Refogados no óleo quente, até que transparentes e dourados estivessem prontos para fundirem seus aromas nos sabores.

Em casa de polaco, tudo tem: passarinho disputando terreno consigo mesmo, cachorro latindo para formiga, formiga roubando as últimas migalhas, repolho colhido da horta do vizinho e café com gosto de “pão-chinelo”, ou no mínimo, de corrimão.

Sofia descia as escadas, encantada pelos cheiros. O disco de vinil rodava rangendo e cantando. As tábuas do chão resmungavam ante os passos.

A casa vibrava os sons do dia nascente, uma canção antiga gravada na superfície do long play e anedotas sobre acontecimentos triviais. Ela também absorvia o cotidiano. O subir e descer constantes da escadaria ficavam, então, gravados no corrimão. Assim como os sons, no vinil. O movimento, na madeira. Também o café, moído recentemente, absorvia toda a atmosfera sempre viva de uma casa interiorana de descendentes poloneses.

Barulho oco de copo de vidro batendo levemente na superfície da mesa. Os dedos de Sofia envolvem o copo americano, que é preenchido com café puro. Simultaneamente, o ovo frito pula para o seu prato de sobremesa (que anarquicamente é utilizado para todo tipo de refeição). Gema dura, como sempre. Os olhos? Fechados, para degustar o gosto de corrimão: piadas constantes, resmungos de braveza diante da fome, cansaço de um dia laborioso, beijo da sobrinha, lambida de cachorro, cheiros vindos do forno, briga de irmãos, sapo na varanda, “chinelada” de mãe, manhã de Natal.

Nada é mais brasileiro do que um copo americano, repleto de histórias miscigenadas.

2 comentários:

  1. Marlene Castanho

    É desse jeito mesmo, Aline. KKK. A miscigenação por aqui é notória. E graças a essa diversidade cultural, somos um povo privilegiado: talvez mais compreensivos e amistosos... E, como bem frisou no texto, não há como ignorar essa porção generosa do hábito e do gosto polonês incorporados no nosso "cardapio" do dia a dia...

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  2. Mais um delicioso texto que desce redondinho como o café no copo americano para um polaco. Esse hábito já é cultivado entre nós, no interior e nas periferias dos grandes centros urbanos. Quem nunca tomou um café num copo americano nas rodoviárias e lanchonetes das estradas da vida? Pingado com leite ameniza o gosto de corrimão. Parabéns, Aline!

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