segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Amor ucraniano

 

Texto de autoria de Aline Sviatowski, estudante, Ponta Grossa.

Publicado no Correio Carambeiense em 10/10/2020 e no Diário dos Campos em 14/10/2020, postado no Portal aRede em 10/12/2020, lida na CBN Ponta Grossa em 23/12/2020.

Chegava o Circo Rivero aos Campos Gerais em 1935. Com a prerrogativa de transformar dilacerantes lembranças em sorrisos, lamentos em gargalhadas, Michel (o trapezista) tinha um sonho que concretizava todas as vezes que desafiava a pungente gravidade a alguns metros do chão, voando entre cordas. Mesmo nas atividades administrativas, sentia-se realizado. Fugira da Ucrânia cinco anos atrás, abandonando língua, costumes e amores. Sua alma repleta de cicatrizes e perdas buscava na euforia da plateia remédio para sua dor.

Francisca, 19 anos. Noiva há sete meses. Havia acordado naquela manhã primaveril de 1935 com estranha alegria pairando juntamente ao aroma de café recentemente coado. Colheu flores amarelas no campo. Levou-as até seu trabalho, na Padaria Glória. Entre comentários dos clientes, soubera da novidade: um circo argentino chegou à cidade. Animou-se e pensou no circo durante todo o dia. Trigo, ovos. Sova o pão. Deixa crescer. Abre a massa. Sua imaginação era acariciada por suaves promessas de diversão enquanto cumpria suas funções, planejou levar sua irmã mais nova. Voltou ao balcão para a venda de suas deliciosas panificações.

Seis e meia da tarde. O sol já havia deitado atrás das colinas verdes e macias, dando lentamente vez às estrelas. Fila. O vestido florido de Chica somado aos brilhos de seus olhos repletos de expectativa destacavam-se na multidão. “Buenas noches”. Chica somente sorriu, timidamente. Como flor simples, que entre capins arredios atreve-se a florescer; atrevida alegria inundava o íntimo de Michel.

Foi necessário um tímido sorriso que transbordava o que habitava em Chica, uma alma florida, para que toda a Primavera brotasse em Michel. Com a Primavera, vinham as borboletas. Seriam as borboletas as responsáveis por emudecer a razão?

Michel imantado pelo magnetismo de Chica, acompanhou com seu olhar todos os gestos doces da jovem alemã. Chica, por sua vez, não tão timidamente, observava-o quando sabia-se não vista – capacidade de dissimulação inata às mulheres.

Findo o espetáculo, as centenas de palmas ecoavam na mente de Michel como tambores que rufam ao antevir do toque da amada. Trocou-se rapidamente para outros “buenas noches” oferecer à Chica. Mas ofereceu-a uma fuga à Argentina.

Na manhã seguinte, Michel apareceu na padaria antes mesmo do amanhecer para buscar Chica. E os Campos Gerais foram palco do começo desse amor ucraniano, um pouco “porteño” e que durou uma vida. Tudo por um “boa noite” e um sorriso.

2 comentários:

  1. Marlene Castanho

    Aline, que bom que esses encontros assim, inesperados, acontecem. Isso confirma a tese: para o amor, ou, quem sabe uma paixão, não existem fronteiras...

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  2. Boa noite, minha vó Neusi gostou muito do seu conteúdo, ela era filha de Otto Ewy, que trabalhou nessa confeitaria, padaria Gloria, ela tem certeza que se o seu pai fosse vivo lembraria desse acontecimento. Foi lá que ele aprendeu a fazer doces e bolachas e conseguiu criar sua própria empresa, a Empadinhas Otto. Texto muito lindo!

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