Texto de autoria de Eduardo Pauliki Solek Ferreira, acadêmico de Direito da UEPG, Ponta Grossa.
Publicado no Diário dos Campos em 30/09/2020 3 no Correio Carambeiense em 03/10/2020, postado no Portal aRede em 21/10/2020, lido na CBN Ponta Grossa em 04/11/2020.
Carpinteiro,
dona de casa, empresário, professoras, escriturário, vigilante, vendedor de
assados e estudante de ciências jurídicas. Eis uma autêntica morada
intergeracional. Orações, risadas, intrigas, lágrimas, novelas, pó e
cupim. Subsistindo setenta e cinco anos,
bastou pouco mais de uma semana para desmanchá-la. As telhas quando retiradas esfarelavam-se
como paçoca nas mãos de uma criança agitada. As tábuas de madeira eram o
esconderijo perfeito dos temidos aracnídeos. O que dizer dos pregos? A ferrugem
já os infestava pela falta de proteção em seu romance incessante com a umidade
dali.
Quando
os três mosqueteiros (Altivir, Edson e João) empreenderam esforços à remoção do
teto, seu ajudante deparou-se com uma dicotomia poética: o que associar? “Era uma
casa muito engraçada, não tinha teto não tinha nada” do poetinha, ou o desejo
mágico de perseguir a noite para ser “capaz de ouvir e de entender estrelas” do
príncipe? Quiçá sejam ambas as coisas. Durante movimentos precisos que cada
obreiro fazia, as lembranças tornavam-se cada vez mais imateriais. Janelas
haviam sido deslocadas, portas eram compelidas a beijar o chão, e um exército
de variados insetos alvoroçava por toda parte do terreno. O refúgio do
ucraniano que atravessou o Atlântico agora desaparecia sobre o solo da Vilela.
Só que a autoria não vinha do impiedoso Kremlin.
Aliás, agora era um bom propósito. O filho do imigrante novamente intervinha heroicamente
em prol do bem-estar de seus consanguíneos.
Aos
que ali na vez habitavam, mãos lhes foram estendidas antes da queda. Outra
sucessora do DNA eslavo cedia o espaço de suas intimidades para que pudessem
gozar de um alojamento seguro. Num mundo repleto de corações envenenados e
portadores da síndrome de narciso, talvez não seja à toa que o documento mais
importante do país afirma: “A família, base da sociedade...”. Ainda que
gerações passem, lares sejam desmanchados, tecnologias venham, só a família
permanece. Não só permanece como faz uma de muitas pequenas Kievs em sublimação nos Campos Gerais ganharem
uma leitura solidária e abundante de esperança.
Aos
irmãos Jeroslau e Maria Antônia, uma mensagem deste cronista: o vapor da antiga
morada já foi recepcionado pela atmosfera. E sabe quem estava lá para guardá-la
celestialmente? O imigrante de Kiev!
Marlene Castanho
ResponderExcluirO estilo da casa, até certo ponto, foi o alento e o remédio... Mas a medida que o tempo foi passando aquele apego exacerbado foi perdendo espaço com outros encantos. E deu no que deu: A casa já era... Mas uma herança muito maior ficou, está por aí, visível, em nosso convívio. Nossa Miscegenação, ímpar e tão robusta, tem uma porção do seu DNA. Eu tiro o meu chapéu para o imigrante de Kiev e para o autor da crônica. Parabéns, Eduardo!