segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Gansos são cães de polacos

 

Texto de autoria de Aline Sviatowski, estudante, Ponta Grossa.

Publicado no Diário dos Campos em 22/09/2020, postado no Portal aRede em 11/11/2020, lido na CBN Ponta Grossa em 04/12/2020.

Nas proximidades da antiga Colônia Cecília, de passado anarquista, a tranquilidade de hoje não reflete o sistema proposto no passado. Algumas anarquias perduram, porém. Enquanto a aparente calma das relações humanas impera, algumas outras relações animais mantêm-se conturbadas.

O menino caminhava distraído pelas ruas de Palmeira, como habitualmente fazia entre as seis e as sete da manhã. Quando, ao aproximar-se da residência de um caro amigo, escuta certo estralo que o faz parar. Um desses estralos que outorgam o fim. O cessar da vida. Estralo que deixa atônito o menino, que é ouvinte despreparado para os sons da vida rural.

Acena ao amigo com a cabeça. Estampava certo horror (consequência da presença imponente da Morte) e, não obstante, estampava profunda simpatia pelo amigo polonês. Alguns momentos depois, o menino é positivamente surpreendido com um “a janta está garantida, amigo! Vem saborear uma galinha caipira mais tarde”. Após combinados os detalhes, seguiu com a sua caminhada dando vazão ao fluxo de pensamentos filosóficos. “Ao menos foi uma vida plena: pondo vários ovos, ciscando livremente e enchendo o papo a bel-prazer. Embora plena, foi uma vida marcada pela imposição de alimentar-nos”.

A brisa gelada de uma manhã setembrina, que intercalava suspiros invernais com nascentes paisagens primaveris, o fez apertar mais o casaco e esconder os braços dentro das mangas. Colocou o braço esquerdo dentro da manga direita, o braço direito dentro da manga esquerda; como se abraçasse a si mesmo. Cobriu qualquer fragmento de epiderme com maestria.

A morte da galinha e o frio perseguiram o menino no transcorrer do dia. “Um amigo tão gentil, com mãos cheias de sangue. Mas que depois transformaria a pobre ave em deliciosa obra gastronômica para saborearmos juntos o momento”. Eram ironias impossíveis de desconsiderar: previsão de calor, mas frio. Morte, mas vida.

Sete da noite e o menino aproximava-se da casa do amigo. Foi novamente surpreendido, mas agora por Donald, Frederico e Chaves. Bicavam-no, em saudação, ao saírem de suas casas semelhantes às de cachorros. Seu amigo alertou: “cuidado com os gansos, são heranças de família!”. Enfim, a anarquia dos domésticos.

3 comentários:

  1. Marlene Castanho

    A simplicidade algumas vezes chega disfarçada..., com segundas intenções. A princípio era um relato cotidiano simples..., mas no decorrer da leitura, quando me dei conta do 7 de Setembro,Semana da Pátria, desmatamento e coisa e tal, o texto se encorpou... E assim como aquele menino, fico também desconfiada com a petulância dos "gansos". Enfim, o texto é muito bom... Parabéns, Aline!

    ResponderExcluir
  2. Meus cumprimentos, Aline, por tão bonita crônica! Gosto da maneira como você "amarra" os elementos da narrativa tornando a leitura muito agradável. Os gansos metem medo mas o que me impactou mais foi o estalo do pescoço da galinha, ao quebrar-se. Me arrepiei!

    ResponderExcluir
  3. Aline! O sete amarrando o começo e o fim, o contraponto norteando sensações, esse mas desnorteando a frase, o estralo, ah!, o estralo ouvido/sentido nesses sete de setembro!

    ResponderExcluir

Pedimos aos leitores do blog que desejem fazer comentários que se identifiquem, para que os autores conheçam sua origem.

Heróis não morrem, são apenas esquecidos

Texto de autoria de Reinaldo Afonso Mayer , professor Universitário aposentado, Especialista em Informática e Mestre em Educação pela UEPG, ...