Texto de autoria de Aline Sviatowski, estudante, Ponta Grossa.
Publicado no Diário dos Campos em 22/09/2020, postado no Portal aRede em 11/11/2020, lido na CBN Ponta Grossa em 04/12/2020.
Nas proximidades da antiga Colônia Cecília,
de passado anarquista, a tranquilidade de hoje não reflete o sistema proposto
no passado. Algumas anarquias perduram, porém. Enquanto a aparente calma das
relações humanas impera, algumas outras relações animais mantêm-se conturbadas.
O menino caminhava distraído pelas ruas de
Palmeira, como habitualmente fazia entre as seis e as sete da manhã. Quando, ao
aproximar-se da residência de um caro amigo, escuta certo estralo que o faz
parar. Um desses estralos que outorgam o fim. O cessar da vida. Estralo que
deixa atônito o menino, que é ouvinte despreparado para os sons da vida rural.
Acena ao amigo com a cabeça. Estampava
certo horror (consequência da presença imponente da Morte) e, não obstante,
estampava profunda simpatia pelo amigo polonês. Alguns momentos depois, o menino é positivamente surpreendido com um “a janta está
garantida, amigo! Vem saborear uma galinha caipira mais tarde”. Após combinados
os detalhes, seguiu com a sua caminhada dando vazão ao fluxo de pensamentos
filosóficos. “Ao menos foi uma vida plena: pondo vários ovos, ciscando
livremente e enchendo o papo a bel-prazer. Embora plena, foi uma vida marcada
pela imposição de alimentar-nos”.
A brisa gelada de uma manhã setembrina, que
intercalava suspiros invernais com nascentes paisagens primaveris, o fez
apertar mais o casaco e esconder os braços dentro das mangas. Colocou o braço
esquerdo dentro da manga direita, o braço direito dentro da manga esquerda;
como se abraçasse a si mesmo. Cobriu qualquer fragmento de epiderme com
maestria.
A morte da galinha e o frio perseguiram o
menino no transcorrer do dia. “Um amigo tão gentil, com mãos cheias de sangue.
Mas que depois transformaria a pobre ave em deliciosa obra gastronômica para
saborearmos juntos o momento”. Eram ironias impossíveis de desconsiderar:
previsão de calor, mas frio. Morte, mas vida.
Sete
da noite e o menino aproximava-se da casa do amigo. Foi novamente surpreendido,
mas agora por Donald, Frederico e Chaves. Bicavam-no, em saudação, ao saírem de
suas casas semelhantes às de cachorros. Seu amigo alertou: “cuidado com os
gansos, são heranças de família!”. Enfim, a anarquia dos domésticos.
Marlene Castanho
ResponderExcluirA simplicidade algumas vezes chega disfarçada..., com segundas intenções. A princípio era um relato cotidiano simples..., mas no decorrer da leitura, quando me dei conta do 7 de Setembro,Semana da Pátria, desmatamento e coisa e tal, o texto se encorpou... E assim como aquele menino, fico também desconfiada com a petulância dos "gansos". Enfim, o texto é muito bom... Parabéns, Aline!
Meus cumprimentos, Aline, por tão bonita crônica! Gosto da maneira como você "amarra" os elementos da narrativa tornando a leitura muito agradável. Os gansos metem medo mas o que me impactou mais foi o estalo do pescoço da galinha, ao quebrar-se. Me arrepiei!
ResponderExcluirAline! O sete amarrando o começo e o fim, o contraponto norteando sensações, esse mas desnorteando a frase, o estralo, ah!, o estralo ouvido/sentido nesses sete de setembro!
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