Lida na CBN Ponta Grossa em 26/05/2020, postado no Portal aRede em 03/06/2020.
Mal
tinha amanhecido o dia quando o trem saiu de Itararé com destino a Ponta
Grossa. Era a segunda etapa de uma viagem que me levaria pela primeira vez ao
Sul do Brasil.
Sempre
gostei de viajar, conhecia todos os estados do Nordeste, e não só as áreas
“turísticas”, mas principalmente o Sertão. Não foi à toa que estudei Geografia.
Queria conhecer o Brasil todo, o Brasil profundo principalmente, mas
estranhamente a região Sul não me era muito atrativa.
Já
viajara também pelo Centro-Oeste, um pedacinho da Amazônia, mas o Sul nunca fora
visitado por mim. Motivo? Achava que encontraria tudo certinho, gente certinha,
cada coisa em seu lugar. Tudo muito normal. E o “normal” não me atraía.
Mas
tinha que ir à região. Sabia dos seus atrativos, li sobre sua História, a
guerra guaranítica, seu líder Sepé Tiaraju, a Guerra do Contestado, a saga de
Giuseppe e Anita Garibaldi, o tropeirismo que usava os Campos Gerais do Paraná
como base antes de chegar ao sul paulista, o caminho do Peabiru, muitas
histórias... E as belezas naturais – o Paraná tem muitas, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul também... Mas eu achava que encontraria tudo organizado demais, algo
não atraente para meu espírito simpatizante do anarquismo.
Porém,
quando criança, diante de um mapa do Brasil, me propus: vou conhecer todos os
estados. E queria cumprir isso.
O “estalo”
foi o sucateamento das ferrovias, em franco progresso. Mineiro gosta de viajar
de trem, e eu sou mineiro. Precisava aproveitar antes que acabasse. Então fui
viajando por onde ainda existiam trens de passageiros. Nessa viagem, fui de São
Paulo a Itararé, de lá a Ponta Grossa e dali seguiria para o Sul.
Bom...
A bordo do trem que se aproximava de Sengés, seguia pensando no meu preconceito
contra coisas muito organizadas, que eu classificava como “Sul”. E de repente,
no meio do nada, ele parou. Começou a demorar para sair de novo e pensei: “Xi,
até aqui no Sul organizado as ferrovias já estão precárias?”
Uns vinte
minutos depois, curioso para saber o que estava acontecendo, olhei pela janela
e ao lado passaram de volta o maquinista e o sujeito encarregado de conferir as
passagens. Traziam maços de agrião embaixo dos braços. O maquinista, vendo a
minha cara de curiosidade, contou que havia parado para roubar um pouco de
agrião numa plantação que ele sabia que havia um pouco
abaixo.
“O
Sul não é tão ‘Sul’ assim”, pensei sorrindo. E vivenciei boas surpresas na
viagem toda. Voltei muitas vezes ao Sul, tive até namoradas na região.
Muito bom. Seu texto e sempre muito gostoso de ler.
ResponderExcluirMarlene Castanho. Ponta Grossa. PR
ResponderExcluirBoa viagem... E assim,de um simples contratempo,as janelas do trem se abriram para a realidade da região Sul, e o viajante pode provar das boas surpresas da viagem. A região dos Campos Gerais, cheia de histórias, é parada inevitável para o aventureiro curioso. Reivindicamos por aqui, um trem, bom, de turismo... Mouzar B. da Silva, Parabéns! Que nostalgia boa...
Vai ver o Sul é o sertão de cabeça pra baixo... Mt bom, como sempre, meu caro!
ResponderExcluirAbçs!
Bela e singela crônica. NÃO conheço o interior do Paraná. Adoraria fazer essa viagem de trem. Coisas que fiz só na minha infância. Coisa de uns sessenta anos atrás.
ResponderExcluirMOUZAR é um dos poucos brasileiros, que CONHECEM o Brasil inteiro. Conhece TODOS os Estados e capitais, além de pesquisador constante da CULTURA POPULAR. Conhece nosso folclore, como poucos. Enfim MOUZAR é um grande brasileiro.
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