Texto
de autoria de Juliano Lima Schualtz, estudante de História da UEPG, Ponta
Grossa.
Publicado no Diário dos Campos em 13/06/2020, postado no Portal aRede em 01/07/2020, lido na CBN Ponta Grossa em 28/07/2020.
Publicado no Diário dos Campos em 13/06/2020, postado no Portal aRede em 01/07/2020, lido na CBN Ponta Grossa em 28/07/2020.
Nessas
cidades interioranas com alamedas de chão batido ocorre-me uma lembrança
gargalhando faceira pelos ervais. Um certo afago arqueológico assalta a
maturidade e recompõe uma centelha pretérita. Lembro-me de que os pés desnudos
exploravam avidamente os canteiros do velho sítio.
O
aroma fresco do alecrim misturava-se ao cheiro de hortelã. A hortelã acariciava
o caule da árvore de araçá. Iminente ao araçá — os galhos de arruda disputavam
o perfume com o alecrim e hortelã. Camomilas serviam como berço para a cantoria
desenfreada das cigarras. Besouros corajosos dormiam entre os tomilhos. Aranhas
teciam seus precipícios no vácuo da corticeira. Taturanas festejavam no
pessegueiro. Perambulando pelo caule frágil da pitangueira o bem-te-vi bicava
as frutinhas adocicadas. Havia um pé de ingá ao fundo que partilhava o quintal
com um pequeno pé de cedro. Logo de noitinha, os vaga-lumes pestanejam seus
abajures após o crepúsculo. Recordar um aroma torna-se feitura emaranhada com o
tempo.
O
sol da infância era despontado pelo bico do galo. Pulava serelepe da cama, indo
perto do fogão a lenha, em época de pinhão a chapa já estava toda chamuscada
com aquelas sementes. E logo saía correndo para ver minha tia alimentando as
galinhas, depois os porcos e ovelhas. Como eram bonitos os girassóis com suas
hastes delicadas inclinando-se até beirar as capoeiras que cresciam no subúrbio do terreiro. Olhava para cima enquanto as nuvens
aravam o céu para plantar alguns pés de chuva. O avô capinava o fundo do
quintal para plantar mandioca. Aos oito anos de idade todos os mistérios do
planeta estão em qualquer fundo de quintal.
Quando
adoentado, a tia com maestria fazia um chá de louro com folhas diretas do
quintal. Se o chá não resolvesse era momento de ir à benzedeira. A cabana
amadeirada de dona Filumena permanecia toda decorada com santos e divindades. O
copo d’água com um galhinho de arruda ficava defronte da estátua de Nossa
Senhora de Fátima e outro santo mulato. Aquele rito tinha um tom onírico, um
presságio de purificação, como se ao ouvir as orações, minha inocência
palpitasse em toda sua nudez.
Voltando
para casa, com o espírito benzido. Já estava pronto para aprontar naquele fundo
de quintal, ou, na língua dos avós: fazer arte.
Marlene Castanho Ponta Grossa. PR
ResponderExcluirTão bem arquitetado esse seu quintal da infância... Que bom recordar,sentindo gostos e cheiros... E ainda fiquei comovida quando me deparei com as nuvens arando o céu para plantar alguns pés de chuva... Juliano, continue fazendo essa arte: escrever. Parabéns!
Fernanda Wiegand Mayer
ResponderExcluirSeu texto me fez lembrar de quando era criança e também ficava fazendo "arte" no quintal dos meus avós,além de muitos temperos, frutos, sementes e arvores características. Parabéns!