Texto
de autoria de Rosana Justus Braga, revisora, Curitiba (natural de Ponta
Grossa).
Publicado no Portal aRede em 01/04/2020, lido na Rádio CBN Ponta Grossa em 02/06/2020.
Publicado no Portal aRede em 01/04/2020, lido na Rádio CBN Ponta Grossa em 02/06/2020.
Meu
avô tinha comércio em Monjolinho, na época um pequeno vilarejo quase desconhecido
de quem vivesse na capital.
Tratava-se
de um armazém, daqueles que vendiam de tudo, de selas e arreios a finos
tecidos, de espingardas e revólveres a quinquilharias domésticas, de conservas
caseiras a ferramentas e pelegos, de atavios femininos a bornais de couro
curtido. Sem falar nas tulhas repletas de cereais, as especiarias, o vinho de
garrafão, o fumo de corda, as réstias de alho e cebola. E como pérola da casa,
a cuca que minha avó trazia todas as manhãs, do forno para o balcão da loja.
Ali,
também se vendia cachaça, o famoso dedinho de pinga que fazia a alegria de uns e
a desgraceira de muita família de bem.
Assim
que meu avô abria as portas, chegava a cuca quentinha, perfumada, revestindo o
armazém de inusitado aconchego, um gosto de entrar ali e gastar um bocadinho de
prosa, fartar-se de aromas e conversa fiada.
Pois
nesse dia, minha avó cuidava da venda, enquanto o avô cochilava a sesta na
varanda sombreada. Foi quando o caboclo chegou, cheio de maneiras, e quis ver
os cachimbos à venda. A avó colocou a caixa sobre o balcão, já antevendo o que
viria, e o sujeito deu de experimentar o fôlego de cada um, pacientemente, puxando
o ar de um e outro com vontade, a boca murcha cheia de entendimento.
Passados
os dez pelo beiço entendido, escolheu, finalmente, o que melhor lhe parecera e
mandou pendurar a despesa. A avó, que a
esta altura já gastara a paciência que tinha, disparou:
—
Aqui não se vende fiado; se tivesse dito que não tinha com que pagar, o senhor não
teria perdido o seu tempo, nem eu o meu...
Vexado,
mas sem perder a galhardia, o caboclo desembaraçou-se como pôde da situação
embaraçosa:
— A
dona que me “descurpe”, fica o dito pelo não dito. O cachimbo, então, eu não
levo, mas o pito eu levo.
Minha
avó, a quem não escapavam as sutilezas da alma humana, deixou-nos esse precioso
registro.
Achei sua crônica maravilhosa! Amo a maneira que entramos dentro da história! Quero sempre poder ler seus textos! Parabéns!
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