Texto de autoria de Juliano Lima Schualtz, estudante de História da
UEPG, Ponta Grossa.
Publicado no Portal aRede em 15/01/2020, na Folha Paranaense (Jaguariaíva) em 17/01/2020, no Portal D'Ponta Web News em 20/01/2020 e no Diário dos Campos em 05/02/2020..
Publicado no Portal aRede em 15/01/2020, na Folha Paranaense (Jaguariaíva) em 17/01/2020, no Portal D'Ponta Web News em 20/01/2020 e no Diário dos Campos em 05/02/2020..
Outeiros
espraiados de tabaco estendem-se até o limite turvo da vista cansada. Nalgum
cafundó esquecido desse mundaréu paranaense: ermo interiorano. Mulheres negras
passam o dia colhendo fumo e tolhendo a vida. Andando de uma linha à outra da
plantação, serviço que não acaba: sagarana cotidiana. Cansaço transpassa
a pele mulata e inunda a roupa-trapo. Debaixo do mormaço, as pernas tropicam
entre as linhas esburacadas. Calhamaço de folhas cobrem os braços dormentes, as
récuas panturrilhas com varizes tatuadas se queixam para os calos dos dedos:
psicanálise campesina.
Quando
engrossa a chuva na roça, as roupas pesam mais sobre a pele. O cheiro do
agrotóxico emerge da terra e das folhas de ouro verde. Faces cabisbaixas e
borocoxôs embaixo do chapéu de palha, corpos já molambentos. Desde criança conhecem
a educação pelo arado: deixaram de estudar para laborar. Orar para não caducar,
dizem as comadres. Oxalá, depois da colheita terá novena, rezar pra Ogum, haja
mandinga e oração para tanto sofrimento e lassidão.
O
patrão sinaliza; é hora do almoço, sem alvoroço, momento de comer e reclamar
das dores. Lavam as mãos, desembrulham a marmita do sacolão de pano, repartem o
pão, mexem o virado. Os olhos desacorçoados marejam: não se sabe mais o que é
suor e o que é lágrima. Ensejam e farejam outra linha que não essa de
agrotóxico.
Depois
do almoço, a tarde inda é graúda. A dor nas costas do agachamento constante
para colher o fumo que instiga o banzo do curumim sozinho em casa. “Menino
cresce e a gente tá longe” – fala uma das mulheres. “Quando chego em casa, nem
abraço a minha criança, tô fedida do trabalho” – responde a outra. “Mas fumo
nem trabalho é, é escravidão” – reverbera. “Pois é comadre, mas as contas tão
aí” – completa. As duas riem e seguem a linha até a silhueta naufragar no
cansaço continental.
Quando
o fim da tarde se achega, elas voltam para os mocambos,
com o sorriso amarelo, roupas pesadas e o palheiro entre os dentes...
pigarreando. Tomam tarja preta, descansam e falam para o filho: “dorme com
Deus, amanhã é dia de preto.” Noutro dia, acordam antes do sol e trabalham até
depois do crepúsculo. Na roça, não há tempo fixo. É preciso encher a estufa, é
preciso pagar as contas, a precisão antecipa a saúde, a vida.
Bela crônica. O Ouro verde citado no texto não só escraviza os trabalhadores mas também os que consomem. A morte para os dois chega primeiro.
ResponderExcluirMuito bonita a crônica. Essa coisa da linguagem coloquial utilizada de forma sofisticada é um entrelaçamento belo.
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