segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Identidade


Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes, Professora de Português e Inglês, Ponta Grossa. 

Publicado no Portal aRede em 08/01/2020, na Folha Paranaense (Jaguariaíva) em 09/01/2020 e no Correio Carambeiense em 16/01/2021.

Semanalmente percorro um trecho de rodovia que pouco se afastou do trajeto original de uma estrada tropeira, entre Ponta Grossa e Piraí do Sul.
Tempos atrás, antes de haver travado conhecimento da lida tropeira que o professor Silvestre Alves Gomes difundiu através de suas canções e do Jogo do Tropeiro, cuja criação acompanhei de perto, minha imaginação não teria asas para adentrar as paisagens que avisto pela janela do veículo e enxergar além dos vestígios de campos e capões de mato por entre os traços urbanos que se avizinham da estrada.
Hoje, onde uma placa indica o início de uma bacia, ou manancial, ou uma ponte, é o rio daquele trecho que eu atravesso, ouvindo o rumor das águas, vendo a tropa enfrentar a correnteza com as cabeças erguidas, seguindo a égua madrinha. Diante do Iapó transbordando suas águas para fora do leito, sinto o cheiro do café tropeiro fumegando na trempe da comitiva que espera as águas baixarem para seguir viagem.
Os relatos de Saint-Hilaire tornam-se retratos vivos, quando meus olhos buscam as capivaras, as onças pardas, as antas, que vêm ao rio matar a sede, por entre as ramadas de inúmeras plantas nativas, hoje mescladas de eucaliptos e pinus.
Com um pouco mais de imaginação posso ouvir o sibilar de uma flecha caingangue que, certeira, crava-se à pilastra da varanda do fazendeiro, com que o índio afronta o invasor de suas terras, mostrando que não está disposto a ser vencido sem luta.
Pergunto-me por que o ensino de hoje não difere muito do ensino do meu tempo de estudante, que por estar submetido aos objetivos políticos da ditadura militar, mostrou-se incapaz de libertar as mentes jovens na busca dessa identidade social. Os jovens de hoje, os poucos que se sentem impelidos aos estudos, prendem-se voluntariamente às correntes do liberalismo, do consumismo, do “vestibulismo”. A maioria, nem a isso; apenas isolam-se dentro das escolas, como que num gueto em que se sentem seguros misturados aos demais.
Será preciso ainda mais empenho de professores, jogando luzes sobre erros de nosso passado obscuro, para que as retinas dos jovens ardam ferozmente à vista deles, e para que a dor das verdades embalsamadas nos opacos paninhos mornos da indiferença retumbe em seus tímpanos até que acordem para ouvir e enxergar. E possam, finalmente, compreender o presente e avistar o futuro, tornando-se protagonistas em vez de figurantes no enredo de suas próprias vidas.

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