segunda-feira, 3 de julho de 2023

O cachorro do saneamento

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa. 

Postado no Portal CulturAção em 01/08/2023, e publicado no Diário dos Campos em 05/07/2023.

É fato comprovado pela experiência de conhecidos que atuaram no ramo: embora seja próprio de cachorros de qualquer naturalidade atacar trabalhadores que passam a pé ou de bicicleta, os cães princesinos são especialmente ferozes e não perdoam os operários semoventes (no bom sentido).

Os casos contados nessa quadra são numerosos e as vítimas descrevem um caleidoscópio narrativo que varia entre a ira completa e as mal confessadas saudades. Segundo um amigo, daqueles tempos só lhe faz falta o excelente condicionamento físico que adquiriu fugindo das matilhas que campeavam os distritos de Ponta Grossa. Privado desse estímulo, resta-lhe agora o esboço do esboço de uma vida de atleta, praticando triatlo e correndo as maratonas que a Unimed promove na cidade.

Outro indivíduo que consultei a respeito lastima muito o canino desapreço, mas pondera que tragédia alguma surpreende o trabalhador bem precavido e conhecedor das mazelas que assolam seu ofício. Por isso, quando visitava o Centro, onde morava um animal que nutria por ele especial e injustificada predileção, punha a mesma e castigada calça, pois soubera que o bicho andara padecendo forte congestão após digerir alguns fiapos da peça numa investida anterior.

Agora (referência gratuita!), tal como bem demonstrou Machado de Assis em seu A Igreja do Diabo, no meio das desgraças mais fundas e quando a devassidão se torna generalizada, resplandece o Bem que não imagináramos brotando lá.

Contou-me um servidor da Sanepar. Nesta cidade tomada por animais contrários à CLT, apareceu pelos lados do Cristo Rei o Niki, labrador de forte têmpera republicana e cuja veia nacional-desenvolvimentista não tolerava ofensa aos funcionários da Companhia de Águas.

Mal via passar um leiturista para fazer as medições nos hidrômetros, o Niki saltava e ia escoltá-lo rua abaixo, rosnando contra as ameaças e exigindo urbanidade de seus pares. Nos primeiros dias, os cães da vizinhança não fizeram caso, mas as bordoadas pedagógicas do Niki puseram todos na linha. Dali a pouco não havia lugar melhor para pegar no batente, o espírito cívico de Niki impôs na região a pax Romana; com gente trabalhando o tratamento passou a ser de “bom dia”, “pois não” e “muito obrigado”.

Com a aposentadoria do velho labrador, o ideal seria arranjar uns oitenta dele e distribuí-los por pontos estratégicos da região. Mas onde se acham outros Nikis? Lide com essa, ó, Diretoria.


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